Tuesday, February 26, 2013


Da confiança ao pânico

Pedro J. Bondaczuk

O naufrágio do Titanic deixou uma infinidade de interrogações, a propósito de sua causa (ou causas), não respondida até hoje, mesmo havendo passado cem anos do desastre, submetido a toda a sorte de investigações que, todavia, nunca foram conclusivas. Teoricamente, a colisão com o iceberg, embora tenha causado grande “rasgo” no casco, não seria suficiente para causar seu afundamento e muito menos com a rapidez que isso se deu. Afinal, o transatlântico contava com um sistema de dezesseis compartimentos estanques que deveriam evitar, assim que o primeiro fosse inundado, que o resto da embarcação também fizesse água. Funcionassem a contento, o navio manteria a estabilidade e até a navegabilidade, se não por tempo indefinido (para o que fora projetado) pelo menos até que o socorro chegasse e se pudesse resgatar todos os que estavam a bordo. Mas... esse sistema de segurança não funcionou.

A pergunta que fica no ar é: por que? Por falha do projeto? Por utilização de material não condizente com a qualidade requerida? Por falha humana? Por que nada disso funcionou? É uma gigantesca interrogação. Teorias, a propósito, há em profusão, mas nenhuma pôde ser devidamente comprovada. Creio que jamais poderão ser.

Há um detalhe, revelado por tripulantes sobreviventes, não muito divulgado (embora não omitido), que, se levado em conta, deveria adiar o início da viagem inaugural do Titanic, até que o problema fosse devidamente resolvido. Ocorre que, mesmo antes do navio zarpar do porto de Southampton, um incêndio irrompeu em um dos porões da embarcação, carregado de carvão. Não se trataram de chamas enormes e visíveis, mas de pequeno foco, quase imperceptível, mas contínuo. Estava lá. Os tripulantes sabiam. O capitão, certamente, também tinha conhecimento. Ninguém, todavia, deu maior importância ao fato. Presumo que todos entendessem que o foco poderia ser debelado no percurso do Titanic rumo a Nova York sem maiores riscos.

Portanto, mesmo com fogo em um dos porões, o transatlântico zarpou. Você, caso fosse passageiro, e soubesse do fato, concordaria em viajar a bordo de um navio que tivesse esse tipo de problema, mesmo que aparentemente ínfimo? Eu não! Nunca se pode ignorar nenhum incêndio, por menor que seja, porquanto pode surpreender e se alastrar subitamente, de forma imprevisível. O capitão e os tripulantes tinham confiança sem limites na invulnerabilidade do Titanic. E esse sentimento, claro, contagiou os passageiros, que não tinham a mínima dúvida quanto à segurança da embarcação. Deveriam ter.

Foi por essa razão, por confiar cegamente no que todos asseguravam, ou seja, de que o Titanic era impossível de naufragar, que o pânico tomou conta de todos a bordo quando, 25 minutos após a meia-noite de 14 de abril de 1912 o capitão, Edward Smith, depois de avaliar os danos causados pela colisão com o iceberg, ordenou que todos a bordo fossem reunidos no convés superior. “Uai, o navio não é à prova de naufrágio?”, devem ter se perguntado os até então crédulos passageiros. Daí para o pânico, foi um piscar de olhos.

O incêndio em um dos porões, que ardia há já quatro dias, teve algo  a ver com o desastre? Pode ser que sim, pode ser que não. Acredito que afetou alguma coisa, embora não se possa precisar o quê. Normal, convenhamos, é que não era. E por que os compartimentos estanques não funcionaram e não vedaram a embarcação, como deveriam fazer? Quando o capitão ordenou que todos os passageiros se dirigissem imediatamente para o convés superior, o quinto compartimento já estava completamente inundado, à altura do sexto andar do Titanic (que tinha dez andares). Ainda assim, se os demais, ainda secos, fossem hermeticamente selados, como deveriam ser, o transatlântico não perderia a estabilidade e poderia permanecer flutuando até a chegada de socorro. Mas... não permaneceu. Por que não se fecharam?

A embarcação, surpreendentemente, começou a adernar, a tombar para um dos lados, o que era o sinal mais evidente de que estava irremediavelmente condenada, de que o naufrágio era questão já nem mais de horas, mas de minutos. O pânico, a rigor, não se instalou de imediato, com o anúncio oficial, feito pelo capitão, aos passageiros reunidos no convés superior, da ocorrência do acidente. A essa altura, se não todos, pelo menos a maioria ainda acreditava que o navio, embora avariado, não estava em perigo. No princípio, as pessoas estavam com disposição otimista e até alegre, o que facilitou para que todas fossem reunidas com relativa ordem. Isso foi feito em tempo até curto, de não mais do que quinze minutos, conforme o relato de sobreviventes.

Boa parte achava (provavelmente, não todos) que o incidente seria contornado logo, e sem maiores problemas e que, quando se chegasse ao destino, cada um dos que estavam a bordo teria histórias interessantes para contar aos parentes e amigos. Infelizmente... a maioria, jamais chegou a Nova York.

A partir do instante em que o imediato Murdock ordenou que fossem baixados os escaleres – suficientes para transportar, quando muito, apenas a metade dos que estavam a bordo – a ficha caiu para todos. E foi um Deus nos acuda. A correria e o pavor começaram ao grito do marinheiro: “Todos para os botes! As mulheres e as crianças primeiro!”. Claro que nem todos respeitaram essa ordem de primazia. O pânico e o instinto de sobrevivência sobrepujam a ética e o cavalheirismo.

Gritos de angústia e desespero encheram todo o navio. Mulheres recusavam-se a se separar dos maridos e tinham que ser sorteadas, ao acaso, e postas à força nos botes salva-vidas, o que retardava, claro, a operação de salvamento. Não houvesse pânico, mesmo com insuficiência de escaleres, mais vidas provavelmente teriam sido salvas. Essa urgência da tripulação em embarcar as pessoas teve um efeito devastador na multidão. Foi apenas nesse momento, aos 50 minutos da madrugada de 14 de abril de 1912, que todos, absolutamente todos, se aperceberam da gravidade da situação. Mas... já era tarde para se fazer mais do que se fez.

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