Enfim, um tema comum
Pedro
J. Bondaczuk
Nas vésperas do
Carnaval passado, através desta mesma coluna, nós reclamávamos que as duas
maiores manifestações populares brasileiras, ou seja, os festejos carnavalescos
e o futebol, raramente serviam de temas para novelas, contos, romances e outras
obras artísticas. Na ocasião, inclusive, chegamos a dizer que não tínhamos
conhecimento de nenhuma produção relevante abordando esses assuntos.
O futebol terá que
esperar ainda um pouquinho mais, pelo menos na televisão, embora tivéssemos
visto um romance novo a respeito, “O Timão”, por estes dias, exposto numa
livraria da cidade. O Carnaval, todavia, ficará em foco nos próximos meses, com
o lançamento de oportuna novela da Rede Globo, “Partido Alto”, de autoria de
uma dupla de peso: Aguinaldo Silva (que fez vários trabalhos dramatúrgicos em
parceria com Doc Comparato) e Glória Perez (que secretariou a saudosa Janete
Clair).
A história irá ao ar a
partir de segunda-feira, no horário mais nobre da TV, o das 20 horas, substituindo
“Champagne”, de Cassiano Gabus Mendes.
O tema central desse
novo trabalho televisivo será a vida, os dramas, as aspirações e o modo de ser
dos componentes de uma escola de samba carioca, a Acadêmicos do Encantado.
Muitos bairristas poderiam, a esta altura, estar reclamando que mais uma vez o
Rio de Janeiro estará em foco, que o tema é caracteristicamente carioca e assim
por diante. Mas a alegação não procede.
Quem acompanhou o
último Carnaval (e de uma forma ou de outra, todos acompanharam), notou que o
fenômeno “escola de samba” extrapolou a ex-capital da República, sendo hoje de
caráter nacional. Aliás, a esse respeito, um colega aqui da redação chegou,
inclusive, a dizer, meio em tom de brincadeira, algo que não deixa de ser uma
grande verdade: “Que bom seria se em vez de escolas de samba, elas fossem só
escolas e que os mesmos sambistas , integrantes destes grupos, fabricantes de
ilusões, pudessem, todos, ter acesso à educação”.
O importante é que, do
Acre ao Rio Grande do Sul; do Amapá ao Rio de Janeiro; de Roraima a Goiás,
nenhum Carnaval, de qualquer cidadezinha, mesmo que mera mancha no mapa do
Brasil, deixa de ter, atualmente, sua escola de samba. Portanto, o tema é dos
mais felizes quando se deseja abordar manifestações culturais brasileiras. E
não ser restringe, portanto, apenas às coisas do Rio.
Através da Acadêmicos
do Encantado, os autores da nova novela da Globo terão a oportunidade de
mostrar (e esperamos que com a profundidade que o assunto permite) o microcosmo
da própria sociedade brasileira. Isto porque – ou ocupando função de diretoria,
ou como beneméritos, ou mesmo como passistas ou simples figurantes – todas as
camadas sociais estão representadas dentro das escolas. Podemos afirmar, até,
sem medo de engano, que tais grupos se constituem na manifestação mais
democrática das tantas que existem no País.
Quem conhece bem uma
escola de samba (e poucos desconhecem) sabe, principalmente no Rio, que não
existe nenhuma que não tenha a sua roda de “partideiros”. O Partido Alto,
segundo define a “Enciclopédia de Música Brasileira”, é um tipo de samba
nascido nos morros cariocas, caracterizado pelas rodas e pela ausência de
dança, enquanto os partideiros improvisam estrofes, sem refrão. Depois de
cantadas, um dançarino sai sambando, dá duas voltas na roda e termina sua
apresentação com a umbigada. É um jeito diferente de cantar, com o ritmo bem
marcado e, por isso, gostoso e contagiante.
Será esse tipo de samba
que a nova novela da Globo certamente irá popularizar em todo o Brasil. Embora
o gênero seja acidamente criticado por alguns “iluminados”, que se julgam donos
da verdade, quem sabe proprietários da “pedra filosofal” que transforma
qualquer metal em ouro, isto é, os pseudo intelectuais, os de “cultura de
almanaque”, só mesmo um sujeito muito alienado não percebe o quanto esse tipo
de produção dramática contribuiu e contribui para o desenvolvimento da
televisão brasileira.
O curioso é que os
“pastelões” norte-americanos, tipo “Dallas” e tantos outros, são recebidos com
“urras” de satisfação por uma parte da crítica, quando nossas novelas são
infinitamente mais originais e de qualidade artística claramente superior. É a
tal história: “a fruta do pomar do vizinho sempre é mais doce do que a do
nosso”. Ou, em outras palavras, recorrendo a surrado dito popular, mas que nem
por isso é menos verdadeiro: “santo de casa não faz milagres”.
É verdade que alguns
tipos de cenas, digamos as “mais picantes”, poderiam ser suprimidos de nossas
novelas, principalmente por estimularem algumas pessoas, cujo juízo de valores
não é muito estável ou nem mesmo existe, a imitarem determinadas atitudes
condenáveis e anti-sociais. Mas jamais poderá ser negado o valor do gênero no
desenvolvimento da nossa cultura.
Quem acompanhou a série
da TV Cultura, “A História da Telenovela” (que aliás termina neste domingo com
o programa “Quem quiser que conte outra”), há de concordar conosco. E não somos
apenas nós que defendemos esse gênero e seus autores. São os críticos e
telespectadores da Suécia, Itália, Checoslováquia, Portugal, Espanha e mais
algumas dezenas de países, que não perdem um só capítulo das novelas
brasileiras exibidas por suas respectivas TVs nacionais.
Pela sinopse de
“Partido Alto”, acreditamos (e esperamos) que a história de Aguinaldo Silva e
Glória Perez será outro enorme sucesso da Rede Globo. E, principalmente, que a
novela servirá para que os brasileiros se conheçam um pouco mais, neste momento
importante de transformação, em que nossa sociedade rediscute os rumos do País.
(Comentário
publicado na página 20, editoria de Artes, do Correio Popular, em 4 de maio de
1984).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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