Primeiro-ministro paga por
erro
Pedro J. Bondaczuk
Os
mesmos mineiros de carvão da Romênia, que no ano passado salvaram o governo do
primeiro-ministro Petre Roman, acossado, na oportunidade, por violentas e
prolongadas manifestações de protesto, causaram, agora a queda do gabinete.
Em
1990, os trabalhadores foram convocados pelo dirigente para que marchassem
sobre a capital, recebendo uma tarefa que não era a sua: a manutenção da ordem
pública. E eles atenderam. Foram para Bucareste e recorrendo a uma violência
digna da polícia secreta da ditadura de Nicolae Ceausescu, a temível e temida
Securitate, dissolveram a pancadas o movimento de estudantes e intelectuais
liberais que exigiam democracia no país.
As
autoridades, na ocasião, abriram um perigoso precedente. Os líderes dos
mineiros puderam testar suas forças e concluíram que elas eram consideráveis. E
resolveram se preparar para usá-las na defesa de seus próprios interesses
quando julgassem oportuno.
Nesta
semana, entenderam que chegou esse momento. A categoria entrou em greve para
exigir aumentos salariais e o fim do plano econômico posto em andamento por
Roman, que cortou subsídios, liberou preços e arrochou salários, provocando uma
perversa "estagflação", ou seja, estagnação econômica com disparada
inflacionária.
O
nível de vida dos romenos, evidentemente, despencou. Poucas categorias nesse
país têm o nível de mobilização dos mineiros. Além disso, surgiu no meio da
classe um movimento neocomunista, o que demonstra que as afirmações acerca do
fim do comunismo, tanto na Europa, quanto no mundo, são, no mínimo, prematuras.
Uma
greve, que tinha tudo para ser como outra qualquer, todavia, degenerou numa
explosão de violência poucas vezes vista no país. Os trabalhadores do Vale de
Jiu raciocinaram que, se no ano passado eles salvaram o governo da queda,
tinham todo o direito de derrubar agora o gabinete.
Incontinenti,
multidões de operários tomaram de assalto uma estação ferroviária, seqüestraram
um trem e rumaram para Bucareste. Sua intenção, porém, estava longe de ser a de
negociação. Quem negocia não ameaça com violência. Não confronta seus
interlocutores armado com picaretas, paus, pedras e bombas incendiárias. E os
mineiros romenos estavam munidos desse "argumento" quando chegaram à
capital. Provavelmente, o único.
As
cenas que protagonizaram, ficarão por muito tempo marcadas na memória da
população que, assustada, compreendeu a fragilidade atual das instituições do
país. Como se sentir seguro numa sociedade em que sete mil pessoas iradas e
descontroladas, portanto inocentes úteis nas mãos de agitadores, conseguem
derrubar um governo, invadir e depredar um Parlamento e ocupar uma estação de
TV nacional?
Anteontem,
o líder sindical Mirom Cosmar admitiu ter perdido o controle sobre a multidão.
Quem conhece psicologia das massas sabe o potencial destrutivo que há numa
turba descontrolada. Num discurso que pronunciou no Parlamento da antiga
Alemanha Oriental, o ex-líder do Partido Comunista desse extinto país, Egon
Krenz, que havia substituído há poucos dias o ex-todo poderoso Erich Honecker,
observou, em 24 de outubro de 1989: "Em tempos conturbados, mesmo as
manifestações bem intencionadas correm o risco de não terminarem pacificamente
como começaram". E quase nunca, ou nunca terminam.
Os
distúrbios desta semana em Bucareste, portanto, devem ficar como lição não
apenas para os líderes romenos, mas de qualquer parte do mundo. Nenhum
governante tem o direito de agir fora das leis que regem sua sociedade.
Legislação
nenhuma, em qualquer lugar, mesmo o mais atrasado, outorga a tarefa de
manutenção da ordem pública a qualquer sindicato, grupo ou corporação. Todo
delito tem um preço, quer seja de caráter privado, quer envolvendo interesses
coletivos. O governo romeno pagou o seu.
O
período das "revoluções", com armas nas mãos e barricadas nas ruas,
objetivando subverter a ordem existente, já está ultrapassado, pela sua
ineficácia. A história demonstrou centenas de vezes que quem sobe usando
expedientes de violência, geralmente desce da mesma maneira. Infelizmente,
porém, os erros históricos continuam sendo repetidos com enervante
regularidade.
(Artigo publicado na página 14,
Internacional, do Correio Popular, em 28 de setembro de 1991).
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