Brilho
de infância
Pedro J. Bondaczuk
"A poesia encontra-se em todas as coisas – na
terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é
evidente para mim aqui, enquanto estou sentado, que há poesia nesta mesa, neste
papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada
movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua
está pintando a tabuleta de um açougue". Estas palavras são de Fernando Pessoa, e definem o vasto campo
de ação do poeta: a totalidade das coisas, das pessoas e das emoções que elas
têm.
É uma trilha aberta a todos, mas que apenas alguns
raros seres que fogem do convencional, dotados de um "filtro" muito
especial, conseguem vislumbrar e caminhar com desenvoltura por ela. No meio do
caminho, como que por magia, ou feitiçaria, transformam palavras comuns em
pepitas de rara beleza e incomensurável valor. São como o legendário rei Midas:
transformam em ouro tudo o que tocam. Brincam com os sentimentos, como as
crianças com seus brinquedos preferidos.
Vinícius de Moraes escreve, no livro "Para
viver um Grande Amor", que "o material do poeta é a vida, e só a
vida, com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime. Seu instrumento é a
palavra". Convenhamos que se trata de uma ferramenta fragílima, que
oferece poucos recursos e exige manejo de grande perícia, para que se possa,
com ele, extrair beleza dos pântanos mais horrendos e sombrios do coração
humano. Mas ele consegue, com maestria e grandeza, com naturalidade, isso que seria
enorme proeza para uma pessoa comum. É possuidor da "pedra
filosofal", que lhe confere o poder de transmutação de "metais" ordinários, comuns, banais
e sem valor, em ouro de 18 quilates. Mais do que isso: de pedras em esmeraldas,
topázios, ônix, safiras etc.
Tive, por anos, a honra de privar da amizade de um
desses "pastores de emoções", que brincam com sentimentos (próprios
e/ou alheios), tal como um menino o faz com a sua pipa, com a sua bola ou, para
estar mais de acordo com os tempos atuais, com seu vídeogame. Refiro-me ao ex-presidente
da Academia Campinense de Letras, Mauro Sampaio. Fiquei sabendo, tempos atrás, por carta que
então me escreveu, que o amigo estava prestes a nos brindar com novo livro.
Esse poeta exigente e detalhista foi muito parcimonioso na publicação de seus
trabalhos.
Mauro enviou-me, na ocasião, alguns poemas,
compostos especialmente para o citado livro, pedindo minha opinião sobre sua
qualidade ou eventuais defeitos (quanta modéstia!). Antes de qualquer
comentário, é preciso caracterizar seu estilo para os que não tiveram o privilégio de um contato com a sua
requintada poesia. Caracteriza-se pela parcimônia de palavras, colocadas com
precisão cirúrgica: exatas, precisas,
insubstituíveis, sem desperdícios e sem descambar para a pirotecnia ou para a
"hemorragia verbal". Seus
poemas, salvo exceções, têm no máximo três versos cada. Soam a aforismos, a pensamentos, a reflexões,
com a parcimônia dos chineses ou dos hai-kais japoneses, embora sem a base
formal desses últimos.
Em alguns casos, poderiam ser gravados em mármore,
como epitáfios. Talvez por sua exiguidade, "grudam" no ouvido,
permanecem no cérebro, suscitando as mais profundas reflexões filosóficas e
indo fundo, mexendo com nossos sentimentos mais secretos e resguardados. Para exemplificar, cito essa
"Elegia", composta quando Mauro visitou o túmulo da mãe, no dia do
aniversário desta:
"Não
trouxe rosas.
Vim em busca
do tempo na estação dos mortos.
- Sobre este chão planto a saudade!".
Embora as palavras sejam escassas, medidas,
parcimoniosas, são versos profundos, belos, emotivos. Como estes, do poema
"Declaração":
"Este
amor que me leva a ti,
é como as
águas mansas de um rio
que se
precipitam de uma cachoeira de sonhos!".
Ou estes, de "Saudades":
"Velhas
tempestades de luz,
faces úmidas,
nuvens intocadas.
--- melodias do mar ressoando nos sonhos!".
Ou destes outros, de "Inspiração":
"Vento!
Não te feches
em tuas asas.
Leva-me
contigo!"
Em meu livro "Por uma Nova Utopia", dedico-lhe
um capítulo inteiro. Além disso, cito seus versos límpidos, cristalinos,
cirúrgicos, em vários outros. Para que o leitor tenha uma idéia desse livro de
Mauro Sampaio, me atrevo a reproduzir
(sem sua autorização ou
conhecimento), os outros seis poemas que o amigo me enviou, então, para análise.
"Fidelidade"
"Amada! neste
final de inverno,
onde buscar rosas
senão em nossas mãos
entrelaçadas?!"
"Prelúdio"
"Nada me alegra
mais
que a incapacidade
graciosa
do teu amor ainda
hesitante!".
"Real"
Antes de ser
sou o que sente a
alegria de viver.
Nem quero mais que a
realidade do existir!"
"Recado"
"Eu não
precisaria dos pássaros,
nem das flores, nem
dos sonhos,
se estivesses
aqui!"
"Forte"
"O
amor/descobre o segredo das pedras
sem o rumor das
palavras!"
O que dizer?
Como qualificar essa poesia, senão de magnífica, inquietante, sublime,
bela?! Como privar o meu leitor dela,
mesmo sob o risco de ofender o amigo, se vivo estivesse? Mauro brincava com nossas emoções. E espalhava
pérolas ao longo do caminho que trilhava.
Como estas, do poema "Concreto":
"Vida!
apenas o instante eu vivo.
E é tão frágil
o instante
que não há
tempo para guardar-te na memória!".
Que precisão! Quanta beleza! É poesia pura...Quanta
saudade, querido amigo!!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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