Saturday, September 29, 2012

Sugestão de primavera até no nome

Pedro J. Bondaczuk

A poesia de Florbela Espanca é das mais refinadas e belas da língua portuguesa. Versa, em sua maior parte, sobre a grandeza, as delícias e a transcendência do amor, mas também sobre os tormentos, torturas e decepções que ele, não raro, propicia. Contudo, esse é um sofrimento que, posto ser intenso, por ele não nos arrependemos de passar. Muito pelo contrário. São os espinhos que valorizam e dão até maior encanto a essa mística rosa, fonte da felicidade e da vida. Sobretudo, desta”.

Foi dessa forma que iniciei determinada crônica a propósito desta excelente escritora portuguesa tempos atrás. Não estou certo se divulguei ou não esse texto aqui, neste espaço. Pudera! Escrevo e publico tanta coisa, todas as semanas, em tantos lugares diferentes, que, a menos que tivesse memória de elefante, não me lembraria (como não me lembro mesmo), desse tipo de detalhe. Se vocês já leram essa crônica, melhor. Vão entender bem o que pretendo dizer nestas reflexões. Se não leram, procurarei dar o máximo de indicações possíveis a propósito. para deixar claro e inteligível meu raciocínio.

Por que volto a enfocar essa poetisa, a propósito de textos (na maioria poemas) sobre o tema primavera? Bem, a razão é bastante simples. Nas considerações anteriores, a propósito do assunto, citei versos isolados de um soneto de Florbela Espanca, fora do seu devido contexto, que dizem: “Há uma primavera em cada vida:/É preciso cantá-la assim florida (...)!. Na sequência, fiz um reparo a essa afirmação, que um leitor achou injusto. Provavelmente tenha sido, de fato. Por e-mail, ele solicitou que eu transcrevesse o soneto completo, para que cada qual julgasse por si só se a poetisa foi precisa ou não em suas colocações. Como sou admirador dessa escritora e minha intenção não foi, em momento algum, a de criticá-la, mas a de dar interpretação pessoal à referida citação, achei justo o reparo. Ademais, para mim, o pedido dos leitores é mais do que isso: é uma ordem. Reproduzo, pois, o tal soneto (belíssimo, por sinal):

Amar

“Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais este e aquele, o outro e a toda gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disse que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que eu saiba me perder... pra me encontrar...”

Já que mencionei crônica anterior a propósito da excelente escritora portuguesa que tanto admiro, transcrevo outro trecho, bem de acordo com estas reflexões sobre como a primavera foi e é tratada (e certamente continuará sendo) na literatura. “Seu nome verdadeiro, aquele com que foi registrada, foi Flor Bela de Alma Conceição. Filha ilegítima, o pai, João Maria Espanca, tardou em reconhecê-la como filha. Na verdade, fê-lo tão somente após sua morte, quando a poetisa já era escritora consagrada e bastante requisitada. Dá, certamente, para o leitor imaginar a carga de preconceito que a menina teve que suportar por uma circunstância alheia à sua vontade e ao seu controle, por algo de que não tinha culpa, de que, na verdade, era a grande, se não a única, vítima”.

Alguém pode perguntar: “Que relação essa informação tem com a primavera”? Respondo: a óbvia, ou seja, o nome da poetisa. Ele sugere o maior símbolo dessa estação do ano (“Flor”), acompanhado, de lambuja, por um adjetivo (“Bela”). Aliás, os dois sonetos citados (o anterior e o de hoje), não são os únicos que Florbela Espanca compôs sobre o assunto. Localizei, em seus livros, vários outros, belíssimos e soberbamente compostos. Como o espaço não comporta muitas transcrições, transcrevo apenas um deles, que separei a esmo, já que todos são de qualidade superior:

Primavera

“É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...”

Fico com saudável (saudabilíssima) “inveja” destes versos tão delicados e ternos, relacionados à Primavera, que por mais que eu venha tentando compor algo de qualidade mesmo que apenas remotamente parecida sobre o tema, nunca consegui. Como se vê, Florbela Espanca foi soberba poetisa, não sem razão a preferida dos apaixonados. Pudera!

Já que citei tanto minha crônica anterior sobre essa talentosíssima escritora portuguesa, peço licença para transcrever um dos últimos parágrafos do referido texto, em que informo: “(...) após o diagnóstico de um edema pulmonar, (Florbela Espanca) suicidou-se, no dia do seu aniversário, em 8 de dezembro de 1930. Mais esse problema, para ela, foi demais para a sua frágil e tão vulnerável constituição psicológica. Tanto tentou esse recurso extremo, até que conseguiu, para consternação generalizada”. Eu acrescentaria, a título de conclusão: “abrindo lacuna impossível de ser preenchida, não somente na literatura de língua portuguesa, mas na mundial”.

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