Saturday, September 01, 2012

Clonagem Humana

Pedro J. Bondaczuk

A clonagem de seres humanos é possível? Teoricamente, sim. Mas esta não é a principal pergunta que se impõe numa questão tão delicada como essa. Há muitas e muitas outras, bem mais relevantes, que compete à sociedade responder. A principal: é necessário recorrer a esse meio antinatural de reprodução, tendo em vista, entre outras tantas coisas, que nosso principal problema não é a escassez de pessoas, mas justamente o contrário, a superpopulação? Não sei a que argumentos os defensores desse procedimento (e estes existem aos milhares) podem recorrer. Mas, quaisquer que eles sejam, não conseguirão contestar a resposta, até óbvia, a essa insólita pergunta, que é e deve ser uma só: não!!!!

E o que esse assunto tem a ver com Literatura? Tem tudo! A matéria-prima do escritor é a vida e tudo o que a ela se relacione. E, nesse contexto, claro, tudo o que se refira à sua natureza, princípio e fim. São pessoas que escrevem sobre pessoas para outras pessoas lerem. Além disso, muitos (para não exagerar e não dizer “todos”) dos avanços científicos e tecnológicos nasceram e ainda nascem da imaginação (há quem classifique de intuição) de escritores.

Ademais, há uma infinidade de livros tratando de clonagem, abordando praticamente todos os aspectos dessa técnica, quer em outros animais e quer, principalmente, em homens. Não conheço, todavia, uma única dessas obras que defenda esse procedimento (com isso não quero afirmar que não exista). Esse assunto foi muito debatido nos quatro anos finais do século passado, mas os debates saíram de pauta na primeira década do século XXI e neste início de segunda década. Isso não quer dizer, claro, que os defensores desse procedimento tenham desistido dele. Certamente não desistiram. Apenas resolveram não divulgar mais com tanta ênfase suas pesquisas nesse sentido.

As declarações do cientista norte-americano Richard Seed, em entrevista dada a uma pequena emissora de rádio do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, em meados de 1997, afirmando que faria um clone humano em no máximo um ano e meio, causaram furor no mundo. Em pouco tempo, suas palavras chegaram aos principais veículos de comunicação, Planeta afora, gerando imediatas reações e alguma (na verdade muita) inquietação. Óbvio que o tal cidadão não conseguiu clonar nenhuma pessoa. Se conseguisse... certamente a imprensa descobriria e divulgaria essa clonagem ao mundo com o maior estardalhaço. Pudera!

Naquela oportunidade, alguns mostraram-se descrentes da possibilidade. Outros apontaram a inutilidade das experiências. Outros, ainda, ressaltaram seus óbvios riscos. O que se temia, quando da clonagem da ovelha Dolly, em 1996, por parte da equipe dos laboratórios escoceses "PPL Therapeutics" – e que vários governos e a própria ONU tentaram evitar, mediante aprovação de resoluções e de legislação restritiva – estava, portanto, prestes a acontecer. Ou pelo menos de ser tentado. Não está mais? Não sei! Temo que haja ainda muitos que pensem em fazer isso, com todos os riscos e condenações éticas que esse procedimento implica.

Os debates em torno da questão desenrolaram-se no correr de todo o ano de 1997, estendendo-se pelos três anos posteriores, posto que amainados, até que, subitamente, desapareceram do noticiário. Envolveram médicos, biólogos, técnicos em engenharia genética, juristas e legisladores, entre outros. Sem falar, claro, em líderes religiosos de praticamente todas as crenças. Na opinião da maioria, tal prática, envolvendo seres humanos, deveria ser absolutamente proibida, por apresentar, além de óbvias questões éticas rigorosamente inaceitáveis, riscos de mutações genéticas, entre outros. Havia (será que há?) evidente perigo de criações de monstros.

É desnecessário repetir os argumentos em contrário, do ponto de vista moral, apresentados desde então. Aliás, especialistas renomados na área duvidavam que Richard Seed, que afirmava ter obtido doutorado de Física na Universidade de Harvard (e que, portanto, sequer é biólogo) reunisse conhecimentos técnicos suficientes para empreender a experiência. E o tempo mostrou que não reunia mesmo. Tanto que não conseguiu clonar nenhuma pessoa. Fica a dúvida se tentou ou não fazer isso e, em caso positivo, no que resultou sua tentativa, certamente frustrada.

Os pesquisadores do instituto PPL fracassaram em pelo menos 277 tentativas, antes que Dolly pudesse ser "produzida" e só obtiveram êxito na 278ª. De qualquer forma, a intuição "me cochicha" que um dia, em algum lugar, com respaldo legal ou sem ele, e por mais hediondo, perigoso e desnecessário que seja esse procedimento, alguém vai tentar (se é que já não tentou) e terá êxito, produzindo "replicantes" humanos.

É a vida copiando a ficção, como no caso do submarino nuclear Nautilus, preconizado por Júlio Verne em seu livro “Vinte mil léguas submarinas” – que se materializou, em 1953, nos Estados Unidos, com o lançamento ao mar do primeiro submergível movido a energia atômica, batizado com o mesmo nome da máquina imaginada pelo escritor francês, comandada pelo Capitão Nemo, e que hoje se tornou coisa trivial – e de tantos e tantos outros inventos, que concretizaram a imaginação de ilustres e delirantes ficcionistas.

A esse propósito, o biólogo, filósofo e historiador francês Jean Rostand já havia previsto – e a previsão consta no "The People's Almanac", de David Wallace e Irving Wallace, publicado em 1973 nos Estados Unidos – a possibilidade de clonagem, inclusive de pessoas. "A partenogênese, reprodução por meio de um gameta não fecundado, será algum dia possível. Poderemos então ter tantas cópias exatas de um homem excepcional quantas desejarmos", afirmou o cientista na ocasião. Na época, ou foi ignorado pela maioria, ou não foi levado a sério. Deveria sê-lo.

Lamenta-se que preciosos (por serem escassos) recursos, que deveriam ser destinados a pesquisas mais relevantes e urgentes de maneiras de curar doenças e de acabar com a fome e a miséria, sejam desperdiçados para que alguns "brinquem" de ser Deus. O maior problema no mundo contemporâneo, reitero (e sequer seria necessária tal reiteração, tão óbvia que é) não é o da falta de pessoas. É exatamente o contrário: o da superpopulação. E, pior, esse excesso de gente ocorre exatamente nos países mais miseráveis e injustos do Terceiro Mundo que não têm condições de sustentá-lo. Tudo isto, claro, com os nascimentos ocorrendo pelos processos naturais! Imaginem, então, o que pode ocorrer caso se “ajude” a natureza nessa tarefa de reprodução! Seria o caos!!!

Onde abrigar tantas pessoas? E não somente isso, mas como as alimentar, vestir, educar, lhes dar uma função etc.etc.etc.? É, convenhamos, não dá certo o homem querer brincar de Deus! Não funciona. Jamais funcionou ou funcionará. Aliás, essa "pretensão à divindade" foi até explicitada por Richard Seed para justificar sua tentativa de clonar seres humanos. "Seguimos o caminho de nos tornarmos Deus. Vamos ter quase tanto conhecimento e poder quanto Deus", ele afirmou na citada entrevista, que tanta celeuma causou há quinze anos, antes que o tal cidadão voltasse ao ostracismo, depois dos seus muitos mais do que “quinze minutos” de fama. É esse tipo de mentalidade que chega a ser arrepiante quando se lida com o maior mistério da natureza: o da vida.

 
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