Pedro J. Bondaczuk
O exercício de futurologia tentado nos últimos tempos, todo ele, se mostrou absolutamente falho e, por isso, inútil. As mudanças ocorridas no mundo, praticamente todas elas, para o bem ou para o mal, “driblaram” nossa capacidade de extrapolação, ou de adivinhação como querem alguns. E o processo de transformações, em todas as áreas de atividade, continua, cada vez mais acelerado, mas, rigorosamente, imprevisível. Como será o mundo, por exemplo, em 2050? Ou no ano 3000? Ou em 3012? Podemos dar asas à imaginação e tentar prever. Dificilmente acertaremos. Ouso afirmar, até, que erraremos tudo o que previrmos em nosso exercício divinatório, de futurologia. Ademais, sequer podemos garantir que a humanidade terá algum futuro ou que não o terá.
Um dos best-sellers dos anos 60 do século XX foi o livro "O Ano 2000", do diretor do Instituto Hudson dos Estados Unidos, Hermann Kahn, em parceria com Wiener, lançado no Brasil pela Editora Melhoramentos. Esta alentada obra, editada em um único e grosso volume, tentava prever, com antecedência de décadas, como poderia ser o mundo em 2000, nas áreas política, econômica, social e científica. Os autores alertavam que não se tratava de nenhuma profecia, mas de meras projeções estatísticas e de conseqüências lógicas para as pendências então existentes, tais como a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, as lutas de independência na África e a sucessão de ditaduras na América Latina, entre outras tantas.
A instituição de pesquisa, patrocinadora desse trabalho, gozava de grande reputação de acerto nas previsões que fazia, que eram projeções para no máximo cinco anos. Pois bem, quem tiver este livro e o tenha lido, recomendo que o releia. Quem ainda não o leu e tiver a chance de encontrá-lo em algum sebo, o adquira e o leia. Nenhuma, absolutamente nenhuma das previsões feitas para o ano 2000 se concretizou. Muito pelo contrário. Deu tudo errado.
Por exemplo, nunca passou pela cabeça dos autores do livro, Kahn e Wiener, que a toda poderosa União Soviética, superpotência que parecia imbatível e que compartilhava com os Estados Unidos a hegemonia política e principalmente militar no mundo, viria a se estilhaçar, se desmembrando em 14 países miseráveis, violentos e inexpressivos, além de num décimo-quinto, uma Rússia enfraquecida, problemática e bastante mais pobre do que a do tempo dos czares. Mas foi o que aconteceu.
Aliás, mesmo em 1990, ano que antecedeu essa desagregação, se alguém sequer sugerisse, mesmo que a título de pilhéria, a possibilidade do gigante vermelho se desmantelar, cairia no ridículo total. Mas... desmantelou-se. E, convenhamos, até sem a dramaticidade potencial que o evento sugeria.
Kahn e Wiener também nunca imaginaram, nem como mera hipótese, a queda do Muro de Berlim, ocorrida em 1989, seguida da reunificação da Alemanha, da democratização da Europa Central na chamada "Revolução de Veludo", da globalização da economia e tantas e tantas coisas que estão aí e que pareciam impossíveis de acontecer. No entanto, aconteceram.
Os mais idosos devem se lembrar bem das projeções, muitas das quais delirantes, que se faziam para o ano 2000, por volta de 1950. Dizia-se, na ocasião, entre outras coisas, que as viagens interplanetárias seriam rotineiras, que haveria colônias humanas em Marte e na Lua, que a cura do câncer seria uma realidade, que os transplantes de órgãos seriam coisas triviais, etc.etc.etc. Reportagens e mais reportagens foram escritas a respeito, dando tudo isso como favas contadas. Claro que quase nada disso aconteceu. Alguns tipos de câncer são curáveis, é verdade, mas essa doença segue ceifando milhares de vidas mundo afora. Os transplantes de órgãos são realidade, mas não rotineiros como o previsto. Quanto às viagens espaciais...
Se os cientistas do Instituto Hudson e prestigiadíssimos pesquisadores, dos mais renomados centros de pesquisas dos Estados Unidos e da Europa, não conseguiram acertar as previsões feitas para as suas respectivas áreas, não serei eu, sem nenhuma base científica, que irei me arriscar a prever o que acontecerá na minha atividade profissional, o jornalismo, nos próximos 50 anos, em termos de aparato tecnológico. Nem mesmo nos próximos seis meses ou até menos. O que posso fazer é detectar algumas tendências, que podem se concretizar ou não, dependendo de muitos fatores. Principalmente no que se refere ao método de se fazer jornal e à linguagem a ser adotada pelas várias mídias que veiculam trabalhos jornalísticos.
O jornalismo está tendendo, cada vez mais, a ser interativo. Ou seja, o destinatário da informação já tem, e vai ver isso ampliado cada vez mais, canal direto de comunicação, via e-mail, Facebook, Twitter etc. com cada editor de área. Por enquanto, pode apenas sugerir o que deseja ler e criticar (ou elogiar) o que é publicado. No futuro, poderá acrescentar detalhes às informações, enriquecendo-as e até corrigindo-as, quando for o caso. Ou seja, poderá “interferir” diretamente na notícia.
Outra tendência que vislumbro, em prazo mais curto do que muita gente pensa, é o chamado "jornal sem papel". Com um pouquinho de imaginação e domínio das técnicas de edição, isso já é possível. Os assinantes irão receber diretamente em seus computadores, nas suas casas, escritórios e consultórios, todo o volume de notícias que passa atualmente pelo crivo dos editores, que por falta de espaço, aproveitam apenas 20% ou menos desse noticiário. Tais informações serão constantemente atualizadas, ininterruptamente, 24 horas por dia. O assinante poderá selecionar o que mais lhe interessar e imprimir esses textos. Terá, dessa forma, um jornal absolutamente personalizado. Essa personalização já está ao nosso alcance, com a utilização dos vários sites especializados em notícias. A deficiência desses, contudo, é a demora na atualização do que acontece no mundo.
A dificuldade, por enquanto, está tanto nos investimentos que terão que ser feitos pelas empresas, principalmente no que se refere à mão de obra, pois precisarão ter quatro equipes completas de repórteres, fotógrafos, editores, etc, quanto à forma de veiculação dos anúncios, que são a fonte mantenedora dos jornais.
Outra tendência do jornalismo é o da multimídia: da utilização crescente da imagem, do som e do texto, simultaneamente, como meios de transmitir informações. Já há experiências bem-sucedidas nesse sentido em várias partes do mundo, que tendem a se acentuar.
Mas se as mudanças tecnológicas são muitas e vertiginosas, as conceituais são lentas e muitas vezes significam até recuo na técnica de informar. É verdade que os meios de comunicação vivem, atualmente, fase de transição. Jornais tradicionalíssimos, como "O Estado de São Paulo", por exemplo, abriram mão de um estilo mantido por quase um século, sem que tenham imposto ainda um novo padrão que satisfizesse os leitores.
Uma tendência que certamente vai se impor e se acentuar é a da objetividade crescente dos textos, que serão cada vez mais curtos, contendo apenas os dados essenciais do acontecimento noticiado. Em contrapartida, o espaço destinado às imagens será muito ampliado. E todas as fotos, do jornal inteiro, serão em cores. Os editores usarão cada vez mais recursos visuais que facilitem o entendimento da informação, como gráficos, quadros comparativos, infográficos, mapas etc.
Neste novo jornalismo, infelizmente, não há mais espaço para as chamadas "matérias de fôlego", aquelas reportagens extensas, especiais, que fazem a delícia dos que gostam de leitura, em especial nas edições dos domingos. Uma das razões é que são cada vez mais raros os bons textos do jornalismo, aqueles repórteres de estilo fluente e atraente. Hoje, fórmulas pré-fabricadas estão substituindo a criatividade. Mas os jornais estão ganhando e vão ganhar muito mais em objetividade, rapidez e oportunidade.
Os amantes da palavra escrita, porém, não precisam temer, pois não será desta vez ainda que o "Planeta Guttenberg" será destruído. Previu-se, nos anos 50, que o jornalismo do futuro seria essencialmente de imagens. Tolice. O texto está apenas se modernizando, sendo adequado a esta era vertiginosa e fantástica (para alguns, apenas louca). Mas está longe da extinção. Pelo contrário. O pesquisador do Instituto para o Futuro, da Califórnia, Paul Saffo, em ensaio que escreveu intitulado "Pela Palavra", publicado no livro "Reflexões para o Futuro", lançado pela Revista Veja em 1994, em comemoração aos seus 25 anos de fundação, assinala: "Na verdade, a palavra escrita não apenas permanece – mas floresce como trepadeira, na fronteira da revolução digital".
O intelectual norte-americano apenas reforça a profecia de Horácio, poeta da Roma Antiga, que há quase dois mil anos garantiu: "Litera scripta manet". "A palavra escrita permanece". A comunicação foi o fator preponderante que permitiu ao homem deixar as cavernas e partir em conquista das estrelas. É verdade que ainda não conquistou nenhuma. Mas tem potencial para isso.
Das primeiras palavras inteligíveis trocadas por dois seres humanos ao milagre dos satélites; das pinturas sagradas nas paredes das cavernas à Internet; da invenção do alfabeto pelos fenícios ao milagre da multimídia, esse ser estranho, misto anjo e demônio, deu um salto de qualidade magnífico, da animalidade à racionalidade. Estou convicto que, não importa o tempo que leve, saberá superar seus egoísmos, deficiências e contradições e se impor como rei da natureza, quando aprender de vez o princípio da bondade, da integridade e da solidariedade. Mas... não me atrevo a jurar que isso virá a acontecer. Tomara que aconteça!!!
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