O jovem Carlos
O adolescente Carlos da Silva Milhomem, de 16 anos,
natural de Araguaína, no Estado de Tocantins, passou o Dia da Criança deste ano
de forma diferente, muito diversa de outras pessoas da sua idade. Não teve show
de rock, cachorro-quente e refrigerantes. Não ganhou passagem para Disneyworld
e o clima em que passou essa data podia ser tudo, menos o de festa.
Envolvido num delito que não cometeu, o jovem passou
a data apanhando. Sendo torturado por policiais que desonraram a farda da
corporação que vestiam. Mesmo que ele houvesse sido o autor do estelionato que
lhe queriam imputar, não poderia, jamais, ser vítima de espancamento, como foi,
já que a Constituição proíbe essa prática desumana. Por ser menor, Carlos é
igualmente passivo da proteção do recém aprovado Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O Ministério da Justiça está apurando a denúncia e
os acusados, no mínimo, praticaram o crime de abuso de autoridade. Agiram com
uma insensibilidade indigna de quem exerce a função que lhes foi destinada, de
guardiões da sociedade.
Entre nós, não somente em casos como este, mas já se
tornou até uma regra geral, se costuma inverter o axioma que diz que "todo
cidadão é inocente até que se prove o contrário". Esse comportamento, precipitado
e preconceituoso, dá margem a dolorosos e, às vezes, irreparáveis, erros
judiciários.
Para citar somente um, basta mencionar o caso dos
irmãos Naves, em Minas Gerais, que foram presos, torturados, julgados,
condenados e encarcerados por mais de vinte anos pelo alegado assassinato de um
comerciante. Passado todo esse sofrimento, esta morte social que representa uma
condenação judicial, eis que, num certo dia, a suposta vítima foi vista
passeando na rua de uma determinada cidade mineira, vivíssima, mais viva do que
nunca.
É verdade que o governo pagou indenização pelo erro
judiciário. Mas há dinheiro que possa compensar os horrores de uma
penitenciária, ainda mais pagando por um crime que não se cometeu?! O mesmo
aconteceu com o garoto de Araguaína, humilde trabalhador de salário mínimo numa
empresa avícola local.
Um dia depois da sessão de tortura a que o menor foi
submetido, a polícia prendeu o verdadeiro culpado. Este, certamente, será um
Dia da Criança que Carlos jamais irá esquecer enquanto viver. Além de tudo, o
caso revela, com nitidez, a forma como nossos menores carentes são tratados.
Não importa o que os políticos falem em épocas de
campanha. Não importam as promessas e as manifestações de boa intenção. O que
conta é a ação. E esta, em geral, salvo honrosas exceções, é do mesmo tipo da
que o jovem de Tocantins foi vítima.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de outubro de 1990).
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