Armadilha das cidades
Pedro J. Bondaczuk
As
cidades atuais, notadamente as gigantescas, que denomino de megalopolis,
perderam, e há muito, as características originais pensadas por seus primitivos
criadores. Em muitos aspectos, constituem-se, até, em gigantescas armadilhas,
que ampliam, entre outras coisas, as conseqüências de eventuais catástrofes
naturais quando estas ocorrem. Quando (ou se) avisados com antecedência da
iminência de algum cataclismo – como foi o caso recente do furacão “Sandy” que,
felizmente, ao tocar o continente norte-americano amainou e se transformou em
“super tempestade” – seus moradores ainda têm possibilidades de preservar o bem
mais precioso que têm: a vida. Nem sempre, todavia, esse aviso prévio é viável
ou até possível. E mesmo quando há esse tipo de chance, nem todos dão ouvidos
às autoridades e morrem em decorrência do seu ceticismo quando não por estúpida
teimosia.
As
primeiras cidades surgiram, conforme alguns historiadores, há cerca de 9 mil
anos e foram erguidas para proteger pessoas de saques de bandoleiros nômades,
de tribos bárbaras que recorriam à força para garantir sustento e
sobrevivência. Devem ter sido lugares agradáveis, em que todos se conheciam e
em geral eram ligados por algum laço de parentesco, mesmo que remoto. Sua
população era pequena – ínfima, se comparada à das megalópoles atuais – e havia
verdadeiro espírito comunitário, genuíno e eficaz.
Hoje...
Bem, na atualidade, as cidades não passam de enormes depósitos de pessoas,
amontoadas umas sobre as outras em enormes caixotes de concreto, vidro e aço.
Barulhentas, poluídas e agitadas, são o protótipo de como não se viver.
Transformaram-se numa selva, posto que de cimento e asfalto, sem nem mesmo os
atrativos desta (da natural), óbvio.
O
fator segurança, que determinou sua própria concepção, hoje virtualmente
inexiste. A solidariedade, que ligava os moradores das cidades antigas na
defesa do patrimônio individual e coletivo, foi substituída pelo antagonismo,
pela mórbida desconfiança, pela indiferença e pela ostensiva e feroz
hostilidade. Não se trata mais de comunidade, pois pouquíssima coisa, quase
nada, é atualmente comum. Tudo o que você precisa tem que ser pago e a peso de
ouro. Nem sua casa lhe pertence, pois você tem que pagar, e para sempre, imposto
para o município para tê-la no lugar em que ela está erguida (o tal do IPTU).
Os
aglomerados urbanos transformaram-se em lugares perigosos e insalubres para se
viver. E crescem, incham, expandem-se diariamente, concentrando cada vez mais
pessoas infelizes, solitárias e amargas. Ou frustradas, neuróticas e
desequilibradas.
Dois
terços dos mais de 7 bilhões de habitantes do Planeta concentram-se, hoje em
dia, em apenas uma centena de megalópoles, disformes torres de Babel dos tempos
modernos que nem mesmo a confusão de línguas consegue dispersar. Ainda assim,
seus habitantes não cogitam, sequer remotamente, em outro tipo de vida. No
campo, por exemplo, onde não teriam a sensação claustrofóbica que as cidades
causam. Sei que a maioria não concorda com minhas colocações e defende essa
forma de vida como o suprassumo da modernidade e da civilização. Claro que não
é. Mas... há gosto para tudo, não é fato?
Eça
de Queiroz, em seu livro "A Cidade e as Serras", observou: "Na
natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetitivo! Nunca duas folhas
de hera, que, na verdura ou recorte se assemelhassem! Na cidade pelo contrário,
cada casa repete servilmente a outra casa, todas as faces reproduzem a mesma
indiferença ou a mesma inquietação, as idéias têm todas o mesmo valor, o mesmo
cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há de mais pessoal e íntimo,
a ilusão, é em todos idêntica, e todos a
respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro...A mesmice: eis o
horror da cidade!" E olhem que na época em que Eça viveu, no século XIX,
não havia uma única cidade com populações como as de hoje. O número de
habitantes, por exemplo, de Londres, Paris, Nova York ou Xangai, chegava,
exagerando na estimativa, aos seis milhões, e já era considerado um assombro. O
que diria hoje o romancista português se vivesse numa Cidade do México, que
caminha para os 23 milhões de habitantes? Ou em São Paulo, Tóquio ou Bombaim?
E
refiro-me apenas aos relacionamentos interpessoais, sem me ater a inúmeras
outras desvantagens, como a poluição atmosférica ou sonora, o problema do que
fazer com as toneladas e toneladas de lixo acumuladas diariamente, ou a
necessidade de prover de água e alimentos milhões de indivíduos etc.
Eça
de Queiroz, no citado livro, identifica o que chama de "sulcos" como o maior dos
inconvenientes das cidades. E explica: "É um perfume muito agudo e
petulante que uma mulher larga ao passar, e se instala no olfato, e estraga
para todo o dia o ar respirável. É um dito que se surpreende num grupo, que
revela um mundo de velhacaria, ou de pedantismo, ou de estupidez, e que nos
fica colado à alma, como um salpico, lembrando a imensidade da lama a
atravessar. Ou então, meu filho, é uma figura intolerável pela pretensão, ou
pelo mau gosto, ou pela impertinência, ou pela relice, ou pela dureza, é que
não se pode sacudir mais a visão repulsiva...Um pavor estes sulcos".
É
preciso uma nova confusão de línguas, como a registrada no relato bíblico, para
que os construtores dessas babéis contemporâneas, dessas selvas de concreto e
asfalto, cada vez mais loucas, violentas, enfumaçadas e barulhentas, se
dispersem pelo mundo. Haverá, todavia, tempo para essa volta à natureza? O
“homo urbanus” sobreviverá fora dessas “armadilhas”, no interior das quais
nasceu, cresceu, sempre viveu e nunca cogitou de alternativas mais saudáveis e
sábias? Ouso responder: não, não e não!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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