Friday, February 17, 2017

Motim peca por falta de comando


Pedro J. Bondaczuk


A tentativa para derrubar o presidente iraquiano Saddam Hussein, senão estimulada, pelo menos incentivada pelo Ocidente, em especial pelo presidente norte-americano George Bush, está trazendo ainda mais sofrimentos para a tão atormentada população desse país, que acabou de passar pelos maiores ataques aéreos já realizados em toda a história, com toda a tragédia decorrente deles.

O Norte e o Sul do Iraque estão em pé de guerra, com curdos e xiitas, respectivamente, buscando fincar enclaves em território nacional, para o estabelecimento de um governo de fato. Assim que um deles obtiver o controle absoluto de sua região --- se é que conseguirá isto --- não há dúvidas que receberá o pronto reconhecimento ocidental.

Aliás, isto já era previsível, antes mesmo dos aliados iniciarem a operação terrestre, que pôs fim à guerra. Inúmeros líderes árabes vieram a público na oportunidade, para condenar a intenção de dividir o Iraque em pequenos e enfraquecidos Estados. Hoje, eles mudaram de opinião e parecem incentivar o divisionismo.

A impressão que fica, todavia, é que pelo menos esta batalha, a da sua manutenção no poder, Saddam deverá ganhar, contando com a irrestrita lealdade da Guarda Republicana, qure não foi totalmente dizimada como se informou.

Aliás, o presidente iraquiano não seria ingênuo a ponto de perder o chamado "pulo do gato". Como essa força de elite detém os soldados mais adestrados, os melhores armamentos e possui grande disposição de combate, os rebeldes têm reduzidas chances de lograrem sucesso em sua tentativa.

O máximo que tais rebeliões irão conseguir será prolongar o tormento da população, que tem diante de si a monumental tarefa da reconstrução, sem que existam recursos para isso. Taticamente, o momento é inoportuno para a derrubada de Saddam.

O país corre o risco de ficar acéfalo, sem liderança forte. E o caminho mais indicado não é exatamente o que vem sendo seguido. A melhor tática seria promover o divisionismo na Guarda Republicana. Enquanto esta permanecer coesa em torno de Saddam, toda tentativa de golpe será inútil.

O presidente iraquiano pode ter cometido falhas durante a guerra, embora seja fácil crucificar um derrotado depois da derrota haver se configurado. Porém, quem subestimar sua capacidade de estrategista certamente está fadado a se dar muito mal.

Não é possível que o líder não tenha previsto a possibilidade de ser derrotado pelos aliados, com as conseqüentes seqüelas do insucesso. Além disso, o tempo demonstrou que o grande pecado da oposição iraquiana sempre foi o seu divisionismo.

Daí Saddam ter permanecido por tanto tempo no poder e tudo indicar que, para desgosto dos antigos aliados árabes, hoje seus adversários, e principalmente dos países ocidentais com interesses no Golfo Pérsico, deva prossegui sendo uma ameaça, ou no mínimo um incômodo, difícil de se livrar.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 6 de março de 1991).


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