Pedro J. Bondaczuk
O comunismo morreu com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética, em 1991, como se apregoa desde então? Como sistema, ainda não --- pelo menos não de todo, já que um quinto da humanidade (no caso a China), vive sob esse regime, além de Cuba, Coréia do Norte, Vietnã, Laos, etc --- mas como opção política, econômica e social a resposta, provavelmente, é afirmativa. E se ainda não está morto, agoniza.
Como utopia, no entanto, está mais vivo do que nunca. O provável é que o sistema ideológico dos primeiros anos do próximo milênio seja totalmente diferente dos dois que polarizaram o século XX, ou pelo menos parte considerável dele.
O mais lógico de se prever é que venha a ser algo bem distinto, por exemplo, do capitalismo selvagem e predatório, que gera fome, miséria e exclusão social da maioria da humanidade, embora com o seu lado positivo, representado pelas leis de mercado.
Mas também absolutamente diverso dos Estados policiais, que tentavam (e tentam, no caso chinês) controlar até a consciência dos cidadãos, mediante processos de lavagem cerebral, de intimidação, de prisões arbitrárias em masmorras ou instituições de doentes mentais, de torturas em campos de trabalho forçado (os tristemente célebres "gulags") e tantas outras formas inconcebíveis de desrespeito aos direitos humanos.
Mas então terá deixado de ser comunista. Será uma social-democracia --- melhor, evidentemente, do que a existente hoje --- a linha ideológica do presidente Fernando Henrique Cardoso e dos "tucanos".
O último presidente soviético, Mikhail Gorbachev, citado como o "coveiro" do comunismo e da URSS, pretendeu, na verdade, salvar esse sistema. Tanto que o fundamento da sua pregação era o "socialismo com face humana". Ou seja, a valorização do homem, com a redução do poder total detido até então por essa entidade abstrata, esse conceito nem sempre (ou nunca) bem definido, denominado Estado.
Fracassou. Não contava, entre outras coisas, com a reação feroz dos tecnoburocratas e dos militares, que promoveram a tentativa de golpe de 1991 e a ascensão de Bóris Yeltsin, um aventureiro inconseqüente, mas de grande popularidade dentro e fora da Rússia.
O mentor da "perestroika" (reforma) e "glasnost" (abertura) seguiu caminho oposto ao do seu colega chinês, Deng Xiaoping, na tentativa de modernização da ideologia comunista, para evitar que ela morresse esclerosada.
Optou por proceder, inicialmente, a reforma política do sistema, democratizando o processo de escolha dos líderes --- promoveu a primeira eleição presidencial direta na União Soviética e permitiu que as Repúblicas fizessem o mesmo ---, mas mantendo a economia estatizada.
Gorbachev pretendeu reformar a estrutura do edifício iniciando logo pela torre. O alicerce, porém, estava apodrecido, minado, instável. Não suportou as novidades. E toda a estrutura findou por ruir.
Hoje, o ex-presidente soviético está esquecido no Ocidente, a despeito de ter tido a coragem de acabar com a Guerra Fria, que fatalmente levaria a humanidade à hecatombe nuclear e é desprezado na Rússia.
Nas eleições presidenciais de 11 de julho do ano passado, obteve apenas 2% de votos. E durante a campanha presidencial, chegou a ser esbofeteado em duas oportunidades, durante comícios.
Deng, por sua parte, às voltas com 1,3 bilhão de bocas para alimentar, vislumbrou méritos na economia de mercado. Foi pragmático e pôs em prática a metáfora que criou, ao afirmar "que não importa se o gato é pardo, desde que mie". Não teve escrúpulos em desestatizar (ao menos parcialmente) a economia, instituindo o que sempre foi a mola propulsora do progresso capitalista: o lucro.
Milhões de pequenos agricultores, desestimulados de produzir nas fazendas coletivas, multiplicaram por dez sua produção quando passaram a ser beneficiários diretos do seu esforço. Hoje, a China já é, economicamente, a sexta potência mundial.
Ainda assim, seu povo, em especial nas regiões mais distantes do país, é pobre. Nunca as ruas de Pequim --- nem nos piores momentos do fim da monarquia --- estiveram tão repletas de mendigos, prostitutas e ladrões. Mas jamais estiveram tão cheias de automóveis de luxo.
Enormes e modernos edifícios, funcionais torres de vidro, substituem bairros miseráveis inteiros. Caso esse crescimento econômico --- com taxas anuais entre 10% e 12% --- não sofra soluções de continuidade e não esbarre em distúrbios políticos e explosões sociais de grandes proporções, a economia chinesa será, com certeza, a primeira do mundo, em termos de Produto Interno Bruto (superando a dos Estados Unidos), ainda antes do final da primeira década do próximo milênio.
Ao contrário, porém, da ex-União Soviética, a China, politicamente, conserva a rigidez de um Estado policialesco. O grau de liberdade política da população é mínimo.
As duas reformas --- a soviética e a chinesa --- confrontaram-se, em abril de 1989, quando da visita de Mikhail Gorbachev a Pequim. Essa viagem do então presidente soviético, gozando de enorme popularidade no mundo (exceto na ex-URSS) na ocasião, acabou servindo de estopim ao movimento dos estudantes pela democracia, que acamparam durante semanas na Praça Tianamen (da Paz Celestial), no centro da capital, confrontando diretamente o regime.
E este reagiu com dureza, indiferente às reações que a repressão iria gerar no mundo. Tanques sufocaram, sem qualquer escrúpulo, os anseios de liberdade da juventude chinesa, resultando na morte de pelo menos 400 pessoas (conforme cifras oficiais, embora fontes ocidentais chegassem a falar em três mil).
Especula-se qual será o caminho seguido pela China após a morte de Deng Xiaoping. Esboça-se, entre os "dinossauros" do Partido Comunista Chinês, uma volta à centralização econômica. Ao mesmo tempo, um grupo do círculo do novo líder do país, Jiang Zemin, propõe reformas políticas que democratizem o regime, embora em doses homeopáticas, para que não ocorra o que aconteceu com a União Soviética de Gorbachev.
(Artigo publicado na contracapa do suplemento especial do Correio Popular sobre os 70 anos de fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 10 de abril de 1997).
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