Saturday, February 09, 2013

Primeiro-ministro paga por erro

Pedro J. Bondaczuk
 
 
Os mesmos mineiros de carvão da Romênia, que no ano passado salvaram o governo do primeiro-ministro Petre Roman, acossado, na oportunidade, por violentas e prolongadas manifestações de protesto, causaram, agora a queda do gabinete.
 
Em 1990, os trabalhadores foram convocados pelo dirigente para que marchassem sobre a capital, recebendo uma tarefa que não era a sua: a manutenção da ordem pública. E eles atenderam. Foram para Bucareste e recorrendo a uma violência digna da polícia secreta da ditadura de Nicolae Ceausescu, a temível e temida Securitate, dissolveram a pancadas o movimento de estudantes e intelectuais liberais que exigiam democracia no país.
 
As autoridades, na ocasião, abriram um perigoso precedente. Os líderes dos mineiros puderam testar suas forças e concluíram que elas eram consideráveis. E resolveram se preparar para usá-las na defesa de seus próprios interesses quando julgassem oportuno.
 
Nesta semana, entenderam que chegou esse momento. A categoria entrou em greve para exigir aumentos salariais e o fim do plano econômico posto em andamento por Roman, que cortou subsídios, liberou preços e arrochou salários, provocando uma perversa "estagflação", ou seja, estagnação econômica com disparada inflacionária.
 
O nível de vida dos romenos, evidentemente, despencou. Poucas categorias nesse país têm o nível de mobilização dos mineiros. Além disso, surgiu no meio da classe um movimento neocomunista, o que demonstra que as afirmações acerca do fim do comunismo, tanto na Europa, quanto no mundo, são, no mínimo, prematuras.
 
Uma greve, que tinha tudo para ser como outra qualquer, todavia, degenerou numa explosão de violência poucas vezes vista no país. Os trabalhadores do Vale de Jiu raciocinaram que, se no ano passado eles salvaram o governo da queda, tinham todo o direito de derrubar agora o gabinete.
 
Incontinenti, multidões de operários tomaram de assalto uma estação ferroviária, seqüestraram um trem e rumaram para Bucareste. Sua intenção, porém, estava longe de ser a de negociação. Quem negocia não ameaça com violência. Não confronta seus interlocutores armado com picaretas, paus, pedras e bombas incendiárias. E os mineiros romenos estavam munidos desse "argumento" quando chegaram à capital. Provavelmente, o único.
 
As cenas que protagonizaram, ficarão por muito tempo marcadas na memória da população que, assustada, compreendeu a fragilidade atual das instituições do país. Como se sentir seguro numa sociedade em que sete mil pessoas iradas e descontroladas, portanto inocentes úteis nas mãos de agitadores, conseguem derrubar um governo, invadir e depredar um Parlamento e ocupar uma estação de TV nacional?
 
Anteontem, o líder sindical Mirom Cosmar admitiu ter perdido o controle sobre a multidão. Quem conhece psicologia das massas sabe o potencial destrutivo que há numa turba descontrolada. Num discurso que pronunciou no Parlamento da antiga Alemanha Oriental, o ex-líder do Partido Comunista desse extinto país, Egon Krenz, que havia substituído há poucos dias o ex-todo poderoso Erich Honecker, observou, em 24 de outubro de 1989: "Em tempos conturbados, mesmo as manifestações bem intencionadas correm o risco de não terminarem pacificamente como começaram". E quase nunca, ou nunca terminam.
 
Os distúrbios desta semana em Bucareste, portanto, devem ficar como lição não apenas para os líderes romenos, mas de qualquer parte do mundo. Nenhum governante tem o direito de agir fora das leis que regem sua sociedade.
 
Legislação nenhuma, em qualquer lugar, mesmo o mais atrasado, outorga a tarefa de manutenção da ordem pública a qualquer sindicato, grupo ou corporação. Todo delito tem um preço, quer seja de caráter privado, quer envolvendo interesses coletivos. O governo romeno pagou o seu.
 
O período das "revoluções", com armas nas mãos e barricadas nas ruas, objetivando subverter a ordem existente, já está ultrapassado, pela sua ineficácia. A história demonstrou centenas de vezes que quem sobe usando expedientes de violência, geralmente desce da mesma maneira. Infelizmente, porém, os erros históricos continuam sendo repetidos com enervante regularidade.
 
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 28 de setembro de 1991).
          
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