Resistência
de Saddam é subestimada
Pedro J. Bondaczuk
A guerra do Golfo Pérsico – passado o impacto
inicial da fulminante ofensiva terrestre aliada contra o Iraque, liquidando com
a teimosia de Saddam Hussein em manter a ocupação do Kuwait em pouco mais de 48
horas – se revela uma das mais estúpidas e sem sentido de todas as que se
travaram na história contemporânea, toda ela marcada por esses surtos
periódicos de insanidade coletiva. Seus resultados foram desastrosos sob todos
os aspectos.
É verdade que o emirado ocupado foi libertado. Mas a
que preço? Assim que anunciou a vitória e a concessão de um cessar-fogo
provisório ao inimigo, em 28 de fevereiro passado, o presidente
norte-americano, George Bush, deu corda nos adversários do ditador iraquiano, e
nos oportunistas que apenas se aliam a quem estiver no poder, para que
depusessem o general, conhecido há alguns anos como “carniceiro de Bagdá”.
Xiitas, no Sul, e curdos, no Norte, interpretaram as
palavras do líder mais poderoso do mundo como um convite a uma rebelião.
Achavam que o governo baathista, humilhado com o comportamento de seus
soldados, que se renderam em massa, sem demonstrar a propalada combatividade,
não teria grandes chances de conservar o comando do país.
O Iraque estava arrebentado, com todo o seu sistema
de sobrevivência comprometido, sem eletricidade, água potável, transporte e
comunicações. Hordas espavoridas perambulavam sem rumo por toda a parte.
Parecia que um levante, nessas circunstâncias, não passaria de um piquenique.
Além disso, os rebeldes entendiam que, no caso da
reação das tropas leais a Saddam Hussein – cuja lealdade foi, evidentemente,
subestimada – poderiam contar com a ajuda de mais de meio milhão de soldados
aliados. Houve líder xiita que, em suas delirantes previsões, chegou a achar
que as tropas estrangeiras fariam o serviço de depor o regime do Partido Baath.
Desgraçadamente, para eles, porém, tais opositores se equivocaram,
tragicamente, em todos os pontos.
O presidente iraquiano agiu como na fábula do gato e
da onça, em que o animal menor se dispôs a ensinar ao maior todos os seus
truques e os segredos de sua agilidade. Todavia, manteve sem revelar um único,
e o mais importante de todos. E foi aquele que lhe salvou a vida. Soube
atribuir a devida importância à sobrevivência, ao confiar desconfiando. Não
ensinou à onça como escaparia do bote fatal.
O “pulo do gato” de Saddam foi a preservação da
maior parte da sua força de elite, a Guarda Republicana. Como militar
tarimbado, ele sabia que não conseguiria derrotar o aparato bélico montado
contra ele. Estava lutando por não lhe restar outra alternativa.
Nos dias que antecederam a ofensiva terrestre
aliada, o presidente iraquiano retirou do teatro de operações suas melhores
tropas, substituindo-as por recrutas inexperientes, em geral camponeses
famintos e sem grande combatividade. Daí a enorme quantidade de rendições.
Astutamente, Saddam transferiu os homens com cuja
lealdade sabia poder contar às últimas conseqüências, para posições
estratégicas em seu próprio território, certamente prevendo qualquer tentativa
de golpe ao final da guerra. E deu no que deu.
Simplesmente esmagou, dura e metodicamente, as
rebeliões no Sul e no Norte, sem a mínima reação dos aliados vencedores para
evitar esse desfecho. Não houvesse a pressão internacional para impedir um
genocídio ainda maior e o destino de xiitas e curdos seria muito, mas muito
pior mesmo do que foi.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 26 de abril de 1991)
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