Wednesday, February 15, 2017

Democracia aumenta responsabilidade


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, está andando num autêntico "fio de navalha" desde que se comprometeu a realizar reformas profundas, formais e estruturais, em seu país. Pessoas que sequer conhecem suas idéias, mas se beneficiaram delas, cobram, a todo o instante, pressa na execução das mudanças.

Outros, acusam-no de conduzir o país ao caos, à beira da desagregação e da guerra civil. Dizem que ele é o responsável pela ruptura da ordem interna. A União Soviética, hoje, fervilha em descontentamento, em manifestações de toda a sorte --- como a ocorrida em 10 de março, em Moscou, a maior já vista na nação em toda a sua milenar história --- em franca e aberta contestação à liderança nacional, em desafios de toda a sorte.

Todavia, era exatamente isso o que Gorbachev esperava provocar com sua "perestroika", que ele classificou de revolução. Mas o presidente soviético foi atropelado pela dinâmica do processo. Subestimou a intensidade das frustrações reprimidas pelo seu povo, não apenas durante a ditadura stalinista, autêntico reinado do terror no país, mas na dos que sucederam esse ditador, em especial Leonid Brezhnev.

Esse sentimento popular de impotência tornou-se maior ainda diante da decepção representada por Nikita Kruschev, que por volta de 1956 chegou a esboçar uma reforma que parecia promissora. Todavia, ao esbarrar na férrea resistência da burocracia do Partido Comunista, da chamada "Nomenklatura", que considerava uma heresia qualquer ameaça a seus privilégios, retrocedeu.

Não teve coragem de enfrentar os czares vermelhos. Por isso, acabou sendo "atropelado" por eles, caindo em desgraça e sendo destituído da liderança partidária, para dar lugar ao êmulo de Stalin, o truculento Brezhnev.

Gorbachev concebeu a "perestroika" para ser uma revolução duradoura e simultânea: de cima para baixo e de baixo para cima. Foi ele próprio quem disse isso no seu célebre livro. "Existe uma expressão em ciência histórica e também no vocabulário político que é 'revolução de cima'. Houve numerosas revoluções desse tipo na História, mas não devem ser confundidas com golpes de Estado e revoluções palacianas. Seu significado são mudanças revolucionárias profundas e essenciais, implementadas pela iniciativa das próprias autoridades, mas exigidas por mudanças objetivas na situação e ânimos sociais", expressou.

Mais adiante Gorbachev explica: "O fato de a 'perestroika' ser simultaneamente uma revolução de 'cima' e de 'baixo' constitui seu traço distintivo e sua força. Esta é a garantia mais segura de seu sucesso e irreversibilidade. Sempre procuraremos assegurar que as massas, o povo 'de baixo', obtenham seus direitos democráticos e aprendam a usá-los de modo habitual, competente e responsável".

Aí está uma palavrinha chave: responsabilidade. É o que vem faltando a determinadas lideranças locais que se opõem ao presidente soviético, entendendo a reforma como mera tarefa de destruição e não de reconstrução.

No discurso que pronunciou em 15 de novembro de 1988, Gorbachev alertou: "A democracia aumenta a responsabilidade das pessoas". Elas passam a ter em suas mãos não somente seu destino pessoal, mas parcela considerável daquele da sociedade à qual pertencem.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 27 de março de 1991).


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