Adversário salvador
Pedro J. Bondaczuk
O intelectual, principalmente se for um artista, é,
geralmente, um sujeito extremamente vaidoso e por isso bastante sensível às
críticas. Aliás, nem é necessário ostentar essa condição especial. Pessoa
alguma, mesmo que seja um poço de mediocridade, gosta de ser criticada. Todos
temos noção das nossas limitações, sejam de que natureza forem, e procuramos
preservar essas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público. Fazemos de
tudo para que elas não sejam fatores que nos façam resvalar para o ridículo. Mesmo
sabendo, em seu íntimo, que determinado texto – em verso ou prosa – está
distante da perfeição que tanto busca, o intelectual não aceita que outros o
digam.
Alguns sequer admitem que cometem falhas. Julgam-se
– ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa maneira, afogam um
talento, muitas vezes no nascedouro, em virtude de um amor próprio exacerbado.
No outro extremo, há os hipócritas. Os que se revestem de falsa humildade, à
espera de elogios dos que os rodeiam. A virtude, no entanto, está no meio. Está
em aceitar as críticas, quando estas forem pertinentes e feitas por quem tenha
autoridade para falar sobre o assunto. Mas em nunca induzi-las. Sem se
depreciar à espera de ser contestado. E nunca admitir as que não sejam válidas.
Um leigo, que não conheça sequer o ABC da Física,
por exemplo, não tem condição alguma de criticar uma nova teoria que esteja
sendo apresentada por um especialista da área, por mais absurda que esta
pareça. Não é uma opinião abalizada que deva ser levada a sério. Da mesma
forma, um analfabeto não tem base para encontrar reparos no estilo, digamos, de
um Machado de Assis, de um Vinícius de Moraes, de um Érico Veríssimo, ou de
qualquer outro escritor consagrado, brasileiro ou não.
Critica válida, portanto, é aquela de pessoa com
conhecimento de causa para criticar. Somente isso, todavia, não basta. É
preciso que seja honesta. É necessário que aquilo que esteja sendo criticado
seja de fato um defeito. Que não haja interesses pessoais ou antipatias por
trás dos reparos feitos. Aliás, o crítico desonesto, que tenta destruir uma
obra somente por não gostar do seu autor, invariavelmente acaba se dando mal.
Ao questionar alguma coisa notoriamente de qualidade, que haja caído no agrado
público, terá seu próprio bom gosto ou tirocínio postos em questão. O tiro
sairá, com certeza, pela culatra.
Além das características citadas, a crítica, para ser bem
aceita, tem que ser feita no momento oportuno. Nada é mais constrangedor, para
não dizer irritante, do que ser criticado após um trabalho estafante, feito em
condições precárias e cujo resultado, embora não perfeito, seja visivelmente
bom. Em jornalismo temos muito disso. Muitas vezes um leitor, atormentado por
seus problemas pessoais, liga para as redações ou para criticar o que não
entende, ou para pôr reparos em nosso estilo, ou apenas para ter um "bode
expiatório" sobre o qual descarregar suas frustrações e complexos.
Raciocina – senão consciente, pelo menos inconscientemente – que ninguém é
melhor para alvo de sua raiva na maioria dos casos indefinida e vaga, do que
uma figura pública.
Acontece que esta também é humana. Igualmente tem
problemas, dores, mágoas, frustrações e momentos de ira, como todos. Mesmo
assim, se o criticado tiver cabeça, se confiar no que faz e souber onde
pretende chegar, até a crítica maldosa e ostensivamente destrutiva tende a ser
um benefício. Foi o que escreveu o filósofo Edmund Burke, ao constatar:
"Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial.
Nosso adversário é nosso salvador".
Tive críticos ferozes, dentro de redações de
jornais, no início da minha carreira. Tenho ainda hoje outros, talvez mais
ácidos dos que os de outrora, que buscam ridicularizar o que escrevo – o meu
estilo, as minhas colocações e até mesmo a minha pessoa – com chula ironia. No
entanto, os primeiros passaram. Caíram no ostracismo, resultado de sua
mediocridade e mesquinhez. Eu sobrevivi. Corrigi os erros verdadeiros que foram
apontados e evitei de cometer os que me eram imputados, sem que os viesse cometendo.
Os críticos atuais também vão passar. De tanto quererem fazer-me o mal,
fazem-me o bem, servindo de pontos de referência, de guias sobre o que não
fazer. Parodiando Mário Quintana: "Eles passarão...Eu passarinho..."
Orígenes Lessa, no livro "O Feijão e o
Sonho", afirma, com outras palavras, basicamente o mesmo que foi dito por
Burke: "A glória combatida é a verdadeira glória". Intelectuais que
não causam polêmica, acabam por desaparecer e por mergulhar no esquecimento. Se
não despertam inveja nos medíocres, é porque não têm talentos. Ou são incapazes
de fazê-los reluzir. O vencedor é alvo permanente de ataques mesquinhos e de
tentativas constantes de destruição. E é isso o que ressalta a sua grandeza.
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