Pedro J. Bondaczuk
A obsessão do compositor Johann Sebastian Bach pela Polifonia Contrapontística, cujas origens remontavam a um milênio ou mais, trouxe-lhe uma série de problemas dos quais não se livrou ao longo de toda sua vida. Suas principais composições são tão complexas, que só agora começam a ser “decodificadas”, devidamente entendidas e, por conseqüência, valorizadas. O pitoresco (na verdade bizarro) é que os críticos da sua época consideravam-no retrógrado e ultrapassado. Ou seja, classificavam como defeito e incompetência o que sequer entendiam, e não porque fosse ruim, mas por se tratar de algo sumamente avançado. Faltava-lhes, porém, humildade para admitir isso.
E o que é Polifonia Contrapontística? Recorro à enciclopédia eletrônica Wikipédia para defini-la, grosso modo: “É uma técnica usada na composição em que duas ou mais vozes melódicas são compostas, levando-se em conta, simultaneamente, o perfil melódico de cada uma delas e a qualidade intervalar e harmônica gerada pela sobreposição das duas ou mais melodias”. Na música brasileira, a execução do choro “Atraente”, composto por Chiquinha Gonzaga, tendo Pixinguinha ao saxofone e Benedito Lacerda, na flauta, é um bom exemplo, relativamente atual, dessa técnica, que os críticos tanto condenavam nas composições de Bach.
E o compositor pagou preço alto demais por sua genialidade. Sua maravilhosa música permaneceu ignorada por pelo menos um século, perdida em mãos inábeis, de quem não conseguia entender sua complexidade e, sobretudo, valorizar sua transcendência e beleza. Por pouco, muito pouco não acabou desaparecendo de vez, o que seria perda irreparável para a cultura, para a arte musical e para a humanidade. Suas partituras, pasmem, ficaram sem publicação até praticamente 1950, quando se completou o segundo centenário de sua morte (ocorrida em Leipzig, em 28 de julho de 1750, aos 65 anos de idade). Ainda em 1984, foi descoberta uma delas, inédita, que permaneceu perdida por 250 anos. Deve haver muitas outras por aí, à espera de serem encontradas.
Hoje, nos meios musicais do mundo todo, não subsiste qualquer controvérsia sobre a genialidade de Bach. Pelo contrário, há consenso em torno do fato dele ser insuperável em sua arte. Dizer ou escrever isso tornou-se, praticamente, redundância ou lugar comum, de tão óbvio que é. Não existe mais, portanto, a menor contestação à afirmação categórica de que ele foi (e, obviamente, segue sendo) o mais iluminado compositor de todos os tempos, que influenciou todos os outros criadores geniais da chamada “música eterna” que o sucederam, assombrando e conquistando irrestrito respeito e reverência de figuras como Ludwig van Beethoven, Felix Mendelsshon, Carl Friedrich Zeiter e Johannes Brahms, entre tantos e tantos outros.
Mais de trezentos anos depois do seu nascimento (ocorrido na cidade de Eisenach, em 31 de março de 1685), críticos, compositores, músicos, maestros, intelectuais ou simplesmente amantes da música chamada de “erudita” (ou clássica), concluem que a cabeça de Bach estava muito além do seu tempo, no ano 2000 talvez, ou, quem sabe, no 3000. Mais do que isso, suas composições são atemporais, daquelas que não podem ser datadas, que não se prendem a modismos, mas que são excelentes quando executadas seja em que época for. Afinal, o tempo dos gênios do seu porte só pode, mesmo, ter por parâmetro a eternidade. Infelizmente, para Bach, esse reconhecimento chegou tarde demais, mais de dois séculos após sua morte. Tardou, e muito, mas... não falhou. Felizmente. Mas o gênio não o testemunhou e, portanto, não o usufruiu.
E quanto aos contemporâneos que tanto o ridicularizaram, o que ocorreu com eles? Alguém os conhece? Sabe quem foram, onde viveram, o que fizeram? Não, claro que não! Há muito estão sepultados na vala do perpétuo esquecimento, como se nunca tivessem sequer existido. Ninguém, jamais, os menciona pelo nome, que se ignora. E se, casualmente, numa dessas raridades que às vezes acontecem, determinado pesquisador identifica algum desses ácidos críticos da obra de Bach, é apenas para ilustrar a “burrice” dos seus julgamentos, ou o mau caratismo da sua inveja, ou a estupidez da sua vaidade, ou, na melhor das hipóteses, seu péssimo gosto para as artes, principalmente para a música, que não os deixava enxergar o que hoje qualquer pessoa medianamente informada vê com a maior facilidade. Convenhamos, para eles, é melhor, mesmo, permanecer no absoluto esquecimento.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment