Liberdade em
contraponto ao protesto
Pedro
J. Bondaczuk
Os contextos em que se
organizaram, e em que foram realizados, os festivais pop de rock de Woodstock,
em 1969, e o Rock in Rio, em 1985, foram muito diferentes. E, a tal ponto, que
nem comportam comparações. Pode-se dizer, até, que foram diametralmente opostos.
Enquanto o primeiro foi uma espécie de protesto, de manifestação de desencanto
e de profundo ceticismo em relação ao sombrio panorama mundial da época, o
segundo constituiu-se em celebração da liberdade no Brasil, prestes a ser
reconquistada, após longos anos de férrea ditadura militar, de tristíssima
lembrança para todos.
Meses antes do evento
do Rio de Janeiro, Tancredo Neves havia sido eleito presidente da República
pelo Colégio Eleitoral, derrotando Paulo Maluf, candidato do sistema, com a
promessa de que aquela seria a última eleição indireta no País para a escolha
do seu governante maior. E, de fato, foi.
Como o Rock in Rio
ocorreu de 11 a 20 de janeiro, antecedeu ao “susto”, ao sobressalto, ao que
seria classificado de tragédia nacional, que foi a súbita doença do homem que
então simbolizava a redemocratização brasileira. E, ironicamente, isso
aconteceu no dia exato em que deveria ocorrer sua posse. Tancredo, na
sequência, iria agonizar por quase dois meses e morrer justamente na data em
que se reverencia a figura, o grande herói nacional, que ele tinha como ídolo:
Tiradentes. Foi em 21 de abril de 1985. Mas quando da realização do festival,
nada disso havia ainda acontecido. Não passava na cabeça de ninguém, nem do
mais pessimista dos pessimistas, essa possibilidade. O clima nacional era,
pois, não só de esperança, mas até de euforia pela expectativa de dias muito
melhores para o País.
Em uma entrevista
publicada no site WWW.globo.com,
em 11 de janeiro de 2010, o empresário Roberto Medina, promotor do Rock in Rio,
definiu com precisão o espírito reinante naquela ocasião. “Era uma época de
transição entre o governo militar e a democracia, um momento em que a juventude
queria ir para a rua. Eu, como empresário de comunicação, achava que seria bom
tentar ajudar nesse sentido, mostrar a cara do Brasil. O festival nasceu a
partir disso”, declarou.
A organização do
evento, todavia, não deixou de ser grande risco, se for levada em conta a
instabilidade que caracterizava na época a economia brasileira, com taxas de
inflação mensais invariavelmente de dois dígitos e com as acumuladas anuais
ostentando três algarismos. Eram já sintomas de hiperinflação. E o resistente e
perverso “monstro” inflacionário viria a ser vencido, somente, nove anos depois
da realização do festival, em julho de 1994, após sucessivas e fracassadas
tentativas, como os planos Cruzado e Verão e suas variantes. Refletindo a
respeito, Roberto Medina chegou à conclusão óbvia, em 2010, na citada
entrevista: “Pensando bem, foi uma maluquice mesmo”, reconheceu, referindo-se à
realização do festival. Maluquice, sim, mas fracassada jamais.
Ousadia foi o que não
faltou para que o Rock in Rio saísse do terreno da mera elucubração e se
tornasse realidade. Primeiro, era necessário encontrar um local bastante amplo,
para acolher centenas de milhares de pessoas que um evento dessa natureza
poderia acolher. Onde realizar o espetáculo? Em um estádio de futebol? No
Maracanã, por exemplo? Não, não era viável. Onde então? Roberto Medina
explicou:
“Não sabia exatamente onde seria realizado, mas o
lugar que queria estava claro na minha cabeça. Quando comecei a ver os
terrenos, escolhi o local mais desaconselhável para erguer a Cidade do Rock.
Era um terreno muito fundo, teríamos que aplaná-lo. E foi o que aconteceu: 55
mil caminhões de terra foram utilizados para colocar o local em condições.
Nunca imaginei que o festival fosse receber 1,38 milhão de pessoas, que iria se
transformar em um movimento nacional. Só tinha certeza que ia ser muito
importante para a cidade do Rio de Janeiro”. Para ficar ainda mais claro o
tamanho dessa ousadia, basta dizer que a área escolhida para a construção da
Cidade do Rock, em Jacarepaguá, era um vasto pântano. Teria, pois, que ser
drenado, aterrado, aplanado para só depois receber as obras que, finalmente, o
tornaram no que se constituiu. O brasileiro quando quer, realiza até milagres.
Medina que o diga!
Outro ponto a ser ressaltado refere-se aos
principais personagens de um festival de rock. Claro que me refiro aos
roqueiros. Sem eles não há espetáculo. Muitos foram convidados e recusaram o
convite. Outros pediram importâncias proibitivas a título de cachê. E não se
tratava de ganância. Ocorre que jamais um evento sequer parecido com o que se
pretendia com o Rock in Rio havia sido realizado na América do Sul. O risco de
fracasso era evidente e até provável. E era nisso que os que declinaram do
convite pensaram ao se recusar a participar dessa “aventura”.
Quem não topou, todavia, se deu mal. Embora não
haja provas, há evidências de que os artistas que declinaram do convite se
arrependeram muito desse temor de correr riscos. Eu também, no lugar deles, me
arrependeria. O festival aconteceu, não teve os incidentes que tanta gente
temia dada a dimensão da concentração humana, e foi amplo sucesso em todos os
aspectos, inclusive no comercial, com destaque para o lado artístico.
Como se vê, o Rock in Rio foi muito diferente – e
muito melhor, óbvio – do que Woodstock, tão badalado por muitos, mas assistido
por poucos brasileiros (se é que algum o assistiu). Merece destaque e um lugar
na história do show business nacional até pelo espírito que o norteou, que não
tinha nada de revolta, no caso legítima, mas ineficaz (como o festival
norte-americano), mas tinha tudo de celebração e de alegria pela liberdade que
estava próxima de ser reconquistada (e que apesar do susto dado pela súbita
doença de Tancredo Neves e que gerou tanto medo e tantas incertezas, afinal se
concretizou).
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