Thursday, September 20, 2012

Fome de informação

Pedro J. Bondaczuk

O romancista, crítico, ensaísta e inventor inglês Arthur C. Clarke, cuja especialidade eram histórias de ficção científica – que tem, entre suas principais criações, o conto “The Sentinel”, que deu origem ao conhecidíssimo filme "2001, uma Odisséia no Espaço"; o enredo de "Laranja Mecânica" e o premiado livro “Encontro com Rama” – , escreveu, em meados dos anos 70, instigante, e até profético texto, tendo por tema "O futuro no mundo das comunicações".

Abordou, entre outras coisas, a premente necessidade que o homem tem de receber informações. E não apenas as que lhe dizem respeito diretamente, que influem, de uma maneira ou de outra, no seu dia a dia e no de sua família ou comunidade, mas de tudo o que se passa ao seu redor, não importa com quem, e a que distância. Clarke, que morreu em 19 de março de 2008, em Colombo, capital do Sri Lanka, era um intelectual lúcido, eclético e sumamente observador. Mais do que mero ficcionista, era ativo divulgador da ciência em seu sentido lato, ou seja, do conhecimento em geral.

Tomei esse texto, pela perspicácia e agudeza de análise do autor – e que por isso se mantém, passados mais de trinta anos, absolutamente atual –, por base para esta descomprometida reflexão. O artigo em questão foi publicado, no Brasil, no "Suplemento Literário" do jornal "O Estado de São Paulo", em 3 de setembro de 1978. Logo na abertura das suas considerações, Clarke faz uma constatação que, embora óbvia, poucos se dão conta.

"O homem é um animal comunicativo. Exige notícias, informações, divertimentos, quase tanto quanto alimento. Na verdade, um ser humano na ativa pode sobreviver muito mais sem alimento – e mesmo sem água – do que sem informação, como nos mostram experiências de privação sensorial. Isso é realmente um fato assombroso; poder-se-ia construir uma filosofia inteira ao redor dele".

Somos uma espécie animal singular, pelo menos neste Planeta (é possível que haja vida em muitos outros, orbitando outras tantas das bilhões de estrelas das bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, e quiçá esses seres sejam mais inteligente do que nós). Desenvolvemos, sem que haja registro da época em que isso ocorreu, a capacidade de nos comunicar mediante centenas de milhares de vocalizações, cada qual com determinado timbre, entonação e significado, formando um todo coerente e inteligível. Trata-se do recurso da fala.

Para compensar nossa mortalidade, criamos uma variedade de símbolos gráficos, que registram nossas experiências, sensações e emoções, permitindo que elas sejam "estocadas" e transmitidas através das gerações e se preservem, por muito tempo depois da nossa extinção física. Morrem nossos corpos, não nossas idéias, desde que tenhamos o cuidado de perpetuá-las em texto. A linguagem escrita é hoje amplamente difundida, e numa imensa variedade de idiomas e dialetos, com a utilização de uma multiplicidade de símbolos gráficos a título de letras. Comparem-se os alfabetos latino, chinês, árabe, grego, cirílico etc. Aquilo que para nós é ininteligível, que nos parece rabisco qualquer feito a esmo, é entendido com facilidade por qualquer criança recém alfabetizada que tenha aprendido a língua que essas letras representam.

Nunca, em época alguma, a humanidade contou com acervo tão grande de informações como agora. O que falta são pessoas aptas a decodificar esse enorme patrimônio de conhecimentos, acumulado ao longo de alguns milênios, e lhe dar a melhor destinação: a prática. Ninguém é mais habilitado para essa tarefa do que o escritor. Quanto maior for seu nível de informação – tanto em quantidade, quanto em qualidade – melhor exercerá sua função de comunicador.

Muita coisa, todavia, já se perdeu irremediavelmente, ou por falta de uma linguagem escrita que preservasse fatos e idéias dos remotos ancestrais, ou por destruição de registros, em conseqüência de guerras ou de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, ou por outra razão qualquer. Não faz muito, era considerado "gênio" aquele que fosse dotado de grande memória, com aguçada capacidade de retenção de dados, mesmo que não entendesse o significado do que memorizasse. Hoje, isto não é nem mesmo necessário. Há o computador para esse fim e com nítida vantagem para a máquina. Ao cérebro cabe tarefa muito mais complexa, posto que nobre: pensar. E, sobretudo, criar, inclusive o próprio computador, que o supera em memória.

Inteligência implica, tenho afirmado e reiterado,não em mera retenção de dados, mas em entendimento. Atualmente, a humanidade reúne, num único dia, mais informações do que a totalidade das que foram obtidas nos 13 mil anos de civilização, quer a registrada, quer a ágrafa cujo registro é representado apenas por lendas e mitos de deuses e demônios que passam de geração a geração. Há de tudo nos bancos de dados, nas memórias dos possantes computadores de universidades, bibliotecas e centros culturais, abrangendo praticamente todas as áreas do conhecimento. Do que se carece, é de melhor entendimento desse patrimônio comum, infelizmente ainda inacessível para a grande maioria das pessoas.

O homem é um animal gregário. Só consegue sobreviver, e prosperar, inserido em uma comunidade. Sozinho, dada sua fragilidade orgânica, não resistiria ao meio hostil: sucumbiria. Seu tempo de gestação e de desenvolvimento (leva nove meses para se formar no ventre materno e pelo menos quinze anos para se tornar minimamente auto-suficiente), exige a presença permanente de um adulto da espécie para lhe prover proteção, alimentação, agasalho etc. E, principalmente, para lhe transmitir informações básicas, de socialização, e lhe passar experiências primárias, fundamentais, elementares e indispensáveis, acumuladas pelas gerações anteriores, que garantem a sobrevivência da espécie e permanente evolução dos usos e costumes das comunidades.

Fosse deixado à própria sorte, logo após o nascimento, o bebê humano provavelmente não sobreviveria sequer a uma semana (ou menos). Morreria ou de fome (o mais provável), ou de frio, ou seria devorado por alguma fera carnívora. Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo e político inglês, autor do clássico "Leviatã", abstraindo essa óbvia fragilidade física do homem, e pensando apenas em termos de qualidade de vida, observa: "Uma vida vivida inteiramente no estado natural seria solitária, pobre, desagradável, bruta e curta". Uma existência dessas, se fosse possível, não teria sentido. Seria inútil, vazia e infeliz. Seria absurda!

O homem é, entre os animais, em termos físicos, senão o mais frágil, um dos mais fracos da Terra. Não tem a velocidade da gazela, a força do elefante ou a capacidade predadora do leão. Sua visão é limitada, sua audição é fraca, seu olfato não é dos mais desenvolvidos e sua capacidade muscular não lhe permite grandes ousadias.

Corre menos do que o cavalo, salta menos do que o tigre, nada menos do que o crocodilo e não voa por seus próprios recursos físicos, por não dispor de asas. Mas o ser humano conta com uma vantagem que nenhuma outra espécie tem, que supre todas essas fraquezas e deficiências e o torna imbatível, o senhor da criação e dominador absoluto do Planeta: a capacidade de entender o que é, onde está e de interpretar o que se passa ao seu redor. E, acima de tudo, de agir para suprir suas necessidades. Ação e criatividade são suas melhores características. E a "inteligência", claro. Além disso, é dotado de memória (característica da qual, no entanto, não detém o monopólio, já que muitos outros animais também a têm).

Essa capacidade de entendimento desenvolveu a criatividade humana, aperfeiçoando-a, à medida que se informava mais e melhor. Reitero, informação é fundamental, essencial, prioritária ao homem. Ela, ao aperfeiçoar sua criatividade, possibilitou, a esse ser complexo e contraditório, inventar armas para sua defesa e instrumentos para o trabalho. Com os primeiros, não apenas se defendeu, mas subjugou todos os demais animais (e, de maneira arrogante, também os semelhantes mais fracos, ou menos aptos), colocando muitos deles ao seu serviço. Com as ferramentas que criou, pôde construir abrigos seguros, que lhe possibilitaram estabelecer o que hoje caracterizamos genericamente de "civilização". Arou a terra, construiu barragens, irrigou lavouras, ergueu cidades, erigiu muralhas, catedrais, estádios, monumentos, máquinas etc.

É verdade que em alguns casos se excedeu no exercício do imenso poder que conquistou sobre a natureza. Esse excesso determinou a extinção irreversível de milhares de espécies, animais e vegetais. Hoje, o homem encontra-se num impasse, tendo que reconhecer que os recursos de que precisa são escassos, limitados e finitos. Precisa aprender a utilizar as matérias-primas não renováveis de maneira racional, sem desperdícios, e preservar as principais fontes que lhe garantem a sobrevivência: o ar que respira, a água que lhe é imprescindível e de que seu organismo tanto precisa e o solo de onde extrai os alimentos que o mantêm vivo. Por se descuidar desse aspecto, a espécie mais ameaçada de extinção, na atualidade, por paradoxal que pareça (e seja) é exatamente a humana. Pense nisso!

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