Perestroika:
caminho sem retorno
Pedro J. Bondaczuk
O presidente Mikhail Gorbachev pode vir a fracassar
como condutor das mudanças que propôs para o seu país e para o mundo, mas
sempre irá ter um lugar de destaque na história do século XX pelo tanto que já
fez. Por ter acabado, por exemplo, com a confrontação com os Estados Unidos
que, em inúmeras ocasiões, colocou toda a humanidade à beira da catástrofe
nuclear. Por ter tido a coragem de abrir mão de dogmas, estereótipos e chavões,
para ser prático. Por haver posto um ponto final na guerra fria, que esteve nos
limites da ebulição. E, principalmente, por ter sido o agente catalisador que
conduziu à queda definitiva do comunismo em seu país e no mundo.
Mas estaria Gorbachev deixando de lado seus ideais
socialistas? Ele mesmo respondeu isso num discurso que pronunciou no
encerramento do Congresso do Partido Comunista em 2 de julho de 1990,
afirmando: “Fala-se em fracasso do socialismo. Mas a que socialismo nos
referimos? A meu ver, trata-se apenas de uma variante do sistema burocrático
stalinista”.
A seguir, o presidente apresentou aos congressistas,
com meridiana clareza, a receita para uma URSS poderosa, respeitada e próspera.
Disse: “A melhora da economia soviética dependerá de como o país vier a
integrar-se no sistema de divisão internacional do trabalho. E o principal é
abrir caminho para tornar o rublo uma moeda conversível”.
Em seu discurso, ele procurou, sobretudo, chamar os
seus pares à razão. Despertar neles pelo menos um pouquinho do espírito público
de que sempre foi possuído. Apelou: !Sejamos objetivos e demonstremos
princípios. A política grande não pode ceder a paixões minúsculas”.
Gorbachev encerrou, na oportunidade, seu
pronunciamento desmentindo, pela milésima vez, que desejasse sepultar os ideais
socialistas (é mister que se distinga o socialismo que ele prega do comunismo
que foi praticado desde Joseph Stalin em seu país e no mundo). “Ao nos
encaminharmos para o mercado não estaremos nos desviando do socialismo e sim
marchando para a materialização mais plena do potencial da sociedade”.
Como se vê, o presidente não usou de subterfúgios ou
artifícios de linguagem para expor o que pensa. Seus detratores é que procuram,
em vão, agir dessa maneira. Se terá ou não êxito em conduzir as reformas que
prega é um detalhe irrelevante. Já deu a sua contribuição positiva para um
mundo melhor.
O senador Edward Kennedy, ao falar de seu irmão
assassinado, Robert Kennedy, disse, há alguns anos: “Alguns homens vêem as
obras e se perguntam: por que? Outros homens sonham com coisas que nunca
ocorreram e se perguntam: por que não?”. Gorbachev enquadra-se, evidentemente,
nesta segunda categoria.
É dos que crêem que utopias podem ser concretizadas,
desde que se trabalhe com dedicação, sinceridade e inteligência para isso. O
senador norte-americano William Fulbright afirmou, certa feita: “É# preciso
pensar no impensável porque quando as coisas se tornam impensáveis o pensamento
se atrofia”.
Pois foi exatamente este o espírito que motivou a
glasnost. Ou seja, a transparência de pensamentos, ações e propostas. Nesta
empreitada de restauração dos ideais socialistas autênticos, despidos de
oportunismos baratos, Gorbachev empenhou o seu destino. E o presidente George
Bush observou a esse respeito, na abertura da reunião de cúpula de 31 de maio
de 1990, em Washington: “Acredito, firmemente, como o senhor já disse, que não
há retorno no caminho que o senhor escolheu”.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 25 de abril de 1991)
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