Filha do tempo
Pedro J. Bondaczuk
“A verdade é
filha do tempo e não da autoridade”. (Berthold Brecht).
O
ensaísta Henry David Thoreau constatou, em um dos seus tantos e lúcidos
ensaios, que “é preciso duas pessoas para falar a verdade – uma para falar e
outra para ouvir”. Ou seja, é indispensável que haja testemunha do que foi dito,
para que outros acreditem que não se mentiu (ou se inventou, o que vem a dar na
mesma). Isso, quando se trata da revelação (e posterior descrição) de fatos do
cotidiano. Imagine o leitor o que ocorre quando se trata de apresentar
conceitos abstratos, subjetivos, impossíveis de serem comprovados de forma
concreta!
Onde
está a verdade? O que ela é? Como pode ser identificada em meio a um emaranhado
de dezenas, de centenas, não raro de milhares de versões e de especulações?
Existe essa possibilidade de identificação? Não acredito! Não se trata de
ceticismo, mas de comezinha lógica. Raciocinemos.
Muitos juram que pautam suas vidas pela verdade,
notadamente líderes religiosos, filósofos, ideólogos e afins. Todavia, quando
lhes pedem que a definam, se perdem em ambigüidades, elucubrações e vazios
lugares-comuns. Tentam, isso sim, impor suas “versões” mediante sofismas e
jogos de palavras, quando não através da força. Convencem os tíbios, os néscios
e os poltrões. Mas, a rigor, nem eles mesmos ficam convencidos do que apregoam
com tamanho afã, embora jurem que sim.
A história está repleta de páginas sangrentas, de
violências e de opressão, de pessoas e instituições que tentam impor, a ferro e
fogo, as suas “verdades”. E tudo por que? Apenas para manifestarem um suposto
poder que, de fato, nada pode contra a força das idéias e, principalmente,
contra a morte. Nunca houve, não há e jamais haverá um único homem que seja tão
poderoso ao ponto de escapar dessa niveladora de todos os seres viventes.
Todo poder é temporário, pífio, mesquinho e não
resiste a um par de anos, não importa quantos, quando não a meros meses, semanas,
dias ou até mesmo horas. Quando menos quem julga detê-lo espera, uma doença
súbita, ou acidente ou, no pleno gozo da saúde, uma repentina parada cardíaca,
reduz esse arrogante e prepotente, que julgava tudo poder, a mera massa de
carne fria, inanimada, que começa a cheirar mal poucas horas depois do coração
parar de pulsar.
Este é o poder humano?! Que pobre e mesquinho! Por
isso, concordo com a afirmação de Bertholt Brecht, quando observa que “a
verdade é filha do tempo e não da autoridade”. E isso no que diz respeito
àquela meramente factual. A subjetiva, nem mesmo a eternidade pode comprovar.
Restringe-se ao movediço terreno das mais variadas especulações.
Ademais, se formos analisar bem, só há uma (e única)
verdade absoluta. E mesmo esta, alguns céticos tentam combater e negar: Deus
(deem o nome que Lhe quiserem dar). Tudo o mais não passa de teorias,
fabulações e aparências. E, convenhamos, nem tudo o que “parece”, de fato é.
Não por acaso a sabedoria popular consagrou uma expressão que, de tanto
repetida, se tornou surrado clichê. Não há quem não a conheça. Claro, refiro-me
à peremptória afirmação que “as aparências enganam”. E como enganam!
A opção pela beleza parece-me a mais sensata, já
que, ao contrário da “verdade”, há um certo consenso em torno dela (embora
nunca absoluto). E salvo raras exceções (e estas existem em tudo na vida),
dificilmente o que de fato é belo, não é, também, muito bom.
O filósofo Will Durant constata, no livro “Filosofia
da Vida”: “A verdade parece algo muito pobre diante da beleza”. Depende, claro,
a que verdade o pensador se referiu. Se for a esta, dos homens, não há como
discordar. Esta não apenas é pobre, nesta comparação, senão paupérrima, e em seu
grau mais superlativo. Prefiro esta que é a prerrogativa dos artistas (e das
pessoas criativas). Refiro-me à fantasia,
que pode ser ilimitada. Basta que tenhamos disposição e coragem para afrontar sua
imensidão.
Criar,
criar e criar é o desafio que se impõe ao homem. Não só objetos, posto que,
dada sua limitação física, suas possibilidades de criação nesse campo sejam
mínimas. Mas no plano espiritual, as possibilidades são quase infinitas. É
apenas com esse exercício criativo, permanente, constante, exaustivo, que o
homem exerce, de fato, sua humanidade. A isso é que chamo de “Arte”.
A
preservação da vida física, óbvio, não é prerrogativa humana. É resquício do
instinto de sobrevivência que todo o ser vivente possui, animal ou vegetal.
Ademais, é um exercício inútil, face à realidade da morte. O que podemos, com
muita sorte, é contribuir, com atitudes sensatas e saudáveis, para uma vida um pouco mais longa, e olhem
lá!.
Devemos,
sim, lutar para sobreviver, mas em um outro terreno, que não o da matéria. E
não acredito numa hipotética sobrevivência da alma (ninguém me demonstrou, com
fatos concretos, essa suposta “verdade”). É nosso dever registrar, de alguma
forma (qual? Não importa!) que um dia existimos, pensamos, sentimos, tivemos
medo, raiva, dor e saudade, mas fizemos dessa traumática
"matéria-prima" um universo de sonhos e de fantasia. Pois esta é uma
das raras verdades que considero inquestionável (mas que jamais tentarei impor
a quem quer que seja).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment