“Devo, não nego, mas apenas pago quando puder”
Pedro J.
Bondaczuk
O Brasil, pela quinta vez em sua história de país
independente, está sendo forçado a suspender os pagamentos de sua imensa dívida
externa. A razão disso não é nenhuma atitude inócua de confrontação com os
banqueiros, conforme algumas apressadas conclusões extraídas aqui dentro e no
Exterior, mas uma absoluta falta de dinheiro para saldar esses compromissos.
Diriam certos opositores do
governo do presidente Sarney, mais preocupados com este fato do que os próprios
credores (nunca se conseguiu descobrir a razão deles defenderem com tamanho
empenho interesses que sequer são os seus): “Mas e as reservas cambiais? O
Brasil dispõe de US$ 3,926 bilhões líquidos no Banco Central”.
Ocorre que em 1982 o País caiu
nessa bobagem de raspar até o derradeiro centavo de dólar dos minguados
trocados que dispunha para ocasiões de emergência. E o que aconteceu? Foi
obrigado a ir de chapéu nas mãos pedir aos banqueiros que fizessem os
malfadados “empréstimos-pontes” de urgência.
É evidente que, como o Brasil
estava em desvantagem, pois não dispunha sequer do suficiente para importar
dois dos produtos indispensáveis, trigo e petróleo, foi obrigado a se submeter
a todas as exigências que lhe foram feitas para ter esses recursos liberados.
Aceitou juros absurdos, taxas inexplicáveis e prazos exíguos para o desembolso.
Não vai aqui nenhuma crítica
nesse sentido às autoridades econômicas de então. Elas agiram como qualquer um
de nós agiria em situação semelhante. Se tivéssemos um compromisso inadiável
para saldar com alguém ou com alguma instituição e não possuíssemos esses
fundos, e nem ao menos o indispensável para comprar leite para os nossos filhos
no dia seguinte, qual seria a nossa atitude?
Certamente procuraríamos algum
agiota para nos tirar desse sufoco, mesmo correndo o risco de permanecer presas
perpétuas de sua ganância. No momento de desespero, aceitaríamos pagar qualquer
juro, por mais extorsivo e canalha que fosse. Foi o que o País fez em 1982.
O resultado, todo o mundo sabe
qual foi: recessão, desemprego e um imenso sofrimento para a maioria da
população, exatamente aquela camada mais desvalida e desprovida de talentos,
mas que é a que sustenta a nossa economia e a faz a oitava do mundo ocidental.
O atual governo pode ter cometido
inúmeros erros, não há como negar. E na verdade, embora não os alardeie
publicamente (e isso nem seria uma atitude política), admite que os cometeu,
especialmente na administração do Plano Cruzado, muito bem elaborado, mas posto
em execução de forma equivocada. Mas nessa esparrela que o Brasil caiu em 1982,
as autoridades de hoje não caíram.
Aliás, o trato da questão da
dívida externa, de forma a não se causar recessão e desemprego internamente,
sempre foi o alicerce da Aliança Democrática, que estabeleceu a Nova República.
É um princípio até doutrinário do PMDB e do PFL. Se continuássemos pagando o
serviço do endividamento, as reservas de moeda forte nacionais ficariam
esgotadas em poucos dias e teríamos que repetir o processo de cinco anos atrás,
aceitando toda e qualquer imposição que nos fizessem. A primeira, sem dúvida,
seria o retorno de práticas recessivas.
Os juros, desses novos
empréstimos-pontes que nos seriam concedidos, subiriam, certamente, a níveis
inimagináveis. E o dinheiro emprestado dessa forma concederia apenas uma pausa
para o País respirar, e mais nada. Seria suficiente, apenas, até a próxima
crise, num ciclo diabólico, que nos levaria à autofagia.
Há pessoas, agora, estrilando
histericamente contra a atitude do governo, em vários setores da direita. Estão
agindo como se fossem as credoras e não partícipes do débito, tão
compromissadas e com a imagem de subdesenvolvidas no Exterior como cada um de
nós. Sem outra coisa para dizer, argumentam que o Brasil sofrerá brutais
retaliações. Que a miséria irá aumentar entre nós e que coisas terríveis irão
nos acontecer. Reações adversas, certamente, nós teremos. Mas seriam elas
piores do que aquilo que os banqueiros certamente nos imporiam quando nossas
reservas se extinguissem de vez e tivéssemos que negociar novos financiamentos?
Por outro lado, o ministro da
Fazenda do México, Gustavo Petriciolli, esclareceu um ponto muito importante.
Que o Brasil, ao suspender os pagamentos, não fez nada que não estivesse nos contratos.
Que há cláusulas prevendo essa possibilidade. A ocorrência, portanto, nada mais
foi do que um fato normal numa transação de empréstimo, prevista
contratualmente.
Desta vez, pelo menos, agiu-se de
forma mais ética do que nas anteriores. Essa história de suspensão de
pagamentos da dívida é tão velha quanto a própria República. Campos Salles fez
isso em 1898 e com resultados extraordinários. Deu fôlego para três presidentes
governarem com tranqüilidade e realizarem obras que os perpetuaram.
O ônus da providência,
logicamente, coube a ele, que agiu com tamanha sensatez e patriotismo, fato que
o levou a ser injustiçado pela maioria dos historiadores, quando, na verdade,
deveria ser glorificado. E para encerrar, o Brasil não nega e nem negou em
momento algum sua dívida. Agiu apenas como qualquer devedor que se visse
apertado. Chegou para o credor e admitiu: “Devo, não nego”. Mas arrematou,
prudentemente, para não despertar falsas expectativas: “Pago quando puder”. O
que mais poderia ser feito?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de
fevereiro de 1987).
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