Pedro J. Bondaczuk
O complexo nuclear russo – hoje conhecido pelo nome oficial de Centro Nuclear Federal da Rússia – apesar da mudança de nomenclatura, continuará sendo conhecido, mundo afora, pela denominação original que ostentou desde sua criação, em 1946, até 1991, ou seja, a de Arzamas-16. Em texto anterior, com base no livro de Zhores (Roy) A. Medvedev, “Um Stalin desconhecido”, informei que ele foi construído por prisioneiros do regime soviético. Por muitos anos teve duplo papel: o de imenso campo de trabalhos forçados, um dos tantos “gulags”, que foram tão comuns na extinta URSS e o de sofisticado centro de pesquisas. Portanto, era secretíssimo, e pelos dois motivos apontados.
Era tão secreto que os que cumpriam pena ali, mesmo depois de findas suas sentenças, não tinham como recuperar a liberdade. Ou eram mantidos nesse local sinistro pelo resto das suas vidas ou eram transferidos para campos de prisioneiros similares, mais distantes e inacessíveis ainda em relação às grandes cidades, mesmo que nominalmente “livres”, para que jamais pudessem revelar a quem quer que fosse o que viram e ouviram em Arzamas.
Medvedev cita, em seu livro, trechos da autobiografia de Andrei Sakharov em que o notável físico e eminente dissidente do regime soviético (a que serviu por décadas, frise-se, antes de se rebelar contra ele), descreve o que testemunhou naquele local. Num dos trechos transcritos, informa: “Arzamas-16 encerrava uma curiosa simbiose entre um instituto de pesquisas ultramoderno, com suas oficinas experimentais e campos de testes, e um imenso campo de trabalhos forçados”. E ele não inventou nada a esse propósito, como muitos chegaram a insinuar. Foi testemunha ocular de tudo o que aconteceu ali. Estava lá. Vivia nesse complexo.
Em outro trecho da sua autobiografia (citada, amiúde, por Medvedev), Sakharov escreve: “As oficinas, os campos de testes, as estradas e até as casas dos empregados das instalações haviam sido construídos por prisioneiros. Eles, por sua vez, viviam em barracas e eras acompanhados até o trabalho por cães de guarda. (...) Toda manhã, longas filas cinzentas de homens, usando jaquetas acolchoadas, passavam por nossas janelas”. Devia ser um espetáculo deveras deprimente para qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade.
Para se entender o que levou Josep Stalin a determinar a construção de Arzamas-16 – embora não se justificasse o fato de fazê-lo, simultaneamente, campo de trabalhos forçados – faz-se necessária sua devida contextualização. É indispensável recorrermos à História de um dos períodos mais tensos e politicamente instáveis do século XX, ou seja, o que se convencionou chamar de “Guerra Fria” e seu subproduto mais insano, a corrida armamentista nuclear, numa tentativa das duas superpotências de então de romperem o “equilíbrio do terror” e, dessa forma, deterem a hegemonia militar do mundo. Mas, vamos por partes.
Em 1949, um dos cientistas do Projeto Manhattan, achando que a melhor forma de evitar nova guerra seria os dois lados se armarem igualmente, cedeu os segredos da fabricação da bomba atômica à União Soviética. A esta altura, Arzamas-16 já existia há três anos e seus cientistas faziam de tudo para igualar as coisas com os Estados Unidos. Foi a partir daí que começou a insana corrida armamentista nuclear, que na sequência envolveria não somente mais as duas,todavia as quatro potências mundiais de então (Estados Unidos, URSS, Grã-Bretanha e França), responsáveis pela derrota das potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Mais tarde, esse “Clube Atômico”, o dos detentores da bomba, ganhou as adesões da China e da Índia, ao qual veio se juntar logo o Paquistão, com cada um dos participantes querendo superar o outro em termos de arsenal bélico. Surgiu, assim, a teoria resumida pela sigla "MAD" (de Mutual Assured Destruction, ou seja, destruição mutua assegurada). Sintomaticamente, a sigla forma uma palavra que em inglês significa "loucura". E não é uma coisa louca?!! É insaníssima, sem dúvida!!! Tratava-se (ou trata-se, pois essa estupidez ainda não acabou) do equilíbrio do medo. A lógica, por trás de tudo isso, é a de que, se todas as partes envolvidas tiverem a capacidade de destruir as oponentes, a paz persistirá, de acordo com essa teoria, a menos, claro, que entre elas haja alguma com instintos suicidas. Será que não há? Tenho lá minhas dúvidas.
Mas a verdadeira origem de todo esse “imbróglio” é anterior a tudo isso. Vou tentar resumi-la. Apesar dos Estados Unidos terem sido os primeiros a explodir uma bomba atômica, em 16 de julho de 1945, no deserto de Alamogordo, no Novo México, muita gente, procedente de vários países e épocas variadas, foi responsável para que se chegasse a ela. Como, por exemplo, William Conrad Röentgen, que em 1885 descobriu a eletricidade negativa dos raios-x. Ou o casal Pierre e Marie Curie que, acidentalmente, acabou topando com um novo elemento químico, de comportamento um tanto estranho: o rádio. Ou como Albert Einstein, com suas conclusões de que matéria e energia são a mesma coisa. Ou ainda Ernest Rutheford e sua descrição de como age a radioatividade e a enunciação de “como é”, na verdade, um átomo.
Até mesmo um japonês (que ironia!) participou da descoberta do processo, da montagem do quebra-cabeças, que acabou conduzindo à construção da bomba. Foi o físico Shimizu, que com seu colega russo Piotr Kapika, trocou informações com o italiano Enrico Fermi, permitindo a este que realizasse a primeira reação controlada em cadeia no urânio.
Muita gente mais contribuiu para que o homem detivesse o segredo dessa arma, capaz de destruir, em segundos, o que a natureza levou milhões de anos para construir. Como o alemão Otto Hahn, descobridor da fissão nuclear. Ou o dinamarquês Niels Böhr, que produziu a “água pesada”, capaz de estimular a radioatividade e assim acelerar a reação em cadeias no urânio natural sob o lento bombardeio de nêutrons. Ou, ainda, o norte-americano Lawrence, que separou os isótopos em propagação térmica.
Dificilmente outro projeto, de caráter civil, mereceu mais atenção dos pesquisadores, do que esse, de ordem militar, que visava à obtenção da superarma. Ou seja, do artefato bélico decisivo em caso de conflito, para quem o detivesse.
Não tivessem sido lançadas as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki e o cidadão comum de hoje sequer acreditaria até mesmo em sua existência, tão terrível é seu potencial de destruição. Como muitos ainda não crêem, por exemplo, que o homem tenha pisado na Lua, atribuindo as imagens das odisséias do Projeto Apolo, da Nasa, a meras montagens. Honestamente, ciente das “maracutaias” que os políticos engendram amiúde, também, às vezes, chego a duvidar, a despeito de toda a carga de informações de que disponho dada minha profissão de jornalista. O leitor mesmo já deve ter ouvido, em diversas ocasiões, manifestações de ceticismo desse tipo, notadamente de pessoas menos instruídas e, por isso, supostamente mais ingênuas. Há, até, quem não acredite ainda na existência da bomba atômica. Mas... Infelizmente ela existe.
O super-secreto Projeto Manhattan reuniu, em Los Álamos, no Novo México, as maiores cabeças pensantes que o mundo conhecia. Gente como o Prêmio Nobel Niels Böhr, como os irmãos Oppenheimer, como Arthur Compton e como Klaus Fuchs, entre tantos outros.
Esses foram os verdadeiros “pais” da mais arrasadora arma já construída pelo homem. Mas, antes mesmo que ela fosse obtida, esses cérebros brilhantes denotavam enorme preocupação com as implicações políticas e morais que ela traria.
Em fevereiro de 1944, Böhr escreveu ao presidente Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill mensagens exprimindo seus temores: “Está sendo criada uma arma de potência destruidora sem precedentes. A menos que seja instituído um controle internacional sobre o uso de novos materiais ativos (urânio, plutônio, etc.), qualquer vantagem temporária, por maior que seja, será, invariavelmente, superada pela ameaça permanente à sociedade humana”. Tanto Roosevelt, quanto Churchill, discordaram do cientista. Políticos... sempre os políticos!!! Ambos estavam errados, óbvio. E como!!! Voltarei, certamente, ao assunto.
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