Pedro J. Bondaczuk
As grandes invenções, aquelas que mudam a realidade das pessoas para melhor e facilitam suas vidas, se tornando populares, salvo uma ou outra exceção, custam a se impor. Primeiro, têm que ser muito bem divulgadas. Segundo, precisam passar em testes sem apresentar a menor falha. Terceiro, o inventor tem que viabilizar sua produção em massa e, para isso, é necessário que convença algum industrial a produzi-la ou, se dispuser de capital, montar e estruturar sua própria fábrica. Claro que isso envolve riscos que nem todos se dispõem a correr. E, antes dessa fase, é necessário que registre a devida patente, para que o fruto da sua engenhosidade, a sua bem sucedida invenção, não seja comercialmente explorada por algum espertalhão, com tino para negócios.
Como se vê, entre a idéia original do inventor e a sua concepção prática, já vai uma distância imensa. E entre esta, com o devido teste, que tem que ser rigorosamente bem sucedido, e sua produção em massa, com a respectiva comercialização, o caminho é mais longo ainda. E nem todos os inventores estão dispostos a, ou têm condições de percorrê-lo. Muitas invenções geniais perdem-se nesse processo ou levam anos para se impor, e via de regra com outros personagens. Com o telefone, por exemplo, aconteceu mais ou menos isso. Fosse seu inventor, Alexander Graham Bell, menos determinado (ou menos teimoso, como queiram) e esse aparelho, hoje trivial na vida da maioria, ainda não existiria.
Quando o engenhoso e imaginativo pesquisador aventou, pela primeira vez, a mera hipótese da viabilidade da telefonia, dá para o leitor imaginar qual foi a reação dos que tomaram conhecimento dela. “Esse sujeito é maluco”, pensaram ou disseram os céticos, ou seja, a imensa maioria. “Isso é coisas de desocupado”, teriam dito muitos, ou coisas muito piores. Bell, óbvio, teimoso como todo bom inventor, não se abalou com essas opiniões. Viabilizou sua idéia, construiu o primeiro protótipo e testou-o com sucesso. Vocês acham que esse teste, ou vários deles, mudaram a opinião dos céticos? Estão enganados. A reação foi mais ou menos esta: “Está bem, é possível comunicar-se à distância. Mas qual é a utilidade prática dessa geringonça? Não passa de mais um brinquedinho de criança”.
Vocês acham que estou exagerando? Pois não estou. Para comprovar a seriedade e, sobretudo, a veracidade da minha afirmação, recorro, mais uma vez, ao artigo “O futuro no mundo das comunicações”, de Arthur C. Clarke – publicado, no Brasil, no “Suplemento Literário” do jornal “O Estado de São Paulo”, em 3 de setembro de 1978 – que serve de base para esta série de reflexões.
No texto em questão, o ilustre e consagrado escritor britânico nos informa: "Em 1876, quando notícias do telefone chegaram na Inglaterra através do cabo telegráfico submarino de Cyrus Field, perguntaram ao engenheiro-chefe de correio se essa nova invenção ianque teria algum valor prático. E ele respondeu: 'Nenhum, sir. Os americanos necessitam de telefone, mas nós não. Temos mensageiros em quantidade'. Poderíamos sonhar, cem anos atrás, que um dia esse brinquedinho primitivo estaria em todas as casas, em todos os escritórios e seria a base essencial de toda a vida de negócio, administrativa e social no mundo civilizado? Ou que um dia teríamos aproximadamente um instrumento para cada dez seres humanos no Planeta?"
Se na Grã-Bretanha, a reação foi esta, imaginem nos Estados Unidos! A imensa maioria permanecia rigorosamente cética quanto ao valor prático da invenção de Graham Bell. O que diriam hoje?! Certamente se calariam, embasbacados. Ou negariam seu ceticismo, já que é uma tendência humana, rigorosamente comum, negar tudo o que deprecie as pessoas, mesmo que haja milhões de testemunhas a atestar que elas disseram o que tão enfaticamente neguem terem dito. O que essa gente toda diria sobre o telefone celular? Fosse alguém dizer àquela gente de fins do século XIX que algum dia haveria essa engenhoca, hoje das mais triviais! Quem ousasse, teria muita sorte se não fosse parar em algum manicômio. E se não fosse, seria, com toda certeza, alvo de chacota generalizada.
Hoje, o telefone celular está entre os mais comuns e relativamente acessíveis dos objetos. No Brasil, por exemplo, há mais de um aparelhinho desses para cada habitante do País. Estima-se que eles já sejam 254 milhões, para uma população por volta de 200 milhões. E eles não se limitam a permitir aos seus donos e usuários que falem e ouçam outras pessoas à distância. São sofisticadíssimos instrumentos multimídia, na verdade uma espécie de computador compactíssimo, que permite acesso à internet, a enviar e receber e-mails, a tirar e remeter fotos, a gravar conversas, a captar emissoras de rádio e já, também, de televisão, e vai por aí afora.
E tudo começou com a idéia, tida e havida como ridícula, estapafúrdia e insana, de Alexander Graham Bell! Arthur Clarke, em seu lucidíssimo artigo, escreveu, em determinado trecho: “Há muitos anos, criei o slogan 'não se locomova, comunique-se'. Sem falar na economia do tempo gasto na viagem, haveria economias astronômicas em energia e matérias-primas. É só comparar a quantidade de hardware (equipamentos) nos sistemas de comunicação, com a das estradas-de-ferro, auto-estradas e linhas aéreas. E o número de quilowatt-hora que se gasta no mais curto trajeto forneceria energia para as vidas inteiras de tagarelice entre os mais remotos pontos da Terra".
Pois é, está aí a utilidade prática da engenhoca inventada por Graham Bell que os céticos do seu tempo tanto cobravam. Concluo que o ilustre inventor (como praticamente todos os que têm idéias geniais, como a sua, e que as concretizam), estava muito à frente do seu tempo. Com determinação e teimosia, apenas antecipou o futuro, ganhando um tempo enorme e propiciando, além de conforto, uma economia imensurável à humanidade.
Arthur C. Clarke, como escritor e, portanto, afeito a se utilizar da imaginação para mudar a realidade, em certa medida tinha, também, o mesmo espírito dos inventores, como Graham Bell, Marconi, Edison e tantos outros que tornaram nossa vida sumamente mais fácil e confortável com os frutos do seu talento. Na época em que escreveu seu notável artigo, a telefonia celular mal passava de mero projeto, cuja viabilização carecia ainda de muito esforço de diversas pessoas.
O autor de “Laranja Mecânica”, porém, escreveu, em seu memorável artigo: "Nas últimas décadas vimos o telefone começar a perder o seu cordão metálico umbilical; esse processo vai acelerar-se. O nascimento dos transmissores-receptores portáteis e das rádios 'faixa do cidadão' é uma maravilha do futuro. O relógio de pulso-telefone individual por meio do qual uma pessoa pode entrar em contato com outra em qualquer lugar, será uma abençoada combinação que poucos vão rejeitar. Seria dizer pouco falar que o relógio de pulso-telefone irá salvar dezenas de milhares de vidas por ano. Todos sabem de tragédias – acidentes de carro em estradas isoladas, campistas perdidos, botes virados e mesmo pessoas idosas sozinhas em casa – nas quais algum meio de comunicação teria decidido entre a vida e a morte".
Há quem me acuse de valorizar em excesso os escritores e exacerbar o papel da Literatura em nossa vida. Tolice. Limito-me a constatar a realidade, até óbvia, mas que foge do alcance dos pseudo-realistas que, no duro, no duro, não passam de empedernidos céticos. Valorizo, sim, os gênios, não importa as atividades que exerçam. Dou valor – e é o mínimo que me compete fazer – aos arautos do futuro, aos engenhosos, aos idealistas, aos determinados, que se propõem a deixar suas marcas no mundo, e deixam. Se forem escritores, como Arthur C. Clarke, ou Júlio Verne, ou Isaac Asimov ou tantos e tantos outros, melhor ainda. É a esse tipo de pessoas que, humildemente, classifico como “gigantes da espécie”. E, porventura, não são?!!!
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