Brasil
está virando moda na TV
Pedro J. Bondaczuk
A
televisão brasileira, de uns cinco anos para cá, descobriu um rico e inesgotado
filão, que está rendendo altos dividendos, em termos de sucesso. Percebeu que o
tema que mais interessa ao telespectador tupiniquim não é a violência nas
grandes cidades norte-americanas, nem o tráfico de entorpecentes em Marselha e
nem as atividades de espiões em Lisboa, Berlim, Istambul ou Paris. O assunto
predileto do brasileiro é o seu próprio país.
A
princípio timidamente, a Globo iniciou um projeto de pequenos seriados,
mostrando que o Brasil não é constituído, apenas, de meia dúzia de grandes
cidades. Ao contrário, é um universo der conflitos e contradições, um
gigantesco cadinho onde misturam-se povos de todas as raças, costumes e
tradições. Portanto, significa um filão inesgotável, capaz de produzir vários
milhares de histórias, de imenso interesse humano.
Com
o aparecimento da Rede Manchete, a emissora do Jardim Botânico – praticamente
sem concorrente (diante das dificuldades enfrentadas pelos outros canais) – até
então, viu questionada sua supremacia absoluta. E resolveu explorar melhor o
imenso potencial, técnico e humano, que tem, para não perder a primazia que
tem, há décadas, junto ao público.
Apenas
neste ano de 1984, quatro seriados nacionais, de muito bom gosto, e trabalhados
com rara sensibilidade artística, marcaram a temporada como uma das melhores
desde o surgimento da televisão. Foram “Padre Cícero”, “Anarquistas graças a
Deus”, “A Máfia no Brasil” e “Rabo de saia”. Mas o crítico sente que os temas
não foram tomados aleatoriamente, por mero acaso. Mesmo que fossem, isso não
reduziria, obviamente, o mérito das produções. Todavia, os responsáveis por
este núcleo global até exorbitaram em termos de criatividade. Se não, vejamos.
Este
ano marca o 50º aniversário da morte do padre Cícero Romão Batista. E a Globo
lançou uma minissérie nacional abordando justamente este carismático sacerdote
salesiano, de tanta importância para o Nordeste, que o tem como “santo”. De
quebra, esclareceu o público sobre quais eram os problemas políticos da época
em que esse personagem viveu, como pensavam e agiam os sertanejos cearenses, no
que eles acreditavam e outras tantas informações, indispensáveis para quem
deseja conhecer a realidade brasileira, por serem a origem de muitos dos nossos
problemas estruturais de agora.
No
caso de “Anarquistas graças a Deus”, foi ressaltada a quebra da Bolsa de
Valores de Nova York, em 1929, coincidindo com o atual período de crise
econômica nacional. O fato da série ter sido drasticamente reduzida em número
de capítulos, em vez de mutilar a história, acabou dando mais densidade ao
enredo, aumentando seu interesse e tornando o seu recado direto, com o uso
mínimo de tempo.
Sobre
“A Máfia no Brasil”, a oportunidade da história é óbvia. Foi, até mesmo,
premonitória. Pouco depois da apresentação da minissérie, o mafioso Tommaso
Buschetta era deportado para a Itália e quebrava a “omertá”, rígida lei de
silêncio da organização, causando a maior caçada a esses bandidos de casaca,
“homens à prova de qualquer suspeita”, desde que a entidade criminosa foi
constituída na Sicília, no século XIV, E a ramificação brasileira da Máfia
sofreu, também, duros golpes.
Finalmente
o último seriado que termina hoje, “Rabo de saia”, mostra, de novo, o Nordeste.
A região, não é segredo para ninguém, está na ordem do dia com o ostensivo apoio
da maioria dos seus governadores à candidatura de Tancredo Neves à Presidência
da República. Embora o enredo, baseado em um conto do livro “Pensão riso da
noite (Cerveja, sanfona e amor)”, do pernambucano João Condé, seja a respeito
das aventuras amorosas de um caixeiro viajante, no desenvolvimento do tema o
telespectador pôde conhecer os costumes, ações e reações do nordestino da
década de 30, que aliás não mudaram muita coisa nestes mais de cinqüenta anos,
a despeito da urbanização procedida naquela área problemática do território
nacional.
Mas
não foi, apenas, a Globo que apresentou seriados nacionais, e bons. A Rede
Manchete mostrou, recentemente, “A Marquesa de Santos”, tirando do interior dos
livros embolorados de História uma das figuras mais fascinantes da vida brasileira
e a projetando para o grande público. Dessa maneira, o telespectador teve a
oportunidade de conhecer a dimensão humana, um pouco “macunaimiana”, do nosso
primeiro imperador, Dom Pedro I que, embora nascido em Portugal, foi bem o
típico brasileiro, em seus defeitos e virtudes.
O
exemplo dessas duas emissoras já começa a frutificar e a TVS vai mostrar, a
partir de terça-feira, o seriado “Joana”, que, inexplicavelmente, foi tirado do
ar pela Rede Manchete. Antes, revive um grande sucesso de dez anos atrás da
extinta TV Tupi, e que anteriormente, na década de 50, fez a delícia de muita
gente no rádio, ou seja, “Jerônimo, o herói do sertão”. Outras emissoras e
novas minisséries virão, com toda a certeza. E muito em breve, em vez de
importarem histórias de outros países, em que as realidades, os tipos humanos e
os comportamentos são muito diversos dos nossos, teremos a oportunidade de
mostrar ao mundo este tipo de galhofeiro improvisador, um tanto maroto, mas
extremamente criativo, que é o brasileiro.
(Comentário
publicado na página 22, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em
2 de novembro de 1984).
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