Não é democracia, mas caminha para ela
Pedro J.
Bondaczuk
A União Soviética prepara-se para um processo raro, e por
isso histórico nesse país, que deverá acontecer no próximo domingo. Trata-se de
uma eleição, para a escolha de 35% dos membros do novo Parlamento nacional, que
vai substituir o Soviete Supremo e que o presidente Mikhail Gorbachev pretende
que atue nos moldes dos Legislativos ocidentais. Isto é, votando leis e
questionando o Executivo e não mais sendo um mero órgão homologatório, um bando
de inúteis e ridículos “boizinhos de presépio”.
Aliás, esse gigante euro-asiático
em raríssimas vezes exerceu o sempre saudável exercício do voto. A última
oportunidade em que isso ocorreu foi em 1918. Os comunistas, na época, sofreram
uma acachapante derrota, logo após a sua vitoriosa Revolução. E o que fizeram?
Fuzilaram, prenderam,
assassinaram e exilaram os vencedores das urnas. Desde então, o processo
decisório ficou restrito aos poderosos de plantão (Stalin, Kruschev e Brezhnev)
e à esclerosada agremiação política única do país, que nunca soube se reciclar.
O leitor pode dizer que a eleição
deste domingo ainda é muito pouco. Pelos padrões do Ocidente, sem dúvida
alguma! Mas num país que sempre considerou o cidadão como sendo mera peça de
uma gigantesca engrenagem, denominada “Estado”, o avanço é muito grande.
O próprio processo de escolha de
candidatos da Academia de Ciências da União Soviética, em pleno
desenvolvimento, não deixa de ser revolucionário, pelo menos para os padrões
comunistas. Não resta dúvida, portanto, que a ascensão de Gorbachev ao poder
vem representando uma vigorosa sacudidela nos arcaicos e carcomidos alicerces
do sistema.
Ou ele se renova agora, partindo
para opções mais criativas e participativas, ou se desmorona de vez. O presidente
soviético, inclusive, está colocando o seu próprio cargo em jogo. Pelas
mudanças políticas introduzidas no ano passado no país, o chefe do Cremlin
perde a vitaliciedade do seu cargo.
A Presidência foi valorizada,
tornando-se mais importante do que a secretaria-geral do Partido Comunista e
seu ocupante pode postular, no máximo, dois mandatos, de cinco anos cada um.
Dessa forma, o novo Parlamento,
ao menos teoricamente, tem o poder de derrubar o próprio mentor da “glasnost” e
da “Perestroika”. Basta, somente, que não o eleja para a Presidência o que,
convenhamos, é sumamente improvável. Afinal, 75% dos assentos parlamentares não
serão postos em jogo. Pertencem ao PC e os deputados já foram escolhidos
(cuidadosamente). São todos da mais estreita e irrestrita confiança de
Gorbachev.
Como se vê, as eleições
soviéticas ainda precisam de muita coisa para lembrarem, sequer palidamente,
uma democracia. Mas que só o fato de serem realizadas representa um enorme
avanço nessa direção, disto não se pode jamais duvidar.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 22
de março de 1989).
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