Volta
por cima
Pedro J.
Bondaczuk
A
maior parte do meu sofrimento advém das aflições alheias. Já fiz essa
confidência em outra crônica, publicada neste espaço tempos atrás, mas nunca é
demais reiterar. Minha angústia, por exemplo, é proveniente da miséria, da
violência, da exclusão social e da desagregação familiar de centenas de pessoas
ao meu redor, de milhares um pouco mais distantes de mim, de milhões por todo o
País e de bilhões através do mundo. Excluídos, miseráveis e infelizes não
faltam. Pelo contrário...
Essa
atitude não se trata, como se pode supor, de querer, apenas, parecer
"bonzinho". É uma questão de berço, de formação, de educação para a
solidariedade. Não são minhas dores físicas, felizmente raras, que me
incomodam. Não são minhas carências financeiras, não tão agudas, que preocupam.
Não são meus desacertos emocionais que me tiram o sono.
São
os sofrimentos alheios que me consomem a alegria e o otimismo. O pior nessa
história é a impotência em ajudar esses outros que sofrem, dada a sua enorme
quantidade. Qualquer ação nesse sentido que eu tome desaparece, se torna
irrisória e invisível. É uma ínfima gota de água num oceano de carências.
Isso
não me isenta, claro, da responsabilidade de tentar ajudar a quem caiu, não
importa a profundidade do poço em que está. A tendência, quando cruzamos com
alguém que fracassou – com um homeless, com um marginal aparentemente
irrecuperável, com o viciado em drogas ou álcool, ou com tantos e tantos outros
tidos como “perdedores” – é olhar essas pessoas do alto, com ares de
superioridade, como se também não estivéssemos sujeitos a esse tipo de queda,
ou até de fracassos piores. Mas estamos.
Pincei, a respeito, alhures, uma citação de Gabriel
Garcia Márquez, que li não sei se em algum de seus livros (o que é o mais
provável) ou em alguma de suas entrevistas. Bem, a fonte não importa. Importa é
a sabedoria das palavras do jornalista e escritor colombiano, ganhador de um
Prêmio Nobel, quando afirma: “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um
outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. Ah, se todos agissem
assim, como o mundo seria melhor, mais justo, mais humano e um lugar mais
aprazível para se viver! Esse tipo de atitude, porém, é sumamente raro.
Para
uns, esse desfile diário de desgraças, violência e loucura que os meios de
comunicação nos trazem age como fator de dessensibilização. Estes assimilam
tais dramas como o fazem com o enredo dos filmes norte-americanos, da enorme
montanha de lixo cultural que assistem na telinha. Encaram-na como se não
passasse de ficção.
Mas
para quem, por alguma razão – sorte, esforço sobre-humano, meios ilícitos etc –
conseguiu a acidentada ascensão da miséria para um patamar social mediano, e
que sentiu na própria carne os efeitos da exclusão social, esses fatos abrem
dolorosas feridas na alma. Tiram a alegria de viver.
O
que fazer? Se omitir simplesmente? É o que a maioria faz! Agir como se nada
estivesse acontecendo? É uma atitude, convenhamos, rotineira. Fechar os olhos
ao drama que se desenrola ao redor? A maioria fecha. Se alienar do mundo e da
realidade, se isolando em uma torre de marfim? Alguns artistas fazem isso. Como
deixar de olhar tudo isso e ainda continuar sendo humano? Sim, como?
O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes
tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de
maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no
dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos. Ou são ignorados, quando divulgados publicamente.
Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados.
Não podemos, porém, nos importar com esse tipo de opinião.
Sejamos solidários, sempre, sem esperar retribuição ou sequer gratidão. Ter
condições de servir, ao contrário de ser servido, é força, é poder e é uma
bênção reservada somente a pessoas muito especiais.
A
caridade, tida como uma das virtudes cardeais que os homens deveriam cultivar,
está em baixa. Vivemos numa
civilização consumista, marcada, sobretudo, pelo individualismo exacerbado, pela
tola acumulação de bens materiais, pelo desperdício e ostentação. Tudo funciona
na base do "cada um por si". Ou do famigerado desejo de "levar
vantagem em tudo".
Felizmente
para todos, reitero, há exceções, que
merecem ser, quando não exaltadas – para que o bom exemplo possa se reproduzir,
multiplicar e frutificar – ao menos imitadas, posto que parcialmente. Por isso,
leitor inteligente e sensível, que não perdeu ainda aqueles ideais nobres que
acalentou na mocidade, quando solicitado a socorrer alguém que precise, seja
quem for, não se omita. Não o olhe de cima para baixo, a menos que seja para
ajudá-lo a levantar-se. Faça a sua parte. Diga sim à humanidade. Diga sim à
dignidade. Diga sim à vida.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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