A mais grave das três dívidas
O Brasil, conforme consenso existente entre os políticos
(que se lembram do fato em épocas de campanha e depois se esquecem, no momento
de tomar alguma providência), tem três grandes dívidas: a externa, a interna e
a social.
A primeira, embora esteja num
virtual impasse diante das dificuldades do País em saldá-la, pode parecer,
embora não seja, o mais difícil desses problemas. Afinal, não se trata de um
débito isolado. Contamos com muitas e ilustres companhias, inclusive das duas
superpotências mundiais. Sua renegociação, ou “rolagem”, como se diz na gíria
dos economistas, é virtualmente permanente. Desde o presidente Campos Salles,
no início do século, raros foram os governos brasileiros que não procuraram a
reestruturação do perfil desse endividamento.
A dívida interna, por seu turno,
numa simples penada, viu-se reduzida, da noite para o dia, com o confisco
determinado pela equipe econômica do presidente Fernando Collor de Mello, tão
logo assumiu, com a edição do chamado Plano Brasil Novo, de 15 de março
passado.
Todavia, a mais grave delas, a
que afeta a maioria esmagadora da população e se reflete por todas as
atividades, a social, tem sido sempre protelada em sua solução, embora as
diversas administrações tenham anunciado belas intenções a esse respeito.
O economista Carlos Lessa acaba
de divulgar um projeto, até bastante meticuloso, a respeito, que objetiva,
sobretudo, pôr fim à pobreza e à miséria absoluta no País. O estudo está muito
bem fundamentado, mas esbarra num problema imenso.
Para que um programa social
consistente possa ser levado adiante, sem paternalismos inconseqüentes,
soluções de continuidade e sem que se tente apenas tampar o sol com a peneira,
é necessário um investimento anual de 10% do Produto Interno Bruto, o que
equivale à nada desprezível quantia de US$ 28 bilhões. Ou seja, uma cifra
correspondente à metade de uma das maiores dívidas externas do Terceiro Mundo,
a da Argentina.
A estratégia proposta por Lessa é
simples e até óbvia, mas depende de um fator que nunca existiu para solucionar
a questão: vontade política. O plano do ex-diretor do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, propõe a criação de condições de
vida decentes para cerca de 34 milhões de pequenos produtores rurais, para que
eles não se sintam tentados a migrar. Ou seja, tirar de suas cabeças, mediante
providências práticas, e consistentes, a miragem de que a cidade grande é o
Eldorado que eles devem buscar. O estudo deve merecer análise mais profunda e,
principalmente, uma séria atenção do governo, se é que ele pretenda, de fato,
saldar a caríssima dívida social brasileira.
(Artigo publicado na página 2,
Opinião, do Correio Popular, em 31 de julho de 1990).
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