Pedro J. Bondaczuk
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, que vive um melancólico momento de baixa em sua popularidade, a ponto da Europa inteira considerar, conforme recente pesquisa de opinião, que o líder russo, Mikhail Gorbachev, é um homem muito mais empenhado na busca da paz do que ele (o que chega a ser surpreendente, já que os europeus são, ao menos pretensamente, seus aliados), esteve, ontem, em Berlim Ocidental, onde esbanjou retórica. E, certamente, ganhará, hoje, as manchetes da imprensa internacional, necessitado que está de projeção, após o rotundo fracasso (que ele teima em dizer que foi sucesso) da reunião de cúpula realizada nesta semana em Veneza.
Num arroubo juvenil, que nem fica bem para quem pretende ser um estadista, ele disse a mais cristalina das verdades, embora em tempo e de maneira inoportunos. Às vésperas de fechar um acordo desarmamentista com Moscou e precisando de uma reunião de cúpula com o líder russo para salvar a sua pele, depois do escândalo Irangate, Reagan desafiou Gorbachev a ir à porta de Brandenburgo e derrubar o muro que divide Berlim. Há alguns pontos a ponderar em sua fala, a seu favor e contra. Vamos aos favoráveis.
A monstruosidade de cimento e ferragens que separa um povo de mesma língua, da mesma origem e iguais tradições é, sem dúvida nenhuma, o maior dos monumentos à estupidez humana. É uma obra-prima de imbecilidade, jamais igualada.
Cidades que crescem paralelas e que acabam se unindo, há algumas no mundo. Podemos mencionar o caso da capital húngara, em que os burgos de Buda e de Peste se expandiram tanto até que se encontrassem e fossem transformados numa só metrópole. Na Budapeste atual.
A Argentina pretende agir da mesma forma, para fazer brotar, bem no Sul do país, a sua nova capital. Vai ligar Carmen de Patagones e Viedma e transformar numa única e nova povoação urbana, com nome ainda a ser escolhido.
Quanto a países divididos, isso já não é mais novidade também. Temos os casos, por exemplo, das duas Alemanhas e das duas Coréias. E, até recentemente, tivemos o dos dois Vietnãs. Países que se unem, ou são unidos a força, para formar um só Estado, também existiram alguns. São os casos das seis Repúblicas da Iugoslávia e das cinco da Checoslováquia.
Mas repartir uma mesma cidade, fazendo dela duas, que se pretende sejam diferentes, e ainda mais as separando por um muro, para que os moradores de um lado não passem para o outro, como ocorre com Berlim, é inédito. É um ato de estupidez! O melhor que poderia ser feito nesse caso, portanto, seria, mesmo, a demolição do muro.
Aí entra um segundo aspecto. Será que essa tarefa caberá a Mikhail Gorbachev ou ao líder da Alemanha Oriental, Erich Honecker, que há dias ignorou, solenemente, o líder soviético (a quem recepcionou para uma reunião), por se opor às reformas propostas por ele? Como se quer que o dirigente do Cremlin mude a prepotência russa dos últimos 70 anos, exigindo dele que intervenha diretamente num outro país?
O terceiro ponto a observar é a inoportunidade de um discurso desses, quando se está negociando algo tão importante, como é o desarmamento nuclear. Para que as partes cheguem aa um acordo, é indispensável que se estabeleça um clima próprio para isso. E não serão desconfianças, agressões verbais e exercícios retóricos que tornarão este mundo menos violento e, portanto, menos perigoso.
O muro tem que cair! Isto é ponto pacífico. As duas Alemanhas têm que ser reunificadas, de alguma forma, que cabe aos alemães decidirem! Nisso a maioria também concorda. Mas isso, somente, será feito no momento em que as superpotências deixarem de travar suas inúteis guerrinhas particulares, tendo esse país dividido por campo de batalha. Ele já pagou, muito além do preço justo, pela aventura nazista.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de 1987).
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