Monday, February 27, 2017

Perestroika: caminho sem retorno



Pedro J. Bondaczuk


O presidente Mikhail Gorbachev pode vir a fracassar como condutor das mudanças que propôs para o seu país e para o mundo, mas sempre irá ter um lugar de destaque na história do século XX pelo tanto que já fez. Por ter acabado, por exemplo, com a confrontação com os Estados Unidos que, em inúmeras ocasiões, colocou toda a humanidade à beira da catástrofe nuclear. Por ter tido a coragem de abrir mão de dogmas, estereótipos e chavões, para ser prático. Por haver posto um ponto final na guerra fria, que esteve nos limites da ebulição. E, principalmente, por ter sido o agente catalisador que conduziu à queda definitiva do comunismo em seu país e no mundo.

Mas estaria Gorbachev deixando de lado seus ideais socialistas? Ele mesmo respondeu isso num discurso que pronunciou no encerramento do Congresso do Partido Comunista em 2 de julho de 1990, afirmando: “Fala-se em fracasso do socialismo. Mas a que socialismo nos referimos? A meu ver, trata-se apenas de uma variante do sistema burocrático stalinista”.

A seguir, o presidente apresentou aos congressistas, com meridiana clareza, a receita para uma URSS poderosa, respeitada e próspera. Disse: “A melhora da economia soviética dependerá de como o país vier a integrar-se no sistema de divisão internacional do trabalho. E o principal é abrir caminho para tornar o rublo uma moeda conversível”.

Em seu discurso, ele procurou, sobretudo, chamar os seus pares à razão. Despertar neles pelo menos um pouquinho do espírito público de que sempre foi possuído. Apelou: !Sejamos objetivos e demonstremos princípios. A política grande não pode ceder a paixões minúsculas”.

Gorbachev encerrou, na oportunidade, seu pronunciamento desmentindo, pela milésima vez, que desejasse sepultar os ideais socialistas (é mister que se distinga o socialismo que ele prega do comunismo que foi praticado desde Joseph Stalin em seu país e no mundo). “Ao nos encaminharmos para o mercado não estaremos nos desviando do socialismo e sim marchando para a materialização mais plena do potencial da sociedade”.

Como se vê, o presidente não usou de subterfúgios ou artifícios de linguagem para expor o que pensa. Seus detratores é que procuram, em vão, agir dessa maneira. Se terá ou não êxito em conduzir as reformas que prega é um detalhe irrelevante. Já deu a sua contribuição positiva para um mundo melhor.

O senador Edward Kennedy, ao falar de seu irmão assassinado, Robert Kennedy, disse, há alguns anos: “Alguns homens vêem as obras e se perguntam: por que? Outros homens sonham com coisas que nunca ocorreram e se perguntam: por que não?”. Gorbachev enquadra-se, evidentemente, nesta segunda categoria.

É dos que crêem que utopias podem ser concretizadas, desde que se trabalhe com dedicação, sinceridade e inteligência para isso. O senador norte-americano William Fulbright afirmou, certa feita: “É# preciso pensar no impensável porque quando as coisas se tornam impensáveis o pensamento se atrofia”.

Pois foi exatamente este o espírito que motivou a glasnost. Ou seja, a transparência de pensamentos, ações e propostas. Nesta empreitada de restauração dos ideais socialistas autênticos, despidos de oportunismos baratos, Gorbachev empenhou o seu destino. E o presidente George Bush observou a esse respeito, na abertura da reunião de cúpula de 31 de maio de 1990, em Washington: “Acredito, firmemente, como o senhor já disse, que não há retorno no caminho que o senhor escolheu”.      

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 25 de abril de 1991)


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