À nossa revelia
Pedro J. Bondaczuk
O amor é caprichoso e nasce,
quase sempre, à nossa revelia. Nunca avisa como, onde, quando e por quem irá se
manifestar. Pega-nos completamente de surpresa, desarmados, e deixa-nos
atônitos e indefesos. Caso quiséssemos (ou queiramos) nos defender dele, não
conseguiríamos (ou não conseguimos). Somos “flechados”, inevitavelmente, pelo
irresponsável Cupido e passamos a viver, doravante, e simultaneamente, as penas
do inferno e as delícias do paraíso. O amor raramente depende da nossa vontade
ou da nossa escolha. Às vezes coincide em ter como alvo alguém que desejaríamos
amar. Às vezes.... Porém, muito raramente.
O amor surge de repente, do nada,
quando menos esperamos, e pela pessoa que jamais supúnhamos que iríamos nos
apaixonar. Já tentei apaixonar-me, por exemplo, por amigas às quais prezava
muito. Em vão! Os sentimentos são diferentes, embora tenham componentes comuns.
Às vezes havia, até, genuíno afeto, além de identidade de idéias e de
propósitos. Faltava, todavia, aquele algo mais, aquele magnetismo inexplicável,
aquela química. Por isso, a tentativa, invariavelmente, morria quase que no
nascedouro.
Frise-se que termos, simultaneamente,
amizade e amor pela mesma pessoa, é uma dobradinha ideal e invencível. É, sem
dúvida, uma bênção. Todavia, nem sempre ambas andam juntas. Aliás, é a falta de
uma delas a causa mais comum de rompimentos de relacionamentos que pareciam
sólidos e estáveis e que, contudo, não eram.
Nem sempre a beleza conta nessa
história de paixão. Busquei apaixonar-me por mulheres belíssimas, que
demonstravam gostarem de mim, mas... ao dar-lhes o primeiro beijo, não ouvia os
sininhos tocarem no fundo do cérebro. Todavia, cheguei a apaixonar-me
profundamente por uma pessoa com a qual, durante muito tempo, por anos até,
mantive situação de antagonismo e confronto. Julgávamo-nos inimigos
inconciliáveis. Mas... quando menos esperei... zás! Lá estava eu fisgado, como
um peixe que não soube fugir do anzol.
Um belo dia, após outra das
nossas tantas e azedas discussões, fiquei fascinado pelo brilho e beleza do seu
olhar. Até então, nunca havia notado esse detalhe. Atentei bem e descobri que
ela era uma mulher belíssima. Daí para a paixão... foi um piscar de olhos.
Desconfiei que algo parecido havia ocorrido com minha até então feroz
antagonista. Quando me dei conta... já não suportávamos mais a ausência um do
outro.
Com os anos, percebi que essa
dramática e abrupta mudança de sentimentos era muito mais comum do que eu
pensava. Luiz Vaz de Camões descreveu bem essa situação, nestes dois tercetos
de um dos seus mais célebres sonetos, em que diz:
“Estando em terra, chego ao céu voando,
numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar uma hora.
Se me pergunta alguém por que assim ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha senhora”.
Gosto de escrever sobre o amor,
embora nunca tenha conseguido acrescentar algo de novo, ou de minimamente
inteligente, ou qualquer coisas que prestasse, ao tema. Não importa. Afinal,
estou em fartíssima companhia. Esse é o assunto que mais gera textos ruins,
piegas e adocicados. Ou seja, que mais produz má-literatura (e não é de hoje).
É um perigoso pântano para os que se propõem a escrever bem e queiram,
sobretudo, ser originais. Nem sempre é o meu caso.
O interessante é que, mesmo
repetindo “ad náusea” esse tema superbatido (mudando, aqui e ali, apenas o
enfoque, para enquadrá-lo ao meu estilo peculiar) sinto que meu leitor aprecia
quando escrevo sobre amor. Confesso que também gosto de ler a respeito (desde
que, claro, o redator não cometa atrocidades semânticas, gramaticais ou de
lógica, o que é, infelizmente, para lá de comum). Quando leio textos desse
tipo, dou asas à imaginação e lembro das minhas grandes (e inesquecíveis)
paixões, ora com nostalgia, ora com gostosa saudade.
O amor é o único sentimento que
nos causa, quase que simultaneamente, o prazer dos prazeres, (ou seja, o
êxtase), e a dor mais profunda e grave, capaz, até, de nos matar. Oscila, de
uma condição a outra, com uma velocidade espantosa, que nos deixa aturdidos e
sem reação.
Ao contrário do que muitos
pensam, ele nunca é igual, mas varia de intensidade, do grau um ao infinito. O
zero, evidentemente, é a sua total ausência. Por mais que tentemos, somos
impotentes para expressar as sensações contraditórias que ele produz. Mas todos
os que já passaram por essa experiência maravilhosa e inigualável sabem o que
ocorre, embora não consigam descrever.
As palavras são pequenas demais,
pobres, paupérrimas, minúsculas, ínfimas, para expressar sentimento tão
grandioso. Por isso rogo, mais uma vez, ao amável e paciente leitor, que me
perdoe (pela trilionésima vez) por mais estas desconexas divagações.
Já que citei Luiz Vaz de Camões
acima, nada melhor do que recorrer, de novo, ao poeta maior de língua
portuguesa. São de sua autoria estes versos antológicos, que expressam, a
caráter, essa impossibilidade de expressão face à pessoa amada (citadíssimos,
por sinal, embora muitos que os citem desconheçam a autoria):
“Onde esperança falta, lá me esconde
amor um mal, que mata e não se vê;
que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde
vem não sei como, e dói não sei por quê”.
Lindos versos, não é verdade?
Lindos e verdadeiros. O que se conclui (de todo este meu adocicado blá-blá-blá)
é que o amor (creio que sempre, mas não ouso afirmar peremptoriamente), nasce e
se desenvolve à nossa revelia. Mas quando (ou se) morre, isso acontece por
nossa única e exclusiva incompetência.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
No comments:
Post a Comment