Saturday, February 04, 2017

“Devo, não nego, mas apenas pago quando puder”


Pedro J. Bondaczuk


O Brasil, pela quinta vez em sua história de país independente, está sendo forçado a suspender os pagamentos de sua imensa dívida externa. A razão disso não é nenhuma atitude inócua de confrontação com os banqueiros, conforme algumas apressadas conclusões extraídas aqui dentro e no Exterior, mas uma absoluta falta de dinheiro para saldar esses compromissos.

Diriam certos opositores do governo do presidente Sarney, mais preocupados com este fato do que os próprios credores (nunca se conseguiu descobrir a razão deles defenderem com tamanho empenho interesses que sequer são os seus): “Mas e as reservas cambiais? O Brasil dispõe de US$ 3,926 bilhões líquidos no Banco Central”.

Ocorre que em 1982 o País caiu nessa bobagem de raspar até o derradeiro centavo de dólar dos minguados trocados que dispunha para ocasiões de emergência. E o que aconteceu? Foi obrigado a ir de chapéu nas mãos pedir aos banqueiros que fizessem os malfadados “empréstimos-pontes” de urgência.

É evidente que, como o Brasil estava em desvantagem, pois não dispunha sequer do suficiente para importar dois dos produtos indispensáveis, trigo e petróleo, foi obrigado a se submeter a todas as exigências que lhe foram feitas para ter esses recursos liberados. Aceitou juros absurdos, taxas inexplicáveis e prazos exíguos para o desembolso.

Não vai aqui nenhuma crítica nesse sentido às autoridades econômicas de então. Elas agiram como qualquer um de nós agiria em situação semelhante. Se tivéssemos um compromisso inadiável para saldar com alguém ou com alguma instituição e não possuíssemos esses fundos, e nem ao menos o indispensável para comprar leite para os nossos filhos no dia seguinte, qual seria a nossa atitude?

Certamente procuraríamos algum agiota para nos tirar desse sufoco, mesmo correndo o risco de permanecer presas perpétuas de sua ganância. No momento de desespero, aceitaríamos pagar qualquer juro, por mais extorsivo e canalha que fosse. Foi o que o País fez em 1982.

O resultado, todo o mundo sabe qual foi: recessão, desemprego e um imenso sofrimento para a maioria da população, exatamente aquela camada mais desvalida e desprovida de talentos, mas que é a que sustenta a nossa economia e a faz a oitava do mundo ocidental.

O atual governo pode ter cometido inúmeros erros, não há como negar. E na verdade, embora não os alardeie publicamente (e isso nem seria uma atitude política), admite que os cometeu, especialmente na administração do Plano Cruzado, muito bem elaborado, mas posto em execução de forma equivocada. Mas nessa esparrela que o Brasil caiu em 1982, as autoridades de hoje não caíram.

Aliás, o trato da questão da dívida externa, de forma a não se causar recessão e desemprego internamente, sempre foi o alicerce da Aliança Democrática, que estabeleceu a Nova República. É um princípio até doutrinário do PMDB e do PFL. Se continuássemos pagando o serviço do endividamento, as reservas de moeda forte nacionais ficariam esgotadas em poucos dias e teríamos que repetir o processo de cinco anos atrás, aceitando toda e qualquer imposição que nos fizessem. A primeira, sem dúvida, seria o retorno de práticas recessivas.

Os juros, desses novos empréstimos-pontes que nos seriam concedidos, subiriam, certamente, a níveis inimagináveis. E o dinheiro emprestado dessa forma concederia apenas uma pausa para o País respirar, e mais nada. Seria suficiente, apenas, até a próxima crise, num ciclo diabólico, que nos levaria à autofagia.

Há pessoas, agora, estrilando histericamente contra a atitude do governo, em vários setores da direita. Estão agindo como se fossem as credoras e não partícipes do débito, tão compromissadas e com a imagem de subdesenvolvidas no Exterior como cada um de nós. Sem outra coisa para dizer, argumentam que o Brasil sofrerá brutais retaliações. Que a miséria irá aumentar entre nós e que coisas terríveis irão nos acontecer. Reações adversas, certamente, nós teremos. Mas seriam elas piores do que aquilo que os banqueiros certamente nos imporiam quando nossas reservas se extinguissem de vez e tivéssemos que negociar novos financiamentos?

Por outro lado, o ministro da Fazenda do México, Gustavo Petriciolli, esclareceu um ponto muito importante. Que o Brasil, ao suspender os pagamentos, não fez nada que não estivesse nos contratos. Que há cláusulas prevendo essa possibilidade. A ocorrência, portanto, nada mais foi do que um fato normal numa transação de empréstimo, prevista contratualmente.

Desta vez, pelo menos, agiu-se de forma mais ética do que nas anteriores. Essa história de suspensão de pagamentos da dívida é tão velha quanto a própria República. Campos Salles fez isso em 1898 e com resultados extraordinários. Deu fôlego para três presidentes governarem com tranqüilidade e realizarem obras que os perpetuaram.

O ônus da providência, logicamente, coube a ele, que agiu com tamanha sensatez e patriotismo, fato que o levou a ser injustiçado pela maioria dos historiadores, quando, na verdade, deveria ser glorificado. E para encerrar, o Brasil não nega e nem negou em momento algum sua dívida. Agiu apenas como qualquer devedor que se visse apertado. Chegou para o credor e admitiu: “Devo, não nego”. Mas arrematou, prudentemente, para não despertar falsas expectativas: “Pago quando puder”. O que mais poderia ser feito?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de fevereiro de 1987).


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