Pedro J. Bondaczuk
O complexo de pesquisas nucleares russo localizado na bucólica cidadezinha de Sarov que, embora tenha sido “rebatizado”, continua conhecido pelo nome original, ou seja, Arzamas-16, é o maior e mais importante da Rússia. Claro que não é o único. Há vários outros espalhados pelo vasto território desse país gigantesco. Para alguns, rivaliza com seu congênere norte-americano, que é um pouco mais antigo, o Laboratório Nacional de Los Álamos, no Estado do Novo México.
Embora uma comparação entre ambos, principalmente ao leigo, seja até impossível de se estabelecer, por causa da natureza secreta dos dados referentes a ambos, não creio na equivalência deles, quer em termos de métodos, quer de modernidade ou quer de tecnologia. Suponho que o centro de pesquisas dos Estados Unidos esteja muito à frente, no cômputo geral. É até possível, se não provável, que Arzamas-16 detenha a dianteira em um ou outro aspecto particular. Todavia, no geral, entendo que há uma disparidade enorme entre esses dois complexos nucleares, com vantagens óbvias para o norte-americano.
A pergunta que se impõe é: o que levou Josep Stalin a fazer um investimento desse porte, numa União Soviética em escombros após o término da Segunda Guerra Mundial e não em outros setores mais prioritários, de retorno garantido em termos econômicos, como, por exemplo, em centros de pesquisa agrícolas, ou de tecnologia industrial, ou de comunicações etc.? É certo que a maior parte das instalações foi construída com mão de obra escrava, de prisioneiros políticos, portanto sem custos. Ainda assim, o investimento, certamente, não foi dos menores, num país em que escasseavam capitais. Bem, é aí que entra a tal doutrina do “equilíbrio do terror”, que abordei em texto anterior.
Em 16 de julho de 1945, às 5 horas, 29 minutos e 45 segundos da manhã, uma bola de fogo gigantesca iluminou os céus de Trinity, localidade desértica do Novo México, erguendo para o espaço um cogumelo de milhares de metros de altura. Os seres humanos, naquele instante fatídico, acabavam de abrir a “Caixa de Pandora”, aquele recipiente que na mitologia antiga guardava, em seu interior, todos os bens e todos os males da Terra. Só que, neste caso, havia, somente, estes últimos. Em 16 de julho de 1945 era testada, com sucesso, a primeira bomba atômica do mundo. E ela era dos Estados Unidos. Portanto, havia a necessidade de equilibrar as coisas, para que a parte detentora dessa superarma não se visse tentada a utilizá-la sempre que se julgasse ameaçada.
A tentativa de obter esse equilíbrio possivelmente foi a principal motivação para Josep Stalin investir o que tinha e o que não tinha em Arzamas-16. Diz-se que a bomba atômica soviética não foi fruto das pesquisas dos seus cientistas. O segredo da arma teria sido repassado por um dos membros do Projeto Manhattan. Aliás, o casal Rosemberg (Julius e Ethel Rosemberg) foi julgado, condenado à morte e executado nos Estados Unidos por suposta espionagem em favor da URSS. Mas, se Arzamas-16, ou outro complexo semelhante, não existisse, não haveria como os soviéticos construírem e testarem sua bomba.
O relacionamento entre as nações, especialmente as que mantêm um antagonismo entre si (quer de caráter ideológico, quer militar ou econômico) é feito, há séculos, em dois planos. Um oficial, diplomático e normal, fartamente divulgado e que deveria ser o único caminho para a discussão e busca de solução das desavenças. Outro, subreptício, ilegal e encoberto, traduzido por espionagem, apoio a facções internas que se opõem ao regime vigente no país desafeto, e outras formas até mais imorais e condenáveis. Dado o seu caráter nada ortodoxo, este último procedimento raramente vem a público. Não, pelo menos, de forma oficial, embora todos saibam que ele existe.
A espionagem, quer em tempos de paz, quer nos de guerra, é uma das atividades mais desenvolvidas e concorridas entre países adversários (e até entre aliados) e, também, das mais antigas. Em 1480 AC, por exemplo, quando os hebreus estavam às portas de Canaã, após uma peregrinação, de 40 anos, por desertos, Josué levou, a mando de Moisés, um grupo de 11 espiões para a terra que manava leite e mel, para conhecer as fraquezas e pontos fortes dos povos que então a habitavam.
Em 344 AC, Alexandre, o Magno, inaugurava nova forma de espionar adversários: interceptando sua correspondência. E em 878 de nossa era, o rei Alfredo, o Grande, resolveu, ele próprio, agir como espião. Disfarçou-se de menestrel e vagou, livremente, pelos acampamentos militares dinamarqueses, observando tudo o que podia da força do inimigo. Esse seu ousado ato valeu aos ingleses a vitória na batalha de Edington, poupando muitas vidas de seus súditos.
Hoje, mais do que nunca, se espiona de todas as formas. E, para esse fim, os serviços secretos dos principais países usam de tudo. Desde ultra-sofisticados aparelhos eletrônicos, que a maior parte das pessoas desconhece que até já tenham sido inventados, a redes de corrupção, explorando fraquezas humanas, como a prostituição, o homossexualismo e o vício de drogas. Tudo é válido nessa guerra suja, movida nas sombras. Melhor diríamos, que acontece nos esgotos da sociedade.
Exímios novelistas têm feito fortunas usando como temas para suas histórias ações mirabolantes, desenvolvidas no campo da espionagem internacional. Filmes, tendo tais assuntos por tema, esgotam bilheterias e prendem as pessoas junto às telas de televisão. E as artimanhas utilizadas pelos espiões da ficção são de tal ordem, que ninguém acredita serem sequer próximas da verossimilhança. Quem pensa assim, todavia, se engana.
Na maior parte das vezes, a realidade, com as inconfessáveis motivações que a escudam, é infinitamente mais aética e criminosa do que a imaginação dos mais maquiavélicos dos novelistas pode conceber. Basta, por exemplo, uma rápida passagem de olhos no noticiário do dia a dia, e se ler da maneira correta nas entrelinhas, para se perceber a manifesta ilegalidade da qual se valem respeitáveis governos para obter informações que lhes interessam ou para subverter situações, criando fatos políticos que as beneficiem.
A ação dos espiões, todavia, reitero, não é um fato recente, nem restrito apenas ao pós-guerra. Diríamos que é algo que pontilha a História universal, desde quando os homens começaram a se agrupar em países, com realidades, costumes e motivações diversos. Nunca faltaram, no correr dos séculos, celerados que colocaram a cobiça, a ganância e mesquinhos interesses pessoais (sempre transitórios e efêmeros) acima dos coletivos. Os anais de quase todas as civilizações registram seus traidores, seus oportunistas e seus quintas colunas.
Entre a visão romântica, que todos temos, do relacionamento internacional e a realidade dos fatos, vai distância imensa. Uma comunidade mundial, baseada apenas no Direito e na ética, é um ideal que beira as raias da utopia. Vez ou outra, alguém comete uma falha e para que todo o esquema não seja desnudado à luz da opinião pública, o elo fraco da corrente de ilegalidades é sacrificado, para que o status quo possa ser mantido.
Freqüentemente, alguns tentam justificar essas mazelas, dando a entender que os “fins justificam os meios”. Para que alguns “iluminados” testem alguma idéia elucubrada num instante de ócio, não importa que uma, cinco, dez, cem ou mil vidas sejam ceifadas. Ou, quem sabe, uma cidade como Hiroshima. Talvez, até mesmo, um país. Que importam as pessoas para esses paranóicos, que se arrogam em deuses, em senhores dos destinos de seus semelhantes? A lei? Ora, a lei... Voltarei ao tema.
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