Monday, February 25, 2013


Enfim, um tema comum

Pedro J. Bondaczuk

Nas vésperas do Carnaval passado, através desta mesma coluna, nós reclamávamos que as duas maiores manifestações populares brasileiras, ou seja, os festejos carnavalescos e o futebol, raramente serviam de temas para novelas, contos, romances e outras obras artísticas. Na ocasião, inclusive, chegamos a dizer que não tínhamos conhecimento de nenhuma produção relevante abordando esses assuntos.

O futebol terá que esperar ainda um pouquinho mais, pelo menos na televisão, embora tivéssemos visto um romance novo a respeito, “O Timão”, por estes dias, exposto numa livraria da cidade. O Carnaval, todavia, ficará em foco nos próximos meses, com o lançamento de oportuna novela da Rede Globo, “Partido Alto”, de autoria de uma dupla de peso: Aguinaldo Silva (que fez vários trabalhos dramatúrgicos em parceria com Doc Comparato) e Glória Perez (que secretariou a saudosa Janete Clair).

A história irá ao ar a partir de segunda-feira, no horário mais nobre da TV, o das 20 horas, substituindo “Champagne”, de Cassiano Gabus Mendes.

O tema central desse novo trabalho televisivo será a vida, os dramas, as aspirações e o modo de ser dos componentes de uma escola de samba carioca, a Acadêmicos do Encantado. Muitos bairristas poderiam, a esta altura, estar reclamando que mais uma vez o Rio de Janeiro estará em foco, que o tema é caracteristicamente carioca e assim por diante. Mas a alegação não procede.

Quem acompanhou o último Carnaval (e de uma forma ou de outra, todos acompanharam), notou que o fenômeno “escola de samba” extrapolou a ex-capital da República, sendo hoje de caráter nacional. Aliás, a esse respeito, um colega aqui da redação chegou, inclusive, a dizer, meio em tom de brincadeira, algo que não deixa de ser uma grande verdade: “Que bom seria se em vez de escolas de samba, elas fossem só escolas e que os mesmos sambistas , integrantes destes grupos, fabricantes de ilusões, pudessem, todos, ter acesso à educação”.

O importante é que, do Acre ao Rio Grande do Sul; do Amapá ao Rio de Janeiro; de Roraima a Goiás, nenhum Carnaval, de qualquer cidadezinha, mesmo que mera mancha no mapa do Brasil, deixa de ter, atualmente, sua escola de samba. Portanto, o tema é dos mais felizes quando se deseja abordar manifestações culturais brasileiras. E não ser restringe, portanto, apenas às coisas do Rio.

Através da Acadêmicos do Encantado, os autores da nova novela da Globo terão a oportunidade de mostrar (e esperamos que com a profundidade que o assunto permite) o microcosmo da própria sociedade brasileira. Isto porque – ou ocupando função de diretoria, ou como beneméritos, ou mesmo como passistas ou simples figurantes – todas as camadas sociais estão representadas dentro das escolas. Podemos afirmar, até, sem medo de engano, que tais grupos se constituem na manifestação mais democrática das tantas que existem no País.

Quem conhece bem uma escola de samba (e poucos desconhecem) sabe, principalmente no Rio, que não existe nenhuma que não tenha a sua roda de “partideiros”. O Partido Alto, segundo define a “Enciclopédia de Música Brasileira”, é um tipo de samba nascido nos morros cariocas, caracterizado pelas rodas e pela ausência de dança, enquanto os partideiros improvisam estrofes, sem refrão. Depois de cantadas, um dançarino sai sambando, dá duas voltas na roda e termina sua apresentação com a umbigada. É um jeito diferente de cantar, com o ritmo bem marcado e, por isso, gostoso e contagiante.

Será esse tipo de samba que a nova novela da Globo certamente irá popularizar em todo o Brasil. Embora o gênero seja acidamente criticado por alguns “iluminados”, que se julgam donos da verdade, quem sabe proprietários da “pedra filosofal” que transforma qualquer metal em ouro, isto é, os pseudo intelectuais, os de “cultura de almanaque”, só mesmo um sujeito muito alienado não percebe o quanto esse tipo de produção dramática contribuiu e contribui para o desenvolvimento da televisão brasileira.

O curioso é que os “pastelões” norte-americanos, tipo “Dallas” e tantos outros, são recebidos com “urras” de satisfação por uma parte da crítica, quando nossas novelas são infinitamente mais originais e de qualidade artística claramente superior. É a tal história: “a fruta do pomar do vizinho sempre é mais doce do que a do nosso”. Ou, em outras palavras, recorrendo a surrado dito popular, mas que nem por isso é menos verdadeiro: “santo de casa não faz milagres”.

É verdade que alguns tipos de cenas, digamos as “mais picantes”, poderiam ser suprimidos de nossas novelas, principalmente por estimularem algumas pessoas, cujo juízo de valores não é muito estável ou nem mesmo existe, a imitarem determinadas atitudes condenáveis e anti-sociais. Mas jamais poderá ser negado o valor do gênero no desenvolvimento da nossa cultura.

Quem acompanhou a série da TV Cultura, “A História da Telenovela” (que aliás termina neste domingo com o programa “Quem quiser que conte outra”), há de concordar conosco. E não somos apenas nós que defendemos esse gênero e seus autores. São os críticos e telespectadores da Suécia, Itália, Checoslováquia, Portugal, Espanha e mais algumas dezenas de países, que não perdem um só capítulo das novelas brasileiras exibidas por suas respectivas TVs nacionais.

Pela sinopse de “Partido Alto”, acreditamos (e esperamos) que a história de Aguinaldo Silva e Glória Perez será outro enorme sucesso da Rede Globo. E, principalmente, que a novela servirá para que os brasileiros se conheçam um pouco mais, neste momento importante de transformação, em que nossa sociedade rediscute os rumos do País.

(Comentário publicado na página 20, editoria de Artes, do Correio Popular, em 4 de maio de 1984).

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