Ordem e desordem
Pedro J. Bondaczuk
O poeta francês Paul Valéry, que além de escrever
poemas belíssimos tinha opinião formada (e a emitia) sobre uma gama variada de
temas (porquanto era filósofo), escreveu: "Duas calamidades ameaçam o
mundo: a ordem e a desordem". Referia-se, especificamente, à política e ao
sistema social e não a trivialidades. Mas a constatação vale praticamente para
tudo. Também e em especial para o nosso cotidiano. O que é em excesso, mesmo
quando virtuoso, deixa de ser virtude para se transformar em defeito. É uma
mania, uma obsessão ou uma neurose. Quando não, uma calamidade. O que se deve
buscar sempre e acima de tudo é o equilíbrio, a moderação, a
"normalidade" em seu sentido mais amplo.
Em termos políticos, por exemplo, ordem demais acaba
descambando para a ditadura, para a tirania, para a supressão da liberdade. A
ausência dela, no entanto, é a anarquia (em sua expressão pejorativa), a
bagunça, o caos. Claro que as sociedades submetidas a qualquer destas duas
condições estão em risco. São infelizes e não prosperam. O ideal é que haja a
mistura, muito bem dosada, de ambos. Que leis livremente estabelecidas e
consensuais regulem a vida social. Porém que não sejam impostas de cima para
baixo, muito menos por uma só pessoa ou grupo, mas respeitem os limites da
individualidade. Victor Hugo, em discurso que fez em Paris no século retrasado
(o XIX), durante as comemorações do centenário de Voltaire, acentuou: "Não
há outra soberania senão a lei para o povo e a consciência para o indivíduo".
A ordem, portanto, é necessária e até fundamental.
Mas não a imposta. A imposição significaria a admissão da superioridade de quem
a impõe. E neste mundo de efemeridades, onde todos somos transitórios e
mortais, ninguém é mais do que ninguém. Deve ser uma convicção, uma opção, um
ato de livre vontade das pessoas. É preciso que imperem, na vida social, a
funcionalidade, a racionalidade e a justiça. Que de fato todos sejam iguais
perante a lei e que essa afirmação não se transforme em mera frase feita,
constante da introdução de várias Constituições (entre as quais a nossa), mas
simples letra morta, como em geral ocorre.
Mas não é nesse aspecto que pretendo abordar a
questão da ordem e da desordem. Quero tratá-la num plano mais chão, mais
corriqueiro, mais doméstico, mais trivial, mais "feijão com arroz".
Vou fazer-lhes uma confidência, que pode soar como um "mea culpa" (e
o é). Em família, sou tido como uma pessoa
excessivamente organizada. Meus livros, meus papéis, meus arquivos,
minhas anotações e minhas coisas estão todos nos devidos lugares,
classificados, indexados, numerados e prontos para uso. Meus filhos acham que
sou exagerado nesse aspecto. Entendem que essa é a minha mania (já que todos
têm a sua). Pode ser. Os inimigos classificam-me de chato. Juro que não sou.
Mas todo "Doutor Jekyl" tem seu "Mister Hyde" (ou seria o
contrário?), e vice-versa.
Em termos de compromissos particulares, sou o
sujeito mais bagunçado do pedaço. Minha agenda existe apenas pró-forma, pois
por circunstâncias várias, raras vezes é obedecida. Nem sei porque a faço, se
não é para respeitar. Por exemplo, troco os dias de palestras combinadas, às
vezes até esqueço de os anotar ou anoto horários errados (provavelmente por
causa da pressa) e por isso, (a menos que combine com os organizadores para que
me busquem, o que faço cada vez com maior freqüência), deixo de comparecer na
data marcada. Ou chego duas horas antes, com a maior cara de bobo diante de um
auditório vazio. Isto quando não acontece o oposto. Ou seja, quando não deixo,
inadvertidamente, centenas de pessoas me esperando por um longo tempo.
Essa confusão não existe em relação ao trabalho. Em
todas as empresas pelas quais passei --- e foram poucas, pois nunca apreciei
ficar pulando de galho em galho --- me
destaquei pela assiduidade, pela pontualidade e pela organização. Meu problema,
portanto, está na dosagem. Está em evitar os extremos e em resgatar o sentido
da palavra "mais ou menos". Em cortar as tendências potenciais,
latentes, adormecidas para a tirania e a opressão, mas não deixar que o senso
de liberdade seja confundido com libertinagem. Equilíbrio, meus caros,
equilíbrio. Esta é a fórmula virtuosa. Pois, como ressalta a sabedoria popular,
"a virtude está sempre no meio"
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