Tuesday, February 28, 2017

Concorrer nos limites da lei


Pedro J. Bondaczuk


O governo, como parte da estratégia de combate à inflação que vem adotando, reduziu as alíquotas de importação para mais de 164 produtos e para outros 55, inclusive, zerou as taxas. Há os que se oponham a essa ação, argumentando que nossas autoridades econômicas são incoerentes quando agem assim. Que pregam a liberdade de mercado, mas interferem seguidamente nele.

Seriam procedentes essas acusações? Ou os que as levantam estão, na verdade, com medo da concorrência, acostumados com o paternalismo que sempre disseram combater, mas sem o qual mostram não poder viver? A concorrência comercial, todavia, só funciona quando são formuladas regras corretas, válidas para todos, e que não mudem ao sabor dos interesses que não sejam os do consumidor.

A esse propósito, Robert B. Reich, professor de Política Pública e de Administração da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, escreveu um lúcido artigo na revista "Diálogo" do segundo trimestre de 1988 (a publicação norte-americana é trimestral). Num determinado trecho, o articulista levanta uma questão que merece nossa reflexão, neste momento em que o governo fala tanto em "desrregulamentação".

Ele escreve: "A idéia de um mercado de certo modo distanciado da lei é uma fantasia. O mercado não foi criado pelo desígnio divino. É um artefato humano, a soma dinâmica de um conjunto de julgamentos sobre os direitos e responsabilidades individuais. O que é meu? O que é seu? O que é nosso? E como podemos definir e fazer face a ações que ameaçam estas fronteiras --- roubo, força, fraude, extorsão ou negligência? O que se deve e o que não se deve comercializar? (Drogas? Sexo? Votos? Crianças?). Como devemos cumprir estas decisões e que penalidades devemos impor às transgressões? À medida que se acumulam as respostas a estas questões, cria-se sua versão de mercado".

Este é o caminho, ao que tudo indica, que o governo está procurando enveredar, com as medidas tendentes, não somente a estimular a concorrência, mas a sancionar os que tentarem subverter o seu livre exercício. Liberdade em termos, é claro, dentro dos limites do legal.

O que é estranho é que a "desrregulamentação", que foi um termo tão empregado, e sobretudo debatido, nos Estados Unidos, nos fins da década dos 70s e início da dos 80s, somente agora esteja sendo ventilada entre nós. Isto mostra o atraso em que se encontra o capitalismo tupiniquim.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de outubro de 1990).


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