Pedro J. Bondaczuk
O complexo de pesquisas atômicas Arzamas-16, localizado no Cazaquistão – que hoje é um país independente, mas que ainda conta com diversas instalações militares e científicas russas – embora tivesse na época da sua criação (e tenha ainda) a nata dos pesquisadores da extinta União Soviética (e atualmente, da Rússia), não era e não é o único do gênero. No final de 1946, por exemplo, esses centros de estudos já eram em número de onze, espalhados pelo vastíssimo território da URSS. Havia muita gente nesse país empenhada no desenvolvimento de armas nucleares. Aliás, gente demais!!
Para que se tenha uma idéia desse empenho, duas informações são suficientes, para estabelecer um termo de comparação. O Projeto Manhattan, dos Estados Unidos, empregava cerca de 125 mil pessoas no desenvolvimento e produção da primeira bomba atômica da história. A União Soviética tinha, pelo menos no início do seu esforço para se equiparar ao ex-aliado, que se tornara rival no pós-guerra, nessa estúpida corrida da morte, praticamente o dobro desse contingente. E isso só no início, enfatizo.
Pelo fim de 1945, o número de soviéticos empenhados nessa tarefa, que virara obsessão para Josep Stalin, girava ao redor de cerca de 250 mil. E essa cifra viria a crescer exponencialmente. Até 1950, quando a URSS já havia testado suas bombas atômicas (primeiro a de plutônio e depois a de urânio), a quantidade de pessoas trabalhando na produção dessas armas já havia chegado a mais de 800 mil! Era, reitero, muita gente empenhada num esforço sobreumano por algo que, convenhamos, sequer deveria ter sido inventado.
Mais da metade desse contingente era constituída de prisioneiros, quer os alemães perdedores da Segunda Guerra Mundial, quer os internos, os infelizes dissidentes do regime. Do restante do pessoal, um terço era de soldados de batalhões de construção do Exército Vermelho. Apenas cerca de 10% dos trabalhadores era de cidadãos “livres” que, no entanto, nem gozavam de tanta liberdade assim. Afinal, seus movimentos eram todos monitorados e restringidos, por razões de “segurança nacional”.
Os defensores das bombas (pasmem, mas ainda há quem as defenda), argumentam que elas puseram fim à Segunda Guerra Mundial. Afirmam que, caso não fossem empregadas contra o Japão, o “Império do Sol Nascente” não se renderia e o numero de mortos e feridos, de ambos os lados, seria muitíssimo maior do que foi e que, convenhamos, não foi pequeno. Pelo contrário, foi absurdamente alto. Mas se é verdade que essas armas extinguiram um conflito (e mesmo assim, essa tese é contestável, já que os japoneses, na ocasião, já davam mostras de exaustão antes de serem vítimas das duas bombas atômicas norte-americanas) de trágicas conseqüências para a humanidade, deflagraram outros, muito piores e mais perigosos. Ou seja, a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética e a corrida armamentista nuclear. Não conseguiram fazer, pois (como na época se propalou) que os países se compenetrassem da inutilidade e da estupidez de recorrerem à violência para solucionar questões passivas de resolução através do diálogo. Enfim, não puseram cobro àquilo que deveriam pôr: às próprias injustiças e contradições.
As bombas atômicas que devastaram Hiroshima e Nagasaski pegaram Josep Stalin de surpresa. Ele sabia, pelos seus espiões, da existência do Projeto Manhattan. Mas não acreditava que os cientistas de várias nacionalidades que trabalhavam no desenvolvimento dessa superarma tivessem êxito tão cedo. Subestimara, pois, a capacidade e o empenho do ex-aliado que viria a se transformar em poderoso e temível adversário.
Tão logo percebeu seu equívoco, a obtenção de bombas similares e, se possível, até mais potentes e arrasadoras, passou a ser uma obsessão para o truculento e insensível ditador. Tanto é verdade que, semanas depois dos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki, ele deu um ultimato aos seus cientistas e aos líderes militares do seu império: até 1948, a URSS já deveria ter em seu arsenal bombas de plutônio e de urânio em condições de serem utilizadas caso necessário, custasse o que custasse. O cronograma que estabeleceu (na verdade, impôs), porém, furou. Sofreu um atraso de quase nove meses. É provável que muita gente tenha sofrido algum tipo de punição por causa disso.
A primeira bomba atômica soviética foi testada, num campo de provas especialmente construído para esse fim, na região de Semipalatinsk, no Cazaquistão, em 29 de agosto de 1949. Era de plutônio. Para a construção de uma de urânio, os soviéticos enfrentavam uma imensa dificuldade, que tentavam superar a toque de caixa. Ou seja, não dispunham desse minério que, ademais, envolve um processo dos mais complicados para ser purificado, em abundância. Não, pelo menos, em condições de imediato uso.
O teste da bomba foi mantido em segredo. O Ocidente ficou sabendo dele por vias transversas. Em meados de setembro de 1949, depois de examinarem a poeira radioativa da explosão, que havia se disseminado pelas camadas superiores da atmosfera do mundo todo, os norte-americanos chegaram à conclusão que uma bomba havia sido testada. Não havia dúvidas disso. Uma coisa, porém, os intrigou. As análises indicaram que a bomba de plutônio soviética era rigorosamente “cópia” da que os Estados Unidos haviam lançado em agosto de 1945 sobre a cidade japonesa de Nagasaki. Coincidência? Nem o mais ingênuo dos ingênuos acreditou nisso.
A conclusão dos serviços de segurança dos Estados Unidos foi a de que alguém entregou à URSS os esquemas detalhados dessa bomba. Não tardou para se descobrir quem foi. Foi um dos físicos nucleares mais respeitáveis do Projeto Manhattan, o italiano Bruno Pontecorvo. Ele teria entregue os detalhes dessa arma a espiões soviéticos e o casal Julius e Ethel Rosemberg foi responsabilizado por isso.
Num julgamento rumoroso e controvertido, os dois foram considerados culpados. Acabaram condenados à morte e executados. Quanto ao cientista, que vazou os dados, Zhores A. Medvedev e Roy Medvedev informaram o seguinte, em seu esclarecedor livro “Um Stalin desconhecido”: “Bruno Pontecorvo, temendo ser detido, fugiu com a família para a União Soviética, através da Finlândia, em 1950. Na URSS, integrou-se perfeitamente, assumiu a direção de um laboratório no Instituto de Física Nuclear de Dubna e não demoraria a ser feito membro pleno da Academia de Ciências soviética”. Passou a ser considerado um “herói nacional” no país a que serviu, traindo outro.
E a bomba de urânio? Os segredos de sua fabricação também foram repassados, por mãos de espiões (repasse também atribuído ao casal Rosemberg) a Moscou. Todavia, por falta da matéria-prima, esse tipo de arma só pôde ser testado muito depois, no início dos anos 50. E o protótipo soviético foi diferente, por sinal muito melhor, do que o norte-americano. Este sim foi completamente desenvolvido em Arzamas-16 pelos seus pesquisadores.
Os planos da bomba de urânio, conforme citei, também foram vazados por um dos participantes do Projeto Manhattan, no caso o alemão Klaus Fuchs, que entendia que uma arma como essa não poderia ser exclusiva de um só país. Após ser descoberto, teve destino um pouco pior do que o de Montecorvo. Zhores A. Medvedev e Roy Medvedev revelam o que lhe aconteceu: “Klaus Fuchs foi detido na Grã-Bretanha em janeiro de 1950. Confessou ter enviado informações sobre a bomba à União Soviética, mas não revelou seus canais de comunicação com os serviços de inteligência soviéticos. Fuchs foi condenado a 14 anos de prisão e libertado em 1059, por ‘bom comportamento’. Transferiu-se então para a RDA (Alemanha Oriental) onde assumiu a direção do Instituto de Física Nuclear de Berlim”.
A partir do teste bem-sucedido da primeira bomba atômica soviética, a de plutônio, a humanidade começou a viver um pesadelo, que ainda está mais vivo do que nunca e em franca evolução (embora muitos achem que tenha acabado): o da incerteza quanto a haver um dia de amanhã, diante da possibilidade (não tão remota como querem alguns) de que alguém, num assomo de loucura, em Washington, ou em Moscou, ou em qualquer outra parte, aperte um fatídico botão vermelho e faça voar pelos ares todos nossos sonhos, obras e ambições. A qualquer momento pode-se arrasar, em questão de minutos, o que a natureza levou milhões de anos para criar. Essas armas monstruosas e insanas podem extinguir, em um simples piscar de olhos, a preciosa vida, e toda ela, no planeta Terra.
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