Pedro J. Bondaczuk
O 15º gabinete português da era pós-salazarista (como estava previsto desde o início da presente crise, quando os sociais-democratas retiraram os seus seis ministros da coalizão de governo, no dia 19 passado), já é história. Formado a duras penas em 1983 (quando os socialistas, embora vencedores das eleições daquele ano, não obtiveram maioria absoluta), após cinco árduas semanas de negociações, se extingue, melancolicamente, num momento bastante inoportuno para isso.
Afinal, o Estado português irá integrar-se, oficialmente, ao Mercado Comum Europeu a partir de 1º de janeiro próximo. E, para tanto, seu Legislativo precisa votar diversas leis, adaptando a legislação de Portugal às normas da Europa dos Doze.
Levando-se em conta que o Parlamento será oficialmente dissolvido, provavelmente até 14 de julho, e que as eleições (antecipadas em dois anos em relação à época normal que deveriam ocorrer) vão se dar, apenas, em outubro, irão sobrar pouquíssimos dias para os parlamentares atuarem. E é preciso levar-se em consideração que as urnas costumam trazer várias surpresas.
Muita gente sem prática parlamentar, por exemplo, pode vir a ser escolhida. Até que esses neófitos se familiarizem com o mecanismo no Parlamento, outros tantos preciosos dias terão transcorrido. Isso pode dificultar o ingresso português no MCE.
Por outro lado, existe a questão do custo. As despesas de qualquer eleição não são pequenas a ponto de poderem ser desprezadas. E os portugueses terão pela frente duas delas, em apenas seis meses: as legislativas, antecipadas (possivelmente em outubro) e as presidenciais, em princípios de 1986. Entre os diversos perdedores na presente crise, portanto, a maior prejudicada será a economia de Portugal, que não anda lá muito bem das pernas, a rigor.
O Partido Social Democrata, ao nosso ver, está fazendo uma autêntica roleta-russa política, ao provocar a antecipação das eleições. Joga às cegas, acreditando num possível sucesso nas urnas, que lhe possibilite formar um governo majoritário. Ou, então, promover uma coalizão mais à direita dos socialistas.
O OS, todavia, tem o seu cacife nessa parada. Mário Soares e seus partidários, além do grande prestígio de que gozam, têm a seu favor uma série de resultados positivos, entre os quais o próprio ingresso de Portugal no Mercado Comum Europeu. Suas chances de obter a desejada maioria, portanto, são maiores do que as do partido que deflagrou a crise.
A dificuldade pode estar na ambição de Mário Soares de postular a presidência, no próximo ano, sucedendo a Ramalho Eanes que, por dispositivo constitucional, não pode ser reeleito. E entre os socialistas não há nenhum outro nome que reúna o carisma, a experiência e o prestígio desse grande líder, defensor intransigente da OTAN e de uma vinculação mais estreita da política de seu país com os Estados Unidos.
Mas esse é um obstáculo menor. Até porque, Mário Soares sempre se conduziu pelos caminhos do realismo em sua vida pública. E, certamente, não deixará os socialistas naufragarem nas eleições, renunciando às aspirações presidenciais caso perceba a existência desse risco junto ao eleitorado.
De qualquer maneira, e ao contrário do que pode parecer aa distância, essa alternância de gabinetes, a uma média de mais de um por ano, para a democracia, é bastante saudável, embora dispendiosa para a economia. Reflete a existência de muitos conflitos na sociedade portuguesa que, ao contrário do que ocorria nos idos da ditadura salazarista, estão sendo administrados, e não extintos. Um autêntico regime democrático é isso. Afinal democracia, queiram ou não, é a sábia e coerente administração de conflitos. E é isso o que os portugueses estão fazendo.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 28 de junho de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment