Friday, September 21, 2012

Transmissão de experiências

Pedro J. Bondaczuk

A evolução do homem apenas se tornou possível mediante a transmissão (inicialmente por via oral e posteriormente através da escrita) das experiências que viveu, dos conhecimentos que acumulou e das descobertas que fez, aos seus filhos, que por sua vez fizeram o mesmo em relação àqueles que geraram e assim sucessivamente, através dos sucessivos séculos e dos milênios, desde os tempos remotos e imemoriais das cavernas até os dias atuais.

Em virtude dessas características de poder (e querer) comunicar as informações disponíveis, não apenas entre descendentes, mas com indivíduos do mesmo ou de outros clãs, nem mesmo as guerras (e estas foram incontáveis, pelas mais variadas razões) e os vários cataclismos naturais, como terremotos, erupções vulcânicas, tufões e choques de cometas e meteoritos com a Terra, impediram que ocorresse constante evolução da espécie, uma das mais novas do Planeta, (embora, na maioria, para não dizer na totalidade dos casos, a tenham retardado). O educador Wilbur A. Schramm lembra que "quando nos comunicamos, tratamos de estabelecer uma comunidade. Isto é, tratamos de compartir uma informação, uma idéia, uma atitude".

Os homens desenvolveram aptidões inatas, a princípio criando armas e ferramentas para o próprio uso. Com o tempo, perceberam que a capacidade de produzir excedia, em muito, às próprias necessidades. Perceberam, por outra parte, que não eram aptos para fazer "todas" as coisas que eram necessárias.

Uns tinham habilidade para o artesanato, outros para a guerra, outros para a captura e domesticação de animais, outros, ainda, para curar doenças, ou ensinar pessoas, ou plantar e colher alimentos, ou praticar atos de "magia" que favoreciam a caça, estabelecendo comunicação com os deuses (como então se acreditava) etc. Nossos antepassados descobriram, de forma intuitiva, o processo que hoje é óbvio até para o mais atrasado dos aborígenes da Oceania, mas que nos primórdios da civilização foi uma idéia revolucionária: o intercâmbio de mercadorias e serviços.

Instintivamente, foram se formando redes de produção e troca, primeiro em uma determinada comunidade, depois entre grupos próximos e, com o tempo, abrangendo toda a humanidade conhecida de então. Foi da racionalização do aproveitamento das diversas aptidões individuais que se gerou a evolução da espécie e foram lançadas as bases do que conhecemos como "civilização". O professor S. I. Hayakana observa: "As sociedades, tanto as animais quanto as humanas, quase podem ser consideradas como vastas cooperativas de sistemas nervosos". É isto o que de fato são.

Uma observação de Arthur C. Clarke, no artigo “O futuro no mundo das comunicações” – publicado, no Brasil, no “Suplemento Literário” do jornal “O Estado de São Paulo”, em 3 de setembro de 1978 – que serve de base para esta série de reflexões, me chamou, particularmente, a atenção. É a de que as pessoas suportam muito melhor a privação de comida, e até mesmo de água, do que a falta de informações, de notícias e de diversões.

Lembrei-me que essa constatação foi magnificamente ilustrada por Jesus Cristo quando, tentado por 40 dias no deserto, ao responder a Satã, que o desafiou a transformar as pedras à sua frente em alimentos, afirmou, conforme nos informam os Evangelhos: "Nem só de pão viverá o homem". E não mesmo, felizmente! É isto o que nos diferencia de outros seres vivos.

Esta passagem bíblica mereceu notável reflexão do romancista russo, Fedor Dostoiewsky, no clássico "Os Irmãos Karamazov". No romance em questão, o escritor coloca, na boca do personagem Ivan Karamazov, a narrativa de um hipotético encontro entre Jesus Cristo e um famoso inquisidor espanhol, notável pela crueldade com que tratava as vítimas que caíam em suas garras, acusadas da prática de heresias. Nesse incomum diálogo, o monge sente-se até no direito de condenar o próprio alvo da sua fé, por não se deixar vencer pelas tentações de Satã, como ocorreria com qualquer ser humano comum, para comprovar sua alegada humanidade. Tamanha arrogância é típica da espécie. Reflete exacerbado dogmatismo e falta de entendimento das informações recebidas.

É o conhecimento que nos aguça a sensibilidade e nos predispõe à criatividade. Mas o autêntico, o "bebido na fonte pura". Paul Cézanne (1839-1906), pintor francês, considerado ao lado de Paul Gauguin e de Vincent Van Gogh um dos maiores pós-impressionistas, quando indagado porque tinha tanta vontade de aprender, exclamou: "Sim, eu quero saber! Saber para melhor sentir, sentir para melhor saber!". Mas Hipócrates, tido como o "pai da Medicina" na Grécia, adverte: "Há, verdadeiramente, duas coisas diferentes: saber e crer que se sabe. A ciência consiste em saber; em crer que se sabe reside a ignorância". O inquisidor criado por Dostoievsky enquadra-se, certamente, no segundo caso. Tão somente cria que sabia, embora se tratasse de um estúpido e arrogante ignorante.

Ademais, conhecer não é o bastante, embora seja importantíssimo e fundamental. É preciso saber o que “fazer” com o que se conhece, objetivando vantagens ou pessoais, ou para a comunidade em que estivermos inseridos, ou (o que é ideal) para ambos. Essa ciência não pode ser mero “penduricalho” intelectual. Precisa ser útil, nem que seja para fundamentar um texto literário, por exemplo. O Talmud, livro sagrado dos hebreus, conclui a propósito: “A coisa principal na vida não é o conhecimento, mas o uso que dele se faz”. É isso o que distingue o sujeito de boa memória do sábio, do gênio, de um gigante da espécie, fator de evolução em qualquer sociedade ou época.

Ilustres pensadores chegaram à mesma constatação, como o filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, que escreveu: "Os homens vivem em comunidade em virtude das coisas que têm em comum; e a comunicação é o meio por que chegam a possuir coisas em comum". Ou como o jurista, educador e escritor brasileiro, Anísio Spínola Teixeira, que afirmou: "Sem essa permanente transmissão de valores entre a geração adulta e a geração infantil, os grupos sociais depressa retornariam às mais absolutas condições de primitivismo". Ou como o ilustre mestre e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Nelly de Camargo, que nos alerta: "A característica essencial da sociedade humana reside na sua capacidade de transmitir de uma geração para outra o produto acumulado dos modos de ser, sentir, interpretar e fazer que, no desenvolver da vida do grupo foram praticados, selecionados, modificados, sacramentados pela experiência".

Creio que, por hoje, isso basta. Esse tema “Comunicação”, disciplina da qual a Literatura é parte integrante, é bastante amplo e fascinante e, certamente, voltarei a ele nos próximos dias, por motivos óbvios. Deixo, para sua meditação, inteligente e perspicaz leitor, esta advertência de Geraldo de Alencar, mestre em Desenvolvimento Econômico, autor do livro "Brasil e seu futuro", no artigo "O Brasil e seu futuro" publicado no boletim "Makron Books Informa", do bimestre outubro/novembro de 1995: "A forma atual de acumulação em progressão geométrica de capital intelectual ou conhecimento – fator de produção que vem superando o capital financeiro e os recursos naturais – está erguendo uma barreira intransponível entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Torna-se cada vez mais difícil para os segundos alcançarem os primeiros. Essa acumulação mantém um ritmo crescente nos países modernos, mesmo em momentos de recessão. O conseqüente hiato na posse do conhecimento entre nações está gerando uma nova relação de poder internacional. A força militar, por exemplo, vem perdendo terreno para o conhecimento". Pense nisso!

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