Entre o histórico e o
lucrativo
Pedro
J. Bondaczuk
A comparação que se faz
entre o primeiro Rock in Rio, realizado em janeiro de 1985, na cidade que até
hoje lhe empresta o nome, e Woodstock, é um tanto forçada e por uma série de
razões. O evento levado a efeito em uma fazenda da pequena (na verdade minúscula)
localidade rural de Bethel, no Estado de Nova York, nunca mais se repetiu. Já o
festival, promovido pelo empresário brasileiro Roberto Medina, repete-se com
regularidade, sempre atraindo grande público. Para se ter uma idéia do seu
sucesso, basta dizer que, apenas na edição de 2011, foram arrecadados US$ 69
milhões só em patrocínios. Woodstock, apesar do seu caráter simbólico (mais
isso do que qualquer outra coisa), deu prejuízo aos organizadores. Já o Rock in
Rio se transformou em máquina de fazer dinheiro. Em contrapartida, sua
importância histórica (sem nenhum demérito) é mínima, se não nenhuma. São
coisas muito diferentes tendo em comum, somente, o ritmo que as caracteriza: o
rock. É a comparação, portanto, entre o histórico e o lucrativo.
Se atentarmos bem, até
o nome Woodstock é inapropriado. Por que? Porque o festival de 1969 não foi
realizado nessa cidade, como estava inicialmente previsto. O motivo da
transferência de lugar foi a inflexível oposição da população local, temerosa
da presença de “jovens viciados e enlouquecidos” em seu território. Ademais,
nem foi classificado, pelo menos oficialmente, de festival, mas de feira de
música e arte. Ocorreu como resultado dos esforços de quatro empreendedores,
que entraram com os recursos financeiros: Michael Lang, John P. Roberts, Joel
Rosemann e Artie Komfeld.
Para complicar e
desanimar os organizadores, o que se pretendia que fosse sua principal atração
acabou sendo a primeira e grande frustração do espetáculo, bem antes dele ser
sequer montado e realizado. Os Beatles, então no auge do sucesso mundial, foram
convidados a participar do evento. Todavia, por razões nunca explicadas
(alega-se que por falta de datas na agenda), os então inquietos e celebérrimos
“garotos de Liverpool”, recusaram o convite. Aliás, as recusas foram muito
além. Bob Dylan, Joni Mitchel, The Doors e Led Zeppelin, entre outros,
igualmente não aceitaram marcar presença em Woodstock. Ainda assim, com mudança
de última hora de local, com uma série de recusas de astros e estrelas de renome
do rock, com a oposição das pessoas que temiam a presença desse bando de
“hippies” em sua comunidade, o evento, realizado em três dias – 15, 16 e 17 de
agosto de 1969 – entrou para a história como marco da contracultura. E foi de
fato.
O “Woodstock Music
& Art Fair”, nome oficial do festival, ocorreu na fazenda de 600 acres
pertencente a Max Yasgur. Teve de tudo, menos conforto e organização. Para
complicar e aumentar a balbúrdia, a promiscuidade e a sujeira no
mega-acampamento em que a fazenda de Bethel se transformou, choveu no último
dia do evento. Isso, porém, era o que menos importava àquela multidão rebelde
que tinha por lema o tal da “paz e amor”. Nunca se chegou a um acordo sobre o
número de presentes ao espetáculo. As cifras variam entre 50 mil e 500 mil
pessoas. Os números citados, sejam quais forem, foram todos estimados, na pura
base do “chutômetro”. Apesar de vários astros e estrelas haverem recusado
convite para participar do festival, este ainda contou com a presença de 32 dos
mais festejados e bem-sucedidos artistas da contracultura e não só do rock, mas
do jazz, da música country e de outros tantos ritmos.
Por uma questão até de
registro histórico, faz-se necessário declinar quais cantores, instrumentistas
e conjuntos se apresentaram. No dia 15 de agosto de 1969, uma sexta-feira, o
público pôde vibrar com Richie Havens, Swamm Satchidananda, Sweetwater, The
Incredible String Band, Bert Sommer, Tim Hardin, Ravi Shankar, Melanie, Arlo
Guthrie e Joan Baez.
No sábado, dia 16, foi
a vez de Quill, Keef Hartley Band, Joe McDonald, John Sebastian, Santana,
Canned Heat, Mountain, Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, Janis
Joplin com a Kozmic Blues Band, The Who e Jefferson Airplane.
Finalmente, no domingo,
dia 17, apresentaram-se, sob uma chuva fina e persistente, The Grearse Band;
Joe Cocker; Country Joe and the Fish; Ten Years After; The Band; Blood, Sweat
& Tears; Johnny Winter e Edgar Winter; Crosby, Stils, Nash & Young;
Pasul Butterfield Blues Band; Sha-Na-Na e Jimi Hendrix.
As drogas e o sexo
rolaram livres naqueles três dias de fantasia, loucura, excessos e
desrecalques. Ali, naquele local e naqueles dias, tudo era permitido. Foi o
auge da permissividade do século XX. Vigorava a regra de que era “proibido
proibir”. Por falar em drogas, estas viriam a matar, apenas um ano depois, as
duas maiores atrações de Woodstock: Jimi Hendrix, encontrado morto, no dia 19
de setembro de 1970, em Londres, quando fazia uma contestada turnê pela
Grã-Bretanha, vítima de overdose e Janis Joplin, que morreu em 4 de dezembro de
1970, num quarto do Landmark Hotel and Apartment, em Los Angeles, considerado o
paraíso de Hollywood pelos artistas do rock.
Foram inúmeros os
artistas consagrados, ou apenas promissores, que morreram em decorrência do
excesso de consumo de cocaína, morfina, ópio, ácido lisérgico, conhecido como
LSD e várias outras substâncias, alucinógenas ou não.
Os três dias de shows
foram encerrados, num delírio, levando os presentes ao paroxismo, por Jimi
Hendrix. O roqueiro, como era seu costume, destruiu, ao cabo da derradeira
música da sua seleção musical, os amplificadores de som do palco. Mas fez isso
sem deixar de dedilhar a guitarra, furiosamente, que, após vários minutos de
habilíssima execução, finalmente, também despedaçou, sob gritos, aplausos e
apupos generalizados. Anos depois, essa prática viria a ser imitada por muitos
roqueiros, entre os quais Pete Townshend e Keith Monn, do conjunto The Who.
Para se comparar
Woodstock com Rock in Rio é necessário contextualizar os dois eventos, realizados
em épocas com realidades políticas, econômicas e sociais bem diversas, tanto em
1969 nos Estados Unidos, quando e onde o primeiro ocorreu, quanto em 1985 no
Brasil, quando e onde o segundo foi realizado, o que me disponho a fazer na
sequência, por propiciar empolgante estudo sociológico.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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