Monday, February 11, 2013

Brasil está virando moda na TV

Pedro J. Bondaczuk

A televisão brasileira, de uns cinco anos para cá, descobriu um rico e inesgotado filão, que está rendendo altos dividendos, em termos de sucesso. Percebeu que o tema que mais interessa ao telespectador tupiniquim não é a violência nas grandes cidades norte-americanas, nem o tráfico de entorpecentes em Marselha e nem as atividades de espiões em Lisboa, Berlim, Istambul ou Paris. O assunto predileto do brasileiro é o seu próprio país.

A princípio timidamente, a Globo iniciou um projeto de pequenos seriados, mostrando que o Brasil não é constituído, apenas, de meia dúzia de grandes cidades. Ao contrário, é um universo der conflitos e contradições, um gigantesco cadinho onde misturam-se povos de todas as raças, costumes e tradições. Portanto, significa um filão inesgotável, capaz de produzir vários milhares de histórias, de imenso interesse humano.

Com o aparecimento da Rede Manchete, a emissora do Jardim Botânico – praticamente sem concorrente (diante das dificuldades enfrentadas pelos outros canais) – até então, viu questionada sua supremacia absoluta. E resolveu explorar melhor o imenso potencial, técnico e humano, que tem, para não perder a primazia que tem, há décadas, junto ao público.

Apenas neste ano de 1984, quatro seriados nacionais, de muito bom gosto, e trabalhados com rara sensibilidade artística, marcaram a temporada como uma das melhores desde o surgimento da televisão. Foram “Padre Cícero”, “Anarquistas graças a Deus”, “A Máfia no Brasil” e “Rabo de saia”. Mas o crítico sente que os temas não foram tomados aleatoriamente, por mero acaso. Mesmo que fossem, isso não reduziria, obviamente, o mérito das produções. Todavia, os responsáveis por este núcleo global até exorbitaram em termos de criatividade. Se não, vejamos.

Este ano marca o 50º aniversário da morte do padre Cícero Romão Batista. E a Globo lançou uma minissérie nacional abordando justamente este carismático sacerdote salesiano, de tanta importância para o Nordeste, que o tem como “santo”. De quebra, esclareceu o público sobre quais eram os problemas políticos da época em que esse personagem viveu, como pensavam e agiam os sertanejos cearenses, no que eles acreditavam e outras tantas informações, indispensáveis para quem deseja conhecer a realidade brasileira, por serem a origem de muitos dos nossos problemas estruturais de agora.

No caso de “Anarquistas graças a Deus”, foi ressaltada a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, coincidindo com o atual período de crise econômica nacional. O fato da série ter sido drasticamente reduzida em número de capítulos, em vez de mutilar a história, acabou dando mais densidade ao enredo, aumentando seu interesse e tornando o seu recado direto, com o uso mínimo de tempo.

Sobre “A Máfia no Brasil”, a oportunidade da história é óbvia. Foi, até mesmo, premonitória. Pouco depois da apresentação da minissérie, o mafioso Tommaso Buschetta era deportado para a Itália e quebrava a “omertá”, rígida lei de silêncio da organização, causando a maior caçada a esses bandidos de casaca, “homens à prova de qualquer suspeita”, desde que a entidade criminosa foi constituída na Sicília, no século XIV, E a ramificação brasileira da Máfia sofreu, também, duros golpes.

Finalmente o último seriado que termina hoje, “Rabo de saia”, mostra, de novo, o Nordeste. A região, não é segredo para ninguém, está na ordem do dia com o ostensivo apoio da maioria dos seus governadores à candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Embora o enredo, baseado em um conto do livro “Pensão riso da noite (Cerveja, sanfona e amor)”, do pernambucano João Condé, seja a respeito das aventuras amorosas de um caixeiro viajante, no desenvolvimento do tema o telespectador pôde conhecer os costumes, ações e reações do nordestino da década de 30, que aliás não mudaram muita coisa nestes mais de cinqüenta anos, a despeito da urbanização procedida naquela área problemática do território nacional.

Mas não foi, apenas, a Globo que apresentou seriados nacionais, e bons. A Rede Manchete mostrou, recentemente, “A Marquesa de Santos”, tirando do interior dos livros embolorados de História uma das figuras mais fascinantes da vida brasileira e a projetando para o grande público. Dessa maneira, o telespectador teve a oportunidade de conhecer a dimensão humana, um pouco “macunaimiana”, do nosso primeiro imperador, Dom Pedro I que, embora nascido em Portugal, foi bem o típico brasileiro, em seus defeitos e virtudes.

O exemplo dessas duas emissoras já começa a frutificar e a TVS vai mostrar, a partir de terça-feira, o seriado “Joana”, que, inexplicavelmente, foi tirado do ar pela Rede Manchete. Antes, revive um grande sucesso de dez anos atrás da extinta TV Tupi, e que anteriormente, na década de 50, fez a delícia de muita gente no rádio, ou seja, “Jerônimo, o herói do sertão”. Outras emissoras e novas minisséries virão, com toda a certeza. E muito em breve, em vez de importarem histórias de outros países, em que as realidades, os tipos humanos e os comportamentos são muito diversos dos nossos, teremos a oportunidade de mostrar ao mundo este tipo de galhofeiro improvisador, um tanto maroto, mas extremamente criativo, que é o brasileiro.

(Comentário publicado na página 22, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1984).


No comments: