Tuesday, February 26, 2013


O jovem Carlos

 Pedro J. Bondaczuk


O adolescente Carlos da Silva Milhomem, de 16 anos, natural de Araguaína, no Estado de Tocantins, passou o Dia da Criança deste ano de forma diferente, muito diversa de outras pessoas da sua idade. Não teve show de rock, cachorro-quente e refrigerantes. Não ganhou passagem para Disneyworld e o clima em que passou essa data podia ser tudo, menos o de festa.

Envolvido num delito que não cometeu, o jovem passou a data apanhando. Sendo torturado por policiais que desonraram a farda da corporação que vestiam. Mesmo que ele houvesse sido o autor do estelionato que lhe queriam imputar, não poderia, jamais, ser vítima de espancamento, como foi, já que a Constituição proíbe essa prática desumana. Por ser menor, Carlos é igualmente passivo da proteção do recém aprovado Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Ministério da Justiça está apurando a denúncia e os acusados, no mínimo, praticaram o crime de abuso de autoridade. Agiram com uma insensibilidade indigna de quem exerce a função que lhes foi destinada, de guardiões da sociedade.

Entre nós, não somente em casos como este, mas já se tornou até uma regra geral, se costuma inverter o axioma que diz que "todo cidadão é inocente até que se prove o contrário". Esse comportamento, precipitado e preconceituoso, dá margem a dolorosos e, às vezes, irreparáveis, erros judiciários.

Para citar somente um, basta mencionar o caso dos irmãos Naves, em Minas Gerais, que foram presos, torturados, julgados, condenados e encarcerados por mais de vinte anos pelo alegado assassinato de um comerciante. Passado todo esse sofrimento, esta morte social que representa uma condenação judicial, eis que, num certo dia, a suposta vítima foi vista passeando na rua de uma determinada cidade mineira, vivíssima, mais viva do que nunca.

É verdade que o governo pagou indenização pelo erro judiciário. Mas há dinheiro que possa compensar os horrores de uma penitenciária, ainda mais pagando por um crime que não se cometeu?! O mesmo aconteceu com o garoto de Araguaína, humilde trabalhador de salário mínimo numa empresa avícola local.

Um dia depois da sessão de tortura a que o menor foi submetido, a polícia prendeu o verdadeiro culpado. Este, certamente, será um Dia da Criança que Carlos jamais irá esquecer enquanto viver. Além de tudo, o caso revela, com nitidez, a forma como nossos menores carentes são tratados.

Não importa o que os políticos falem em épocas de campanha. Não importam as promessas e as manifestações de boa intenção. O que conta é a ação. E esta, em geral, salvo honrosas exceções, é do mesmo tipo da que o jovem de Tocantins foi vítima.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de outubro de 1990).

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