Tuesday, September 25, 2012

Antídoto para a exclusão

Pedro J. Bondaczuk

O grande sonho dos utopistas de todos os tempos, dos idealistas, dos que pensam e agem em sentido coletivo, objetivando a criação de uma sociedade ideal, é a de que, um dia, não haja excluídos em lugar algum. O que anseiam, se esclareça, não é a “igualdade” entre as pessoas, já que estas são desiguais por natureza em quase todos os aspectos, principalmente no que se refere às suas aptidões – tanto as físicas quanto, e principalmente, as mentais, intelectuais e culturais – mas que não haja um abismo tão profundo, como hoje, entre aptos e inaptos. Batalham pelo império da solidariedade, em que o mais forte não se prevaleça da sua força para subjugar e explorar, mas que ampare e auxilie o mais fraco. Trata-se, como se vê, de utopia. Ou seja, de algo que não existe, mas que poderia existir, embora essa possibilidade seja remotíssima, quase nula, tantas as condições que requer.

As extrapolações para o futuro, porém, com base em dados concretos e nas tendências que estes indicam, não são nada promissoras para os utopistas. E muito menos, claro, para os excluídos. Tudo indica que a exclusão social, a despeito do progresso tecnológico da humanidade, não somente irá persistir como, principalmente, tende a se exacerbar. E se isso ocorrer, podemos esperar sérias e múltiplas encrencas, em futuro até muito próximo, face ao natural descontentamento dos que forem deixados à margem das benesses do desenvolvimento.

Não é novidade para ninguém que o desespero, a falta de perspectivas, a miséria e a ignorância levam quem está em situação de desamparo e de ausência de esperança a reações violentas, não raro até suicidas (atitude característica de quem não tem nada a perder), sobretudo, nihilistas, no sentido de destruir o que não pode usufruir. O pior é que a lógica sugere que não faltarão oportunistas para liderar esses desesperados, não por se condoerem de sua condição e pretenderem fazer justiça, mas objetivando o poder e vantagens exclusivamente pessoais, portanto egoísticas.

Claro que como idealista, como na verdade um dos tantos utopistas que sonham com uma sociedade justa e solidária, essa possibilidade (mais concreta do que muitos ousam supor e também mais iminente) me choca, deprime e revolta e deixa-me uma desagradável sensação de impotência. Para que esse aumento da exclusão não se concretizasse, seria necessário mudar mentalidades. Mas não de uma, de cinco ou de dez pessoas, mas de milhões, quiçá de bilhões delas. E isso não se faz da noite para o dia e, pior, é tarefa que, encarada com realismo e objetividade, sequer é factível.

Arthur C. Clarke, em determinado trecho do seu artigo “O futuro no mundo das comunicações” – publicado, no Brasil, no “Suplemento Literário” do jornal “O Estado de São Paulo”, em 3 de setembro de 1978 – que serve de base para esta série de reflexões, faz esta sombria previsão: "Como estamos evoluindo para uma sociedade orientada para a informação e saindo de uma baseada na fabricação e transporte, haverá milhões de pessoas que não poderão se adaptar à mudança, pois no mundo do futuro, o tipo de trabalho sem usar a cabeça, que mantém ocupado 99% da humanidade por mais de 99% de sua existência, será, naturalmente, largamente feito por máquinas. A maioria das pessoas sentir-se-á mortalmente aborrecida com a falta de trabalho, mesmo de trabalho que não gosta. Assim, pois, num mundo sem trabalho, apenas os altamente instruídos serão capazes de florescer".

Já vivemos, em certa medida, nesta era da informação. Muitos trabalhos braçais já foram suprimidos, substituídos por máquinas, de muito maior eficiência e rendimento e de quase nenhum problema (como faltas ao trabalho, acidentes, afastamentos por doenças, salários, contribuições sociais, demandas trabalhistas etc.etc.etc.) em detrimento da mão de obra humana. E a tendência é disso se acentuar, mais e mais, em todos os ramos de produção. Claro, restam as funções de operadores dessas máquinas, que exigem um grau de preparo e especialização que a imensa massa de trabalhadores não tem e nunca terá, por deficiências de educação ou por outros tantos motivos.

Setores como o comércio e prestação de serviços seriam alternativas, todavia inviáveis para os que têm na força física sua única aptidão para trabalhar. O mais grave é que a população mundial não pára de crescer e a faixa dos que atingem a idade que lhes faculta o ingresso no mercado de trabalho cresce na mesma proporção. Não por acaso, o desemprego já é maior nos dois extremos etários, ou seja, entre os jovens e os que já passaram dos 40 anos. Mas esse pessoal precisa se manter e se sustentar, bem como às suas famílias. Tem que assegurar o alimento, a habitação, a vestimenta, o lazer a educação etc. Ou seja, tem que satisfazer todas as necessidades básicas. Como essas pessoas farão isso, porém, se não dispuserem de uma fonte de renda?!

A tendência, até natural, da imensa massa dos excluídos, é a de considerar as máquinas as grandes vilãs, as causadoras de todas suas desgraças. Não é bem assim. Hoje elas são absolutamente indispensáveis para satisfazer a demanda de uma sociedade sumamente consumista e, infelizmente, perdulária. Sem elas, seria impossível abastecer o mercado e ficaríamos privados de vários bens, alguns essenciais e outros tantos supérfluos, mas dos quais não estamos dispostos a abrir mão.

O caminho, se não para resolver de todo o problema, pelo menos para amenizá-lo, é a educação. Mas a racional, a prática e universal. Não, portanto, a atual, nitidamente defasada para atender às expectativas e necessidades do mercado de trabalho. Os métodos educacionais, em pleno século XXI, ainda são os mesmos, ou quase isso, de duzentos anos atrás. Mas o mundo mudou dramaticamente e a realidade hoje é bem diversa daquela desse passado nem tão remoto. O proeminente matemático e educador nascido na África do Sul e que leciona no Estado de Massachusets, nos Estados Unidos, Seymour Papert, observa a propósito: "Se alguém dormisse os últimos cem anos e acordasse dentro de uma sala de aula, não notaria a menor diferença". E creiam, ele não exagera. Não notaria mesmo. As coisas são exatamente assim.

Celso Niskier, professor universitário e membro da Academia Internacional de Educação, no artigo "A reengenharia da educação", publicado no jornal "O Globo", em 25 de janeiro de 1995, observa: "O processo educacional, pelo qual se transmitem valores e conhecimentos entre gerações, é o mesmo há séculos e vem demonstrando um crescente desgaste. A queda de rendimento dos alunos, mesmo em países ditos desenvolvidos, vem preocupando diversas autoridades, com estatísticas alarmantes".

E conclui, com inegável (e justa) preocupação: "Não se pode conceber que, com a informática e o rápido acesso que esta permite às inúmeras fontes de saber, não se redefina o papel do professor. Este deveria tornar-se um 'facilitador de aprendizado', conduzindo os alunos, de forma individualizada, à busca própria do conhecimento, onde quer que ele se encontre. O aluno, desta forma, adquiriria maior controle sobre o processo de ensino – aprendizagem, determinando seu próprio ritmo de estudos".

O tema é muito amplo e requer análise acurada. Contudo, a conclusão, óbvia, possível de se extrair do exposto, é que o triste espetáculo da exclusão social não apenas não tem a mínima perspectiva de acabar, como tende, o que é muito pior e mais trágico, a se acentuar, mais e mais. E que, quem não quiser ficar de fora do mundo tecnológico do futuro, que pintam como “maravilhoso”, não o de um tempo distante, mas do bem próximo, do iminente, do de amanhã, tem que se esmerar em se instruir, e de maneira racional, prática e eficaz. Isso se quiser e se puder.

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