Pedro J. Bondaczuk
As nossas obras, sejam de que natureza forem – materiais ou intelectuais – embora pareçam façanhas individuais, são sempre coletivas. Dependem de informações, não importa obtidas de que maneira (se de forma oral, escrita, visual ou até mesmo táctil) sobre experiências iguais ou semelhantes de outros. Em última análise, são resultados de comunicação. Tudo, rigorosamente tudo o que sabemos aprendemos de alguém. Mesmo as idéias originais, comprovadamente nossas, têm alguma coisa, não importa o que ou quanto, da experiência e do conhecimento alheios. Imaginem um mundo em que as pessoas não se comunicassem, em que uma não entendesse absolutamente nada do que a outra pretendesse expressar. Não haveria sociedade. Aliás, não existirias nem mesmo a família. O homem, nessas circunstâncias, duraria pouco, muito pouco.
Uma alegoria bíblica ilustra a caráter a vital necessidade que temos de nos comunicar. É a da construção da Torre de Babel. Enquanto os operários que a erigiam falavam a mesma língua, ou seja, se entediam, por se comunicarem com eficácia, as obras prosperavam. O gigantesco edifício, que seus construtores pretendiam que fosse tão alto que chegasse ao céu, ganhava forma. Todavia, subitamente, as línguas foram confundidas.
Um operário passou a não compreender o que os outros falavam, ou seja, o que queriam e precisavam. E não tardou para que o canteiro de obras se transformasse numa confusão geral, de sons e de gestos, de gritos e de incompreensíveis imprecações, em uma algaravia estranha a qualquer de seus construtores. E o que aconteceu? A construção da Torre de Babel teve que ser interrompida e abandonada. E todos os que participavam da sua ereção se dispersaram, indo cada qual para o seu canto. A obra fracassou por absoluta falta de comunicação.
Torno a recorrer ao artigo “O futuro no mundo das comunicações”, de Arthur C. Clarke – publicado, no Brasil, no “Suplemento Literário” do jornal “O Estado de São Paulo”, em 3 de setembro de 1978 – que serve de base para esta série de reflexões. Nesse interessante e inteligente texto, o escritor britânico reitera: "Podemos dizer que a finalidade da vida humana é o processamento de informação. Já mencionei o estranho fato de o homem poder viver mais tempo sem água do que sem informação". Exagero? Claro que não! E qual é a maneira elementar pela qual nos comunicamos, após aprendermos como fazer isso? É um processo global, ininterrupto, que nos acompanha do berço à tumba, chamado “educação”.
Educamo-nos, no sentido lato do termo, já a partir do nascimento. Aprendemos a mamar, a sentar, a andar, a falar, a nos relacionar com as pessoas a partir do nosso núcleo familiar, expandindo esse relacionamento gradativamente para além da nossa família. E esse aprendizado prossegue, na escola, por exemplo, onde aprendemos a ler e a escrever, e na igreja, quando nos dão noções básicas de transcendência, instruindo-nos sobre alguma religião (no caso a dos nossos pais, que podemos ou não trocar por outra, na vida adulta ou optar, até, por não ter nenhuma). E nosso aprendizado prossegue, num processo sem fim, uns se informando mais, outros menos e outros, ainda, limitados exclusivamente aos conceitos primaríssimos aprendidos na infância, o que lhes reduz, quando não suprime, qualquer chance de evolução mental, cultural, profissional e social e, por conseqüência, econômica. Em suma, aprendemos, ao longo da vida, a receber e a processar informações e a nos comunicar.
John Dewey, filósofo, psicólogo e educador norte-americano, que formulou importantes princípios de reforma pedagógica (1859-1952), observou em um de seus textos : "A educação é para a vida social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica. A educação consiste primariamente na transmissão por meio da comunicação. A comunicação é o processo da participação da experiência para que se torne patrimônio comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes associadas".
O sociólogo francês Jean Stoetzel, introdutor, na França dos métodos de sondagem de opinião, esclarece melhor essa relação. Escreve: “Considerada de modo abstrato, a comunicação tem por função transmitir informações. Que é informação? Algo que diminui a incerteza, isto é, que diminui o número de possibilidades dentre as quais escolher". A boa comunicação, a que totalmente eficaz, é a que não deixa a menor margem de dúvida a respeito de determinada informação. Se não for rigorosamente clara, objetiva e esclarecedora sequer merecerá essa designação. Comunicar é se fazer rigorosamente entendido, sem ambigüidades ou margens para a dúvida. Nesse aspecto, convenhamos, muitos comunicadores, no afã de exibir conhecimentos (que muitas vezes sequer têm, pelo menos não nas proporção que insinuam), são ambíguos e incorretos no que comunicam.
Jean Le Rond D'Alembert, físico e matemático francês, autor do princípio que tem o seu nome, que expôs em seu "Tratado de Dinâmica" (1717-1783), observa a propósito: "A ciência da comunicação das idéias não se limita a pôr em ordem essas idéias: deve ensinar a apresentar cada idéia de maneira mais clara possível e, por conseguinte, aperfeiçoar os sinais que se destinam a expressá-la; é o que têm feito os homens pouco a pouco".
A informação, como se vê, é um bem essencial ao homem. E tanto, que Arthur Clarke insiste em enfatizar que é mais importante até do que o alimento e a água. Afinal, de posse dela, a pessoa saberá onde encontrar, ou como produzir, o que sustenta seu corpo e o mantém vivo. E esta só pode ser difundida de uma única e exclusiva maneira: mediante a comunicação, não importa se oral, escrita, visual ou táctil.
O sociólogo belga Roger Clausse enfatiza a importância cada vez maior (embora jamais tenha sido pequena ou supérflua) das pessoas se comunicarem. Observa, em um de seus livros: "Esta necessidade social de comunicação é tanto mais imperiosa e envolve coletividades tão grandes, quanto mais a sociedade se complica e se sensibiliza. Quando a sorte do indivíduo depende mais da sorte da sociedade; quando a interdependência política, econômica e social se torna mais estreita; quando o nível educacional se eleva, a pressão nacional e internacional se tornam mais fortes e os vínculos primários se realizam, o homem, isolado no seio das coletividades abstratas que se diluem nas massas, ameaçado sob todos os ângulos e, no entanto, solidário com seus semelhantes, conhecidos ou desconhecidos, próximos ou distantes, este desumanizado busca, no conhecimento dos fatos, não apenas uma arma contra as ameaças mas também um refúgio contra o isolamento e o tédio".
E conclui, com lógica e experiência de quem entende do assunto e o comunica com clareza e precisão: "A necessidade vital de conhecer o que ocorre no vasto mundo impõe-se ao homem contemporâneo, para tirar desse conhecimento uma vantagem prática e egoísta, um benefício para si mesmo ou para seu grupo. Trata-se de formar uma opinião sobre os acontecimentos, de organizar sua vida pessoal ou coletiva em função desses acontecimentos, de tomar, segundo a tendência dos fatos da atualidade, as medidas de salvaguarda que a situação aconselha, de explorar ao máximo dos seus interesses uma realidade circundante ou distanciada que represente uma ameaça ou abra as portas à esperança".
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