Saturday, September 08, 2012

Consagração de um gênio

Pedro J. Bondaczuk

A Literatura brasileira – a despeito das dificuldades que nossos escritores encontram para desenvolver suas atividades e que são de desanimar o mais paciente dos pacientes, provavelmente até o patriarca bíblico Jó – é, sem nenhum ufanismo calhorda que mascare nossa realidade, uma das melhores do mundo. É verdade que não é devidamente reconhecida e muito menos valorizada em âmbito interno. Seria pedir demais.

Os meios de comunicação, por exemplo, não dão o devido apoio aos nossos literatos. Aliás, não dão praticamente nenhum. Ademais, não há nenhum programa oficial consistente de estímulo e de apoio aos nossos grandes talentos, que têm que suar a camisa para ao menos publicar o que produzem, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos esportes, na música e no cinema. Há exceções, claro. Mas estas são escassas e pontuais.

E no que me baseio para declarar que nossa literatura é uma das melhores do mundo? Primeiro, no óbvio, na comparação. Leio, e leio muito, obras tanto de expoentes literários do exterior, quanto dos nossos escritores e não somente dos badalados, dos que têm acesso à mídia (raros), mas de muitos e muitos “ilustres desconhecidos” do grande público, que esbanjam, porém, talento e criatividade. O segundo ponto que me leva a essa conclusão (na verdade, constatação) é o reconhecimento, vindo do exterior, a eles. Não raro acontece de muitos lançarem seus primeiros livros na Europa, nos Estados Unidos ou até na Ásia, até que alguma editora se dê conta não só da sua qualidade, mas, até mesmo, de sua existência. Exagero? Quem é do ramo sabe que não.

Quando nossos escritores competem por prêmios no exterior não fazem feio. Muito pelo contrário. “Ah, mas nenhum brasileiro ganhou ainda um Nobel de Literatura”, dirá, certamente, aquele chato de carteirinha, que sofre de profundo “complexo de vira-latas” e que baba de satisfação quando tem a oportunidade de criticar tudo o que se refira a Brasil e a brasileiros. Vocês, certamente, conhecem o tipo. Pessoas com essa mentalidade derrotista abundam. Pior, espalham-se como tiriricas, aquela praga que afeta muitos gramados ou roças, dificílima de ser erradicada.

Vejam o caso do maior e mais representativo prêmio outorgado a escritores de língua portuguesa, o Camões, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal em 1988. Envolve, também, outros países que falam e escrevem este rico idioma, caracterizado por Olavo Bilac como a “última flor do Lácio, inculta e bela”, tais como Angola, Moçambique, Cabo Verde etc. Das suas 25 edições, dez dessas premiações foram conferidas a escritores brasileiros. Ou seja, apenas uma a menos do que a dos portugueses (as outras quatro foram duas para angolanos, uma para moçambicanos e uma para caboverdenses). A nossa literatura, portanto, não é tão modorrenta e óbvia como muitos dos nossos críticos ácidos e gratuitos afirmam ou dão a entender. É rica, vibrante, criativa, a despeito da falta de apoio e de reconhecimento.

O décimo brasileiro a conquistar o Prêmio Camões, o da edição de 2012, foi o curitibano Dalton Trevisan. Ele vem se juntar a um grupo seletíssimo composto por João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antônio Cândido de Mello e Sousa (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008) e Ferreira Gullar (2010). Como se vê, é um timaço! Muitos deles (ouso até dizer “todos”) ganhariam, com um pé nas costas, o Nobel de Literatura, caso houvessem sido candidatos.

Ademais, o prêmio criado pelo sueco inventor da dinamite deixou de ser outorgado para inúmeros gênios das letras, cujas obras, consensualmente, são imortais. Fôssemos fazer uma relação desses tantos injustiçados, ela teria uma dimensão enorme, teria a grossura de uma lista telefônica da cidade de São Paulo, quando não de Nova York, sem nenhum exagero. Merecer o Nobel inúmeros escritores brasileiros mereceram. Mas...

Dalton Trevisan é um escritor pitoresco, quer no tipo de literatura que faz quer, e principalmente, no seu comportamento público. Ficou famoso, por exemplo, tanto pelos seus livros de contos (que ascendem a cerca de 40, se não me falha a memória, dos quais o mais conhecido é “O vampiro de Curitiba”, que publicou no distante ano de 1965), quanto por sua natureza, digamos, “reclusa”. É verdade que não chega aos extremos do norte-americano J. D. Sallinger, célebre por sua ojeriza aos holofotes da mídia, mas se aproxima bastante dele nesse aspecto. É um páreo duro.

Antes que me interpretem mal, me apresso a dizer que não sou contra os escritores que batalham por espaços na mídia. Muito pelo contrário, admiro os que conseguem, ciente da má vontade dos meios de comunicação em relação a quem faz literatura. Trevisan, todavia, não busca essa visibilidade. Foge, na verdade, dela. A maior façanha de qualquer repórter é a de conseguir entrevistá-lo. Consagrou-se, portanto, (e o Prêmio Camões é de fato sua consagração), não porque sua imagem, sua voz e suas opiniões freqüentem páginas de jornais, telinhas de televisão ou microfones de rádio. Longe disso.

Sua genialidade é tamanha, que sua obra se impôs por si só, por sua inegável qualidade e Reconhecida originalidade. Prestes a completar 87 anos de idade (nasceu em 14 de junho de 1925), Dalton Jérson (com jota mesmo) Trevisan obtém o justo reconhecimento internacional, a despeito de sua reclusão e de não freqüentar os centros literários mais badalados do País, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte ou Porto Alegre. O curioso é que sua aversão à notoriedade é tamanha, que sequer assina seu nome por extenso, para não ser facilmente identificado, mas apenas “D. Trevis”. E, se você não for de sua família ou de seu círculo de amigos íntimos, nem sonhe em visitá-lo. Certamente, não será recebido.

Dalton, apesar desse seu retraimento, ganhou outros prêmios, como por exemplo o cobiçadíssimo Jabuti, da Câmara Brasileiras do Livro. Sabem o que aconteceu? Não compareceu à cerimônia de entrega. Mandou um representante para recebê-lo. Agirá da mesma forma em relação ao Camões (que lhe foi outorgado por unanimidade, o que é raro nesses casos)? Ora, ora, ora, essa pergunta é fácil de responder: Aposto que sim!

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