Tuesday, February 21, 2017

Resistência de Saddam é subestimada



Pedro J. Bondaczuk


A guerra do Golfo Pérsico – passado o impacto inicial da fulminante ofensiva terrestre aliada contra o Iraque, liquidando com a teimosia de Saddam Hussein em manter a ocupação do Kuwait em pouco mais de 48 horas – se revela uma das mais estúpidas e sem sentido de todas as que se travaram na história contemporânea, toda ela marcada por esses surtos periódicos de insanidade coletiva. Seus resultados foram desastrosos sob todos os aspectos.

É verdade que o emirado ocupado foi libertado. Mas a que preço? Assim que anunciou a vitória e a concessão de um cessar-fogo provisório ao inimigo, em 28 de fevereiro passado, o presidente norte-americano, George Bush, deu corda nos adversários do ditador iraquiano, e nos oportunistas que apenas se aliam a quem estiver no poder, para que depusessem o general, conhecido há alguns anos como “carniceiro de Bagdá”.

Xiitas, no Sul, e curdos, no Norte, interpretaram as palavras do líder mais poderoso do mundo como um convite a uma rebelião. Achavam que o governo baathista, humilhado com o comportamento de seus soldados, que se renderam em massa, sem demonstrar a propalada combatividade, não teria grandes chances de conservar o comando do país.

O Iraque estava arrebentado, com todo o seu sistema de sobrevivência comprometido, sem eletricidade, água potável, transporte e comunicações. Hordas espavoridas perambulavam sem rumo por toda a parte. Parecia que um levante, nessas circunstâncias, não passaria de um piquenique.

Além disso, os rebeldes entendiam que, no caso da reação das tropas leais a Saddam Hussein – cuja lealdade foi, evidentemente, subestimada – poderiam contar com a ajuda de mais de meio milhão de soldados aliados. Houve líder xiita que, em suas delirantes previsões, chegou a achar que as tropas estrangeiras fariam o serviço de depor o regime do Partido Baath. Desgraçadamente, para eles, porém, tais opositores se equivocaram, tragicamente, em todos os pontos.

O presidente iraquiano agiu como na fábula do gato e da onça, em que o animal menor se dispôs a ensinar ao maior todos os seus truques e os segredos de sua agilidade. Todavia, manteve sem revelar um único, e o mais importante de todos. E foi aquele que lhe salvou a vida. Soube atribuir a devida importância à sobrevivência, ao confiar desconfiando. Não ensinou à onça como escaparia do bote fatal.

O “pulo do gato” de Saddam foi a preservação da maior parte da sua força de elite, a Guarda Republicana. Como militar tarimbado, ele sabia que não conseguiria derrotar o aparato bélico montado contra ele. Estava lutando por não lhe restar outra alternativa.

Nos dias que antecederam a ofensiva terrestre aliada, o presidente iraquiano retirou do teatro de operações suas melhores tropas, substituindo-as por recrutas inexperientes, em geral camponeses famintos e sem grande combatividade. Daí a enorme quantidade de rendições.

Astutamente, Saddam transferiu os homens com cuja lealdade sabia poder contar às últimas conseqüências, para posições estratégicas em seu próprio território, certamente prevendo qualquer tentativa de golpe ao final da guerra. E deu no que deu.

Simplesmente esmagou, dura e metodicamente, as rebeliões no Sul e no Norte, sem a mínima reação dos aliados vencedores para evitar esse desfecho. Não houvesse a pressão internacional para impedir um genocídio ainda maior e o destino de xiitas e curdos seria muito, mas muito pior mesmo do que foi.     

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de 1991)


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