Monday, February 06, 2017

Brilho de infância


Pedro J. Bondaczuk


"A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é evidente para mim aqui, enquanto estou sentado, que há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue". Estas palavras são  de Fernando Pessoa, e definem o vasto campo de ação do poeta: a totalidade das coisas, das pessoas e das emoções que elas têm.

É uma trilha aberta a todos, mas que apenas alguns raros seres que fogem do convencional, dotados de um "filtro" muito especial, conseguem vislumbrar e caminhar com desenvoltura por ela. No meio do caminho, como que por magia, ou feitiçaria, transformam palavras comuns em pepitas de rara beleza e incomensurável valor. São como o legendário rei Midas: transformam em ouro tudo o que tocam. Brincam com os sentimentos, como as crianças com seus brinquedos preferidos.

Vinícius de Moraes escreve, no livro "Para viver um Grande Amor", que "o material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime. Seu instrumento é a palavra". Convenhamos que se trata de uma ferramenta fragílima, que oferece poucos recursos e exige manejo de grande perícia, para que se possa, com ele, extrair beleza dos pântanos mais horrendos e sombrios do coração humano. Mas ele consegue, com maestria e grandeza, com naturalidade, isso que seria enorme proeza para uma pessoa comum. É possuidor da "pedra filosofal", que lhe confere o poder de transmutação de  "metais" ordinários, comuns, banais e sem valor, em ouro de 18 quilates. Mais do que isso: de pedras em esmeraldas, topázios, ônix, safiras etc.

Tive, por anos, a honra de privar da amizade de um desses "pastores de emoções", que brincam com sentimentos (próprios e/ou alheios), tal como um menino o faz com a sua pipa, com a sua bola ou, para estar mais de acordo com os tempos atuais, com seu vídeogame. Refiro-me ao ex-presidente da Academia Campinense de Letras, Mauro Sampaio.  Fiquei sabendo, tempos atrás, por carta que então me escreveu, que o amigo estava prestes a nos brindar com novo livro. Esse poeta exigente e detalhista foi muito parcimonioso na publicação de seus trabalhos.

Mauro enviou-me, na ocasião, alguns poemas, compostos especialmente para o citado livro, pedindo minha opinião sobre sua qualidade ou eventuais defeitos (quanta modéstia!). Antes de qualquer comentário, é preciso caracterizar seu estilo para os que não  tiveram o privilégio de um contato com a sua requintada poesia. Caracteriza-se pela parcimônia de palavras, colocadas com precisão cirúrgica:  exatas, precisas, insubstituíveis, sem desperdícios e sem descambar para a pirotecnia ou para a "hemorragia verbal".  Seus poemas, salvo exceções, têm no máximo três versos cada.  Soam a aforismos, a pensamentos, a reflexões, com a parcimônia dos chineses ou dos hai-kais japoneses, embora sem a base formal desses últimos.

Em alguns casos, poderiam ser gravados em mármore, como epitáfios. Talvez por sua exiguidade, "grudam" no ouvido, permanecem no cérebro, suscitando as mais profundas reflexões filosóficas e indo fundo, mexendo com nossos sentimentos mais secretos e resguardados.  Para exemplificar, cito essa "Elegia", composta quando Mauro visitou o túmulo da mãe, no dia do aniversário desta:

"Não trouxe rosas.
Vim em busca do tempo na estação dos mortos.
 - Sobre este chão planto a saudade!".

Embora as palavras sejam escassas, medidas, parcimoniosas, são versos profundos, belos, emotivos. Como estes, do poema "Declaração":

"Este amor que me leva a ti,
é como as águas mansas de um rio
que se precipitam de uma cachoeira de sonhos!".

Ou estes, de "Saudades":

"Velhas tempestades de luz,
faces úmidas, nuvens intocadas.
---  melodias do mar ressoando nos sonhos!".

Ou destes outros, de "Inspiração":

"Vento!
Não te feches em tuas asas.
Leva-me contigo!"

Em meu livro "Por uma Nova Utopia", dedico-lhe um capítulo inteiro. Além disso, cito seus versos límpidos, cristalinos, cirúrgicos, em vários outros. Para que o leitor tenha uma idéia desse livro de Mauro Sampaio, me atrevo a reproduzir  (sem sua  autorização ou conhecimento), os outros seis poemas que o amigo me enviou, então, para  análise.

"Fidelidade"

"Amada! neste final de inverno,
onde buscar rosas
senão em nossas mãos entrelaçadas?!"

"Prelúdio"

"Nada me alegra mais
que a incapacidade graciosa
do teu amor ainda hesitante!".

"Real"

Antes de ser
sou o que sente a alegria de viver.
Nem quero mais que a realidade do existir!"


"Recado"

"Eu não precisaria dos pássaros,
nem das flores, nem dos sonhos,
se estivesses aqui!"

"Forte"

"O amor/descobre o segredo das pedras
sem o rumor das palavras!"

O que dizer?  Como qualificar essa poesia, senão de magnífica, inquietante, sublime, bela?!  Como privar o meu leitor dela, mesmo sob o risco de ofender o amigo, se vivo estivesse?  Mauro brincava com nossas emoções. E espalhava pérolas ao longo do caminho que trilhava.  Como estas, do poema "Concreto":

"Vida! apenas o instante eu vivo.
E é tão frágil o instante
que não há tempo para guardar-te na memória!".

Que precisão! Quanta beleza! É poesia pura...Quanta saudade, querido amigo!!!!

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

   



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