Tuesday, February 19, 2013


Armadilha das cidades


Pedro J. Bondaczuk

As cidades atuais, notadamente as gigantescas, que denomino de megalopolis, perderam, e há muito, as características originais pensadas por seus primitivos criadores. Em muitos aspectos, constituem-se, até, em gigantescas armadilhas, que ampliam, entre outras coisas, as conseqüências de eventuais catástrofes naturais quando estas ocorrem. Quando (ou se) avisados com antecedência da iminência de algum cataclismo – como foi o caso recente do furacão “Sandy” que, felizmente, ao tocar o continente norte-americano amainou e se transformou em “super tempestade” – seus moradores ainda têm possibilidades de preservar o bem mais precioso que têm: a vida. Nem sempre, todavia, esse aviso prévio é viável ou até possível. E mesmo quando há esse tipo de chance, nem todos dão ouvidos às autoridades e morrem em decorrência do seu ceticismo quando não por estúpida teimosia.

As primeiras cidades surgiram, conforme alguns historiadores, há cerca de 9 mil anos e foram erguidas para proteger pessoas de saques de bandoleiros nômades, de tribos bárbaras que recorriam à força para garantir sustento e sobrevivência. Devem ter sido lugares agradáveis, em que todos se conheciam e em geral eram ligados por algum laço de parentesco, mesmo que remoto. Sua população era pequena – ínfima, se comparada à das megalópoles atuais – e havia verdadeiro espírito comunitário, genuíno e eficaz.

Hoje... Bem, na atualidade, as cidades não passam de enormes depósitos de pessoas, amontoadas umas sobre as outras em enormes caixotes de concreto, vidro e aço. Barulhentas, poluídas e agitadas, são o protótipo de como não se viver. Transformaram-se numa selva, posto que de cimento e asfalto, sem nem mesmo os atrativos desta (da natural), óbvio.

O fator segurança, que determinou sua própria concepção, hoje virtualmente inexiste. A solidariedade, que ligava os moradores das cidades antigas na defesa do patrimônio individual e coletivo, foi substituída pelo antagonismo, pela mórbida desconfiança, pela indiferença e pela ostensiva e feroz hostilidade. Não se trata mais de comunidade, pois pouquíssima coisa, quase nada, é atualmente comum. Tudo o que você precisa tem que ser pago e a peso de ouro. Nem sua casa lhe pertence, pois você tem que pagar, e para sempre, imposto para o município para tê-la no lugar em que ela está erguida (o tal do IPTU).

Os aglomerados urbanos transformaram-se em lugares perigosos e insalubres para se viver. E crescem, incham, expandem-se diariamente, concentrando cada vez mais pessoas infelizes, solitárias e amargas. Ou frustradas, neuróticas e desequilibradas.

Dois terços dos mais de 7 bilhões de habitantes do Planeta concentram-se, hoje em dia, em apenas uma centena de megalópoles, disformes torres de Babel dos tempos modernos que nem mesmo a confusão de línguas consegue dispersar. Ainda assim, seus habitantes não cogitam, sequer remotamente, em outro tipo de vida. No campo, por exemplo, onde não teriam a sensação claustrofóbica que as cidades causam. Sei que a maioria não concorda com minhas colocações e defende essa forma de vida como o suprassumo da modernidade e da civilização. Claro que não é. Mas... há gosto para tudo, não é fato?

Eça de Queiroz, em seu livro "A Cidade e as Serras", observou: "Na natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetitivo! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte se assemelhassem! Na cidade pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa, todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação, as idéias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há de mais pessoal e íntimo, a ilusão, é em todos idêntica,  e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro...A mesmice: eis o horror da cidade!" E olhem que na época em que Eça viveu, no século XIX, não havia uma única cidade com populações como as de hoje. O número de habitantes, por exemplo, de Londres, Paris, Nova York ou Xangai, chegava, exagerando na estimativa, aos seis milhões, e já era considerado um assombro. O que diria hoje o romancista português se vivesse numa Cidade do México, que caminha para os 23 milhões de habitantes? Ou em São Paulo, Tóquio ou Bombaim?

E refiro-me apenas aos relacionamentos interpessoais, sem me ater a inúmeras outras desvantagens, como a poluição atmosférica ou sonora, o problema do que fazer com as toneladas e toneladas de lixo acumuladas diariamente, ou a necessidade de prover de água e alimentos milhões de indivíduos etc.

Eça de Queiroz, no citado livro, identifica o que chama de  "sulcos" como o maior dos inconvenientes das cidades. E explica: "É um perfume muito agudo e petulante que uma mulher larga ao passar, e se instala no olfato, e estraga para todo o dia o ar respirável. É um dito que se surpreende num grupo, que revela um mundo de velhacaria, ou de pedantismo, ou de estupidez, e que nos fica colado à alma, como um salpico, lembrando a imensidade da lama a atravessar. Ou então, meu filho, é uma figura intolerável pela pretensão, ou pelo mau gosto, ou pela impertinência, ou pela relice, ou pela dureza, é que não se pode sacudir mais a visão repulsiva...Um pavor estes sulcos".

É preciso uma nova confusão de línguas, como a registrada no relato bíblico, para que os construtores dessas babéis contemporâneas, dessas selvas de concreto e asfalto, cada vez mais loucas, violentas, enfumaçadas e barulhentas, se dispersem pelo mundo. Haverá, todavia, tempo para essa volta à natureza? O “homo urbanus” sobreviverá fora dessas “armadilhas”, no interior das quais nasceu, cresceu, sempre viveu e nunca cogitou de alternativas mais saudáveis e sábias? Ouso responder: não, não e não!

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