Pedro J. Bondaczuk
O século XX, em especial os anos finais, e os primeiros doze anos do século XXI caracterizaram-se, entre outras coisas – entre as quais um profundo desrespeito e pouco caso com a vida – pela velocidade. Tal rapidez, que beira a instantaneidade, aparece em tudo. No surgimento e solução de crises, na criação e destruição de sistemas e principalmente na informação.
As notícias, hoje em dia, como quase tudo o mais, tornaram-se objetos de consumo, descartáveis, velozes, superficiais, "prêt-à-porter", efêmeras. Fatos que talvez transformem para sempre a realidade emergem, ganham as manchetes e em poucos dias desaparecem, sem que os consumidores do noticiário saibam do epílogo dos acontecimentos.
É como se algum leitor ávido por se informar lesse, com uma velocidade estonteante, os primeiros capítulos de uma infinidade de livros. Teria conhecimento do início de uma grande quantidade de histórias, das quais desconheça o desfecho. Mas o pior é quando se tenta censurar a imprensa e cercear o trabalho dos jornalistas. E não são apenas os Estados totalitários que procedem assim. Democracias tradicionais, se não atuam com frequência dessa maneira, em uma ou outra ocasião “tentam” fazer isso. Exemplo? Lá vai um, que já foi há tempos esquecido, mas que de fato aconteceu.
A divulgação feita, em 19 de dezembro de 1984, pelo jornal "The Washington Post", acerca do objetivo da missão ultra-secreta da nave norte-americana reutilizável "Discovery", que seria lançada no espaço no dia 23 de janeiro de 1985, levantou, nos EUA, uma enorme polêmica sobre a liberdade de imprensa.
O Pentágono considerou a quebra de sigilo uma violação às normas de segurança nacional. O editor do "Post", Benjamin Bradley, repudiou a acusação, feita pelo próprio secretário de Defesa, Casper Weinberger, argumentando que o cidadão daquele país tinha todo o direito de saber sobre o programa do avião orbital, cujas conseqüências poderiam levar as superpotências de então a outra séria crise. Todavia, o desfecho ficou no ar. O tal satélite espião foi ou não lançado? Ou o Pentágono abortou a operação? Ninguém ficou sabendo.
A imprensa dos EUA sempre teve tradição de liberdade, com responsabilidade. Sua atuação enérgica, decidida e isenta, tem garantido a manutenção de uma das sociedades mais abertas e exemplares do Planeta, impedindo que maníacos aventureiros (dos quais o mundo está farto) promovam estrepolias como as de Adolf Hitler e outras, menos ostensivas, mas que não deixam de ser condenáveis.
Foi uma reportagem do "The Washington Post", por exemplo, que levou à queda do presidente Richard Nixon, em 8 de agosto de 1974, que renunciou para não ter seu "impeachment" aprovado pelo Capitólio, depois do caso de espionagem ocorrido no edifício Watergate. São denúncias de tantos outros jornais de renome daquele país que têm levantado a opinião pública mundial contra os abusos cometidos por paranóicos sequiosos de poder, que violentam os direitos humanos nas mais variadas formas e diversos lugares da Terra, prendendo, expropriando bens, torturando, matando e difamando pessoas, geralmente impotentes para se defenderem.
O que seria do mundo sem uma imprensa livre? Os cidadãos sentir-se-iam inseguros até para sair de casa sem essa tribuna para denunciar as mazelas e a prepotência dos que se valem do poder público para promover interesses pessoais, a sociedade, inclusive, poderia até mesmo se desorganizar com os indivíduos sentindo-se ameaçados em sua integridade, criando leis próprias, calcadas apenas na força.
Não é mera coincidência o fato das maiores atrocidades e genocídios acontecerem onde a atuação dos órgãos de divulgação é restringida e controlada pelo Estado. Onde a imprensa é manietada e amordaçada e impedida de exercer a sua missão de informar e alertar a opinião pública.
Violação à segurança nacional, a meu ver, é o lançamento de um satélite destinado a espionar o que se passa em outro país, mesmo que esse seja um Estado policial que confine seus cidadãos mais ilustres e mantenha seu povo numa enorme alienação sobre o que se passa ao seu redor. Foram US$ 300 milhões despendidos para fazer desse patrimônio de toda a humanidade, que é o espaço, uma arena para um duelo que não tinha condições de definir um vencedor, como não definiu.
Violar a segurança nacional, acima de tudo, é impedir que os cidadãos tenham informação de um fato que podia trazer conseqüências para toda a sociedade, em caso de vir reação da outra parte, que poderia interpretar a missão como ato de guerra e buscar represália. E esse risco existia, não apenas para os EUA, mas e, sobretudo, para toda a humanidade, que poderia acabar entrando, mesmo que não quisesse, numa briga com a qual não tinha nada a ver.
Mas essa fartura de informação, além de tudo truncada, tende a conduzir a opinião pública, cada vez mais participante das decisões dos políticos, a terríveis equívocos na avaliação de crises. O que se deve fazer, porém, não é censurar ou dificultar o trabalho da imprensa. Cabe aos próprios responsáveis pelos veículos de comunicação melhorar a quantidade e a qualidade das notícias, dar agilidade aos que as coletam e acompanhar os casos enfocados do começo ao fim, com informações contínuas que têm que ser sempre rigorosas, isentas, verdadeiras e... livres.
O norte-americano Daniel J. Boorstin observou a esse respeito: "A Revolução Russa de 1917 alimentou a euforia norte-americana com a deposição do regime opressivo do czar e a ascensão do governo popular num vasto território. O terror bolchevista e o regime totalitário stalinista que vieram depois fizeram-nos repensar as coisas. Os acontecimentos de 1917 teriam sido apenas uma guerra civil que substituiu os czares pelos 'comiczares'?"
A mesma pergunta poderia ser feita sobre as desagregações da União Soviética, Iugoslávia e Checoslováquia. Serão um fator de estabilidade ou traiçoeira bomba de tempo que ameace toda a humanidade? Essas coisas levam tempo para ficarem claras. Desde a época do império da Babilônia – a história nos ensina – a desagregação de Estados produziu guerras monumentais, ou durante, ou antes ou depois desse processo.
Os fins dos séculos XIX e XX e o início do XXI foram períodos desse tipo. Dois impérios, o Austro-Húngaro e o Otomano, se desagregaram. E o que tivemos? Três guerras nos Balcãs e a primeira conflagração mundial. Recentemente, outros três tiveram a mesma sorte. Não seria, pois, agora o momento adequado de se agir, no sentido de garantir a estabilidade política e social dos novos Estados oriundos dessas desagregações, e não de comemorar, tolamente, suposta vitória de determinada ideologia, no caso o capitalismo, o que de fato não ocorreu?
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