Barrigadas da imprensa
Pedro
J. Bondaczuk
O leitor André de
Oliveira, que se confessa meu leitor compulsivo, enviou-me gentil e-mail em
que, entre outras coisas (elogios mil), afirma que tem aprendido muito com
estas descompromissadas reflexões diárias. Folgo que seja assim. Todavia, o
caro missivista não se restringe a elogiar. Mandou chumbo e do grosso para cima
deste Editor. Faz parte de quem lida com o público.
O leitor escreveu ter
estranhado o fato de eu, embora “tão bem informado” (palavras dele, não minhas)
não haver escrito nada, rigorosamente nada, a propósito do centenário do
naufrágio do Titanic, completado em 14 de abril deste 2012. Bem, não o fiz por
não haver, virtualmente, nada de novo a informar. Nesses cem anos, tudo o que
havia para ser dito e escrito já o foi, e em profusão.
São inúmeros os livros
a respeito, detalhando o desastre em todos os aspectos. Filmes e seriados de
televisão sobre a tragédia foram produzidos pelo menos dez (dos que tenho
notícia), dos quais o mais badalado foi “Titanic”, ganhador de 11 Oscars da
Academia de Cinema de Hollywood e campeoníssimo de bilheteria mundo afora.
Não faz muito, o canal
de televisão a cabo “Discovery” exibiu um documentário muito bom, praticamente
esgotando o assunto. Mas... não quero e não vou deixar o André na mão. Se não
tenho novidades a informar, tenho lá minhas opiniões, provavelmente polêmicas,
mas creio que originais, a respeito. É o único tipo de originalidade possível
que vislumbro na abordagem de um fato ocorrido há mais de cem anos.
Minto, não é o único.
Creio ser novidade para muitos – se não para todos – a imensa “barriga” da
imprensa internacional ao noticiar o naufrágio. Explico: essa expressão é uma
gíria muito comum nas redações de jornais e revistas e significa erro de notícia
(ou por omissão de detalhes importantes, ou por acréscimos dizendo que
determinada coisa que não ocorreu, aconteceu, e vai por aí afora). Bem, isso
requer explicações mais detalhadas. Vamos a elas.
A imprensa brasileira –
o que é compreensível, levando em conta os recursos de então – tardou para
noticiar o naufrágio. E, claro, fez isso em “pílulas homeopáticas”. À medida
que chegavam informações do exterior, através do serviço telegráfico, os
jornais iam atualizando as notícias, Não havia como fazer checagem. Muito do
que se escreveu, então, teve que ser retificado na sequência. Fazer jornalismo
na ocasião era tarefa heróica. Os jornalistas de 1912 não contavam, óbvio, com
nenhum dos recursos que hoje sobejam. O rádio, por exemplo, apenas seria
implantado no Brasil dez anos depois do naufrágio, no centenário da nossa
independência. Televisão não havia sido inventada e até o cinema ainda era
mudo.
A existência do
computador sequer passava pela cabeça de quem quer que fosse. Aliás, quem,
eventualmente, previsse que algum dia haveria um recurso tão miraculoso como
este – e ainda mais o PC –, que para nós já se tornou trivialíssimo, seria
considerado maluco e teria muita sorte se não fosse posto numa camisa de força
e internado num manicômio.
O jornalismo, em 1912,
era feito na “raça”. Usar telefone para colher notícias era algo que não
passava pela cabeça de ninguém. Os fatos, não raro, eram noticiados – e com
muita sorte – no mínimo uma semana depois de ocorridos. E isso, quando a
ocorrência era da própria cidade sede dos jornais. Publicar notícias do
exterior, com dois ou três dias de atraso, era algo impensável. Beirava à
ficção. No mesmo dia, ou no seguinte? Nem pensar! Era impossível!
O jornal “O Diário”, de
Porto Alegre, por exemplo, começou a estampar as primeiras notícias do
naufrágio do Titanic dez dias após sua ocorrência, ou seja, em 24 de abril de
1912. O órgão de imprensa da capital gaúcha comunicou seus leitores que as
informações eram transcritas do “La Argentina”, de Buenos Aires, e datavam de uma
semana antes, ou seja, da edição de 17 de abril. Devo dar crédito a essa
constatação ao Blog 21 (http://cesardorneles1.blogspot.com)
que tive o prazer de acessar. Nas outras capitais brasileiras as coisas não
foram muito diferentes. O jornalismo de então era muito mais opinativo do que
informativo, o que é, reitero, perfeitamente compreensível. Não se tratava de
nenhuma política editorial nesse sentido, mas de fazer o que era possível com
os parcos (quase nulos) recursos ao dispor dos jornalistas.
A imprensa
internacional – sobretudo os jornais de Nova York e de Londres – noticiou o
naufrágio no dia seguinte à sua ocorrência, ou seja, em 15 de abril. Mas...
Valha-me Deus! A pressa, como o leitor sabe, é inimiga da perfeição. Os jornais
norte-americanos e ingleses foram exemplares quanto ao tempo de divulgação da
notícia, mas desastrados no que se refere à exatidão. Deram informações
totalmente erradas a propósito. Por exemplo, “informaram” que não houve mortos
na tragédia e que todos os passageiros do transatlântico foram resgatados.
Claro que não foram. O número de mortos foi enorme, de 1.523 pessoas. Se os
diários norte-americanos e ingleses, então com muitíssimos mais recursos do que
os brasileiros, pecaram pela falta de exatidão, imaginem os nossos! E nem estou
pensando em jornais de fora do eixo Rio-São Paulo.
O “The Evening Sun”, de
Nova York, estampou, por exemplo, esta manchete: “All saved from Titanic after
collision”. Se isso houvesse ocorrido, porém, dada a proporção do desastre,
seria um dos maiores, se não o maior milagre de todos os tempos. O “The
Syracuse Herald” não ficou atrás na imensa “barriga” que publicou. Manchetou:
“Titanic’s passengers all rescue”. O “The Daily Review”, por seu turno, acompanhou
“a manada”. Informou aos seus leitores: “Not one is lost”. Ou seja, nenhum foi
perdido.
Está aí, caríssimo
André. Você desafiou-me a tratar do naufrágio do “Titanic”, mas trazendo
informações diferentes das tantas e tantas e tantas já dadas pelos meios de
comunicação ao tratarem da tragédia, cem anos após sua ocorrência. Não sei se o
que abordei é novidade, mas presumo que sim. Ninguém, ao que eu saiba, tratou
da “barrigada” da imprensa, que deu a notícia mais errada que se podia esperar
a propósito desse fato. Ou seja, a de que “entre mortos e feridos, todos se
salvaram”. Claro, 1.523 seres humanos não lograram obter essa “salvação”.
Pereceram nas águas gélidas do norte do Canadá.
Mas... os jornais da
época – pelo menos os principais – garantiram que não morreu ninguém. Embora se
trate de megadesafio, tentarei, nos próximos dias, trazer outras novidades,
caso isso seja minimamente possível, sobre um tema tão batido, velho,
velhíssimo, porquanto já centenário.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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