Pedro J. Bondaczuk
A teoria de Francis Fukuyama sobre o fim da História, apresentada, em 1989, inicialmente em uma conferência, estendida depois no artigo que publicou na revista “National Interest”, foi minuciosamente detalhada no livro “O fim da História e o último homem”. A tese pode (e deve) ser acrescentada às tantas utopias já criadas no correr dos tempos que expressam o anseio humano de por uma sociedade ideal, sem injustiças e sem conflitos, que propicie paz e prosperidade a toda a humanidade. Como todas as outras, porém, esta também ficou no mero plano da idealização e do sonho, longe de se concretizar e, provavelmente, por uma série de razões, até impossível de um dia vir a ser constituída.
Queiram, ou não, a História continua, com seus dramas e contradições, inerentes à própria natureza do homem. Como tema de reflexão, não deixa de ser válido o conhecimento da teoria de Fukuyama, inclusive bem engendrada e, até certo ponto, coerente, do ponto de vista teórico. Mas... da teoria à prática vai uma distância tão grande que só pode ser aferida em anos-luz. O neoliberalismo não somente não triunfou, como está em profunda crise, a exemplo da que afetou (e ainda afeta) o comunismo.
Mas, afinal de contas, quem é este Francis Fukuyama, que agitou de tal maneira os meios acadêmicos e intelectuais mundo afora? Em termos estritamente pessoais, não se pode negar que se trate de um vencedor. Nascido em 27 de outubro de 1952, na cidade de Chicago, é PhD em Ciência Política pela conceituadíssima Universidade de Harvard. A tese com que se doutorou versava sobre a União Soviética e o Oriente Médio, duas de suas especialidades e há muito tempo focos de tensões e conflitos do mundo.
Em seu currículo consta a atuação como analista político da Rand Corporation, empresa com sede na Califórnia , especializada em assessoria tecnocientífica, célebre por suas previsões com altíssima porcentagem de acerto, girando ao redor de 80% em média. A cada dez anos, essa entidade divulga detalhados relatórios sobre a situação mundial, extrapolando probabilidades para a década seguinte, com extraordinária precisão. Isso, sem dúvida, dá a exata medida da sua competência na área em que atua.
Atualmente, Francis Fukuyama é professor de Economia Política Internacional da Paul H. Nitze School of Advanced International Studies, na Johns Hopkins University. Não se trata, pois, como se vê, de nenhum aventureiro em busca dos seus fugazes quinze minutos de fama. É um pesquisador sério, preparado, competente e respeitado. Isso não quer dizer, todavia, que sua teoria seja correta e que sua previsão do fim da História seja incontestável.
Francis Fukuyama foi, ainda, professor de Políticas Públicas na George Mason University. O que lhe falta, todavia, é isenção, já que é visceralmente comprometido com o neoliberalismo. Daí sua visão ser parcial ou unilateral. Ele continua prestando serviços ao governo do seu país, já que é membro do conselho presidencial de Ética em Biotecnologia. Goza, portanto, como se vê, de merecido prestígio, tanto interno, quanto internacional, tendo conquistado diversos prêmios outorgados por entidades de grande renome e prestígio.
Francis Fukuyama tem quatro livros publicados. O principal é “O fim da história e o último homem” (lançado no Brasil pela Editora Rocco), que publicou em 1991nos Estados Unidos e que figurou por um bom par de anos na lista dos mais vendidos, tanto em seu país, quanto em várias outras partes do mundo, com o qual conquistou o Los Angeles Times Book Critics Award e o Prêmio Capri, na Itália. É autor, ainda, de “Confiança” (1995), “A grande ruptura” (1999) e “Nosso futuro pós-humano”.
Para evitar ou desfazer equívocos, algumas observações se fazem necessárias. Uma delas é que, quando Fukuyama lançou sua tese sobre o fim da História, ainda não integrava o Departamento de Estado dos Estados Unidos. Em inúmeras ocasiões, ele deixou claro que seu ponto de vista não expressava a idéia de política externa norte-americana. Era posição pessoal de um estudioso da realidade e analista das transformações que ocorriam no mundo.
Outro equívoco, que precisa ser desfeito, é o de que Fukuyama formulou sua tese com base no fato consumado. Não foi bem assim. Quando divulgou-a, o fim da Guerra Fria ainda não havia se configurado, ou, pelo menos oficialmente, não fora reconhecido pelas partes em conflito. Recorde-se que isso somente aconteceu na reunião de cúpula de 31 de outubro de 1989, realizada a bordo de um navio ancorado ao largo da ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, entre os então presidentes George Bush (pai) e Mikhail Gorbachev, respectivamente dos Estados Unidos e da União Soviética.
Havia, portanto (embora bastante atenuado) ainda um clima de animosidade e de confronto entre as superpotências. O Muro de Berlim ainda estava de pé e a reunificação das duas Alemanhas era mero sonho do chanceler Helmut Kohl. O Solidariedade não havia chegado ao poder na Polônia, onde o truculento general Woiojciech Jaruzelski ditava as normas.
Certamente, muitos dos que atacaram as posições de Francis Fukuyama, na ocasião, não o fariam hoje. Em contrapartida, muitos dos adeptos da sua tese mudaram de opinião e cederam à realidade: a História, mesmo no sentido dado por esse especialista político, não acabou. Pelo contrário, continua, com suas tensões, injustiças e contradições. Até quando? Até sempre?
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