Pedro J. Bondaczuk
“A Constituição dos miseráveis”: é assim que Arnaldo Lacombe denomina a atual Carta Magna brasileira, em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”. Os constituintes de 1986 tinham consciência de estar elaborando um “monstrinho”, repleto de fantasias e ilusões.
Trata-se de um texto extenso, dúbio em muitos pontos e, o que é pior, parte considerável sequer pôde ainda entrar em vigor, por falta de lei complementar que regule diversos de seus dispositivos. Sua elaboração foi cercada de intensas expectativas, cujos resultados se revelaram mais uma das inúmeras frustrações da nossa sofrida população.
Não se pode negar que a Constituição de 1988 apresentou avanços no que diz respeito à parte social. Todavia, esse aspecto positivo acabou neutralizado por jamais haver saído do papel. Coincidência ou não, o período de sua vigência é exatamente o mais caótico, socialmente, da nossa História, ao ponto de o Brasil ocupar hoje a 70ª colocação no mundo em termos de qualidade de vida, abaixo, até, de países como a Jamaica e o Panamá, com todo o respeito que tais sociedades possam merecer.
O texto constitucional em vigor é tão ruim, especialmente nos capítulos referentes às ordens econômica e política, que os próprios constituintes que o elaboraram previram sua revisão para este ano. Esse processo, todavia, por uma questão de coerência, não deveria ser tarefa desse Congresso, que está aí, um dos piores já eleitos, que tem como único trunfo a ostentar o impeachment de um presidente da República, notoriamente incompetente e – conforme demonstrou à farta a recente Comissão Parlamentar de Inquérito – cúmplice da maior bandalheira já ocorrida no Brasil, que foi o caso PC Farias.
A reforma da Constituição, caso se pretenda, de fato, mudar para melhor esta sociedade nacional (tida internacionalmente como a “grande decepção do século”) ficaria em melhores mãos caso fosse entregue a uma “comissão de notáveis”.
Aliás, antes da Constituinte de 1986 iniciar seus trabalhos, um grupo de brasileiros, de grande saber jurídico e reconhecida competência em seus respectivos setores, foi reunido para elaborar um esboço da nossa lei maior. Todavia, na hora da verdade, o texto que tal colegiado elaborou foi simplesmente ignorado.
Por dois anos os parlamentares fizeram seu joguinho pessoal e o de poderosos “lobbies”, esquecidos de que representavam toda a população, e não cartéis apátridas, que colocam seus interesses pessoais sempre (e muito acima) daqueles que seriam os da Nação.
Vergonhosas barganhas foram feitas, diante do olhar atônito dos cidadãos. Foi um desfile de vaidades e de cinismo. E deu no que deu. Lacombe, no supramencionado artigo, destacou com propriedade: “A Constituição dos miseráveis dividiu o poder entre o Executivo e o Legislativo e fez com que o Planalto dependa do fisiologismo de uma maioria parlamentar para obter as medidas imprescindíveis para enfrentar com êxito as muitas crises nacionais”.
Quem não se lembra da cínica distorção do preceito sublime de São Francisco de Assis, do “é dando que se recebe”? Como entregar a tarefa da revisão constitucional aos mesmos homens que elaboraram a Constituição (já que pelo menos 60% dos atuais congressistas eram constituintes em 1986)?
Será que essa gente evoluiu tanto em sete anos? Pelo contrário. Os fatos sinalizam para uma regressão. Se eles de fato têm a capacidade jurídica e o patriotismo para dar ao Brasil a Constituição que o País precisa e merece, por que não fizeram isso quando da elaboração do atual texto?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 21 de junho de 1993).
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