Pedro J. Bondaczuk
Os sírios, de acordo com versões jornalísticas britânicas, teriam preparado uma manobra de astúcia para recuperar as boas graças do Ocidente (especialmente da Europa), que eles perderam no ano passado, com o rompimento de suas relações diplomáticas com a Grã-Bretanha e com uma espécie de congelamento no relacionamento com a Alemanha Ocidental.
Eles estariam para aproveitar-se da visita do rei Fahd, da Arábia Saudita, a Londres, para tentar uma jogada de mestre, valendo-se de dois fatores. Da sua presença na parte ocidental de Beirute, com 7.500 soldados e mais de 100 tanques, desde 22 de fevereiro passado, para onde se deslocaram para porem ponto final na luta entre facções rivais na cidade. E da aflição de vários países com o cativeiro de seus reféns no Líbano, para libertarem esses seqüestrados.
De acordo com tal versão, o principal visado, para aquilo que foi classificado de “encenação” Síria, seria o enviado da Igreja Anglicana, Terry Waite, desaparecido de Beirute desde 20 de janeiro passado e a respeito de quem têm circulado tantos boatos.
Oficialmente, nenhum grupo assumiu a autoria do seu seqüestro, embora o Irã tenha dito, ontem, que ele está detido pela Organização Justiça Revolucionária. Outra facção, a Jihad Islâmica para a Libertação da Palestina, tem em seu poder três professores norte-americanos e um indiano.
As primeiras providências das tropas de Damasco, ao entrarem no setor muçulmano da cidade, foram fechar os escritórios das várias milícias e desarmar os milicianos, garantindo que atirariam para matar contra os que desobedecessem as suas determinações.
Neste tempo todo, as forças de ocupação, certamente, tiveram chances de obter todas as informações que precisavam acerca dos grupos extremistas que agem impunemente na zona. Uma pista que conduz na direção da procedência da versão britânica foi a libertação recente dos dois únicos reféns sauditas em Beirute.
Seria coincidência esse sucesso, fruto de mera sorte, exatamente nas vésperas dessa missão intercessória do rei Fahd? É bastante improvável. O mais certo é que os sírios já tenham noção exata do paradeiro de cada um dos 24 estrangeiros que são mantidos em cativeiro no Líbano. E que pretendam usar esse conhecimento no momento mais adequado, do ponto de vista político. Estaria bem de acordo com o “modus operandi” do governo de Damasco.
Hafez Assad já demonstrou, em várias oportunidades, que é um líder bastante astuto, temido, neste aspecto, pelos adversários que, no entanto, não o deixam de admirar. Que golpe melhor, para limpar um pouco a desgastada imagem da Síria do que uma operação dessa natureza, em que fossem libertados os dois empresários alemães ocidentais, seqüestrados em janeiro passado; os oito norte-americanos; os seis franceses; os dois britânicos e, de quebra, o negociador da Igreja Anglicana, Terry Waite?
É verdade que muita gente, em nível de governo, em Washington, Bonn, Londres e Paris, interpretaria o gesto de “boa vontade” como mera “encenação”, conforme o jornal londrino “Times” insinuou que poderia acontecer.
Mas a opinião pública daria essa mesma interpretação? Dificilmente. Como não deu em relação à missão intercessória de Assad em julho de 1985, quando do fim do seqüestro do Boeing 737 da Trans World Airways, com os 39 reféns norte-americanos de então voltando sãos e salvos para seus lares nos Estados Unidos, e se desmanchando em elogios à ação Síria.
Aliás, nós, de nossa parte, não estamos nos opondo a uma atitude dessa espécie. Se tal operação de fato acontecer, pelo menos ficará resolvido um problema tormentoso e desgastante a mais nessa tensa região do Oriente Médio.
Pouco mais de duas dezenas de cidadãos inocentes terão a oportunidade de regressar a seus lares e até de escrever, quem sabe, algum livro de memórias narrando suas aventuras. O único risco é o de um resgate dessa espécie ser feito à valentona e fracassar.
Quem, nessa eventualidade, assumirá a responsabilidade pela perda da vida desses cativos? Tomara, pois, que haja de fato uma “encenação” desse tipo. Um pouco de teatro, quando as coisas no final saem bem para todos, não faz mal a ninguém.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 24 de março de 1987).
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