Quando o trabalho não é fator de progresso
O trabalho deve ser uma fonte de progresso para quem o
exerce e todos os que queiram produzir algo têm o direito de colocar o seu
talento a serviço da sociedade em que estão inseridos e ter retorno justo
daquilo que produzem. Isto é absolutamente óbvio.
No entanto, por paradoxal que
pareça, não é o que vem acontecendo na América Latina, especialmente nesta
terrível década de 80. A pobreza está crescendo a níveis assustadores na região
e já alcança a 165 milhões de indivíduos, condenados, eles próprios, a um
tormento pior do que o descrito pelo poeta Dante Alighieri, em sua “Divina
Comédia”, e a verem, ainda por cima, seus filhos reduzidos a idêntica, se não a
pior, situação. Onde tudo isto pode parar?
Quando temas desta natureza são
levantados em âmbito público, sempre alguém, cinicamente, aponta o dedo
acusador para quem ousa fazer isso, dizendo que ele está a serviço da ideologia
“x” ou “y”. Não se consegue entender que a sobrevivência não é, em absoluto,
uma questão ideológica, mas até instintiva. E nós, na América Latina, estamos
nos limites dela. Pelo menos, a maioria. E não é o comentarista que diz isso.
São os números frios e secos de
insuspeitas entidades internacionais que mostram essa realidade, que
determinados grupos preferiam que permanecesse escondida. Como se isso ainda
fosse possível! Como se a maioria dos latino-americanos não sentisse isso na
própria carne!
Sobre o absurdo dessa dívida
externa, que nas condições em que foi tomada se transformou em “eterna”, já
tivemos inúmeras oportunidades de comentar. Não se pode levar a sério um tipo
de negócio desses, em que o credor estipula, ao seu bel prazer, a taxa de juros
que pretende cobrar.
Econômica, moral e logicamente
isso soa como heresia. Mas há, ainda, muito bobo alegre, posando de moralista
às avessas, pregando que as coisas fiquem como estão. Tais pessoas argumentam:
“Quem mandou emprestar? Querem que nos chamem de caloteiros?” e outras bobagens
do tipo.
Como se o cidadão que ganha
salário mínimo (isto quando tem emprego para tanto), que por sinal fica cada
vez mais achatado, tivesse feito tais empréstimos no Exterior. E em condições
tão tolas, deixando para o credor estabelecer quanto quer cobrar de juros.
Não é o comentarista que está
afirmando que estamos empobrecendo aceleradamente, a cada dia que passa. São os
números divulgados pela Cepal, pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário
Internacional. Quando este processo perverso, que transforma o trabalho apenas
em servidão, em tormento, em fonte mínima de sobrevivência e não em fator de
progresso e felicidade para aquele que produz, vai ser detido? Quando?
(Artigo publicado na página 10,
Internacional, do Correio Popular, em 31 de março de 1989).
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