O que Funaro foi explicar aos credores
Pedro J.
Bondaczuk
O ministro da Fazenda, Dílson Funaro, e o presidente do
Banco Central, Francisco Gros, encontraram muita incompreensão nos Estados
Unidos acerca da decisão brasileira, tomada no dia 20 de fevereiro passado, de
suspender, por tempo indefinido, o pagamento de juros de parte da dívida
externa do País.
É bom que se frise que não foi a
totalidade do endividamento que foi atingida pela medida unilateral. Somente
foram suspensas as remessas do serviço do nosso débito com cerca de 700 bancos
particulares, num montante de cerca de US$ 70 bilhões.
Os US$ 38 bilhões restantes,
assumidos perante governos e instituições do tipo do Banco Mundial, ou foram
rolados, através de negociações, com o “Clube de Paris”, ou estão sendo
saldados.
Muita gente, equivocadamente, tem
acenado perante o nosso governo com a possibilidade da ação decidida pelo
presidente José Sarney desorganizar todo o sistema financeiro internacional,
gerando um verdadeiro caos no mundo. Nenhuma tese, no entanto, é mais
inconsistente e facciosa do que esta.
O que poderá ocorrer é os bancos
credores apresentarem 20% a menos de rentabilidade em suas ações e nada mais.
Ou seja, enquanto para nós, o não desembolso desses juros, no presente momento,
é uma questão de vida ou morte, para eles não passa de um mero incômodo
determinado por uma queda na sua lucratividade acionária. O sistema, da forma
como está dimensionado, está apto a absorver esse atraso de pagamento, sem
grandes inconvenientes.
Na conversa, no sábado, (enquanto
os brasileiros pulavam e brincavam o Carnaval, de Norte a Sul do País), do
ministro Dílson Funaro, com o secretário do Tesouro norte-americano, James
Baker III e com o presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, Paul Volcker,
foram explicados detalhes da posição do nosso governo que a imprensa de “Tio
Sam” tem feito questão de omitir.
Por exemplo, foi ponderado que
nos últimos quatro anos, mesmo tendo feito um esforço gigantesco para honrar
seus compromissos e gerando saldos excedentes fantásticos em sua balança
comercial, o Brasil não obteve vantagem alguma com o seu empenho e com a sua
honestidade. Ao contrário, apenas agravou a dívida social interna.
Por exemplo, pagamos, somente de
juros e de “spreads”, sem a amortização de um único centavo do principal, a
“bagatela” de US$ 48 bilhões! Em contrapartida, recebemos somente US$ 11
bilhões de dinheiro novo no período, insuficientes sequer para modernizar nosso
parque exportador ou para custear construções de obras de infraestrutura
(principalmente no tocante a investimentos no setor de energia elétrica),
indispensável para que não venhamos, a médio prazo, a ficar paralisados por
falta de eletricidade para movimentar nossas máquinas, responsáveis pela
geração das divisas com que saldamos o serviço do endividamento.
Dessa maneira, nós, que dado o
nosso explosivo crescimento populacional, precisamos desesperadamente de
capital para bancar nosso desenvolvimento, acabamos por nos tornar exportadores
dele. Nossa indústria, nossa agricultura e nossas obras básicas, como
hidrelétricas, silos, armazéns e estradas, ficaram privadas de US$ 37 bilhões,
arrancados com suor e lágrimas muitas vezes por nossa população. É evidente que
nessas circunstâncias “há algo de podre no reino da Dinamarca”, como diria
Shakespeare.
A argumentação norte-americana é
que nenhum outro devedor tomou atitude semelhante. Mas isso aconteceu não
porque tais países não tivessem pensado num expediente desse tipo. É que
ninguém vem exportando, também, tamanho volume de capitais para fora. O
analista, inclusive, estranha tamanha má vontade do sistema financeiro
internacional com relação ao Brasil neste momento.
Não há motivo algum, por exemplo,
para que nos seja cobrado um juro de quase 1,5% acima da “libor”, a taxa
interbancária dos bancos britânicos. Esse excedente, portanto, não é legítimo,
posto que não se destina a dar uma remuneração justa e adequada ao empréstimo
concedido, mas invade o terreno nebuloso da usura.
Impõe-se um sacrifício desumano a
toda uma sociedade, carente e empobrecida, de 146 milhões de pessoas, apenas
para que as ações de determinadas instituições financeiras se tornem mais
rentáveis na Bolsa de Nova York. E isto é, acima de tudo, imoral!
O que está em jogo, no entanto,
são vidas humanas. São seres da mesma espécie que os credores, que apenas sabem
exigir crescentes sacrifícios dos outros sem que se disponham a fazer
concessões. É evidente que ninguém está pedindo “esmola”, até porque somos
suficientemente dignos para dispensar qualquer ação de benemerência.
O que oo Brasil deseja é que esta
visível distorção, que não é vista apenas por quem não quer ver, seja
corrigida, para que ele possa continuar honrando os seus compromissos como
sempre fez. Mas aqueles legítimos e justos, e não os oriundos de ingenuidades
ou de escusas negociatas (sabe-se lá da parte de quem).
Esta é, inclusive, a principal
missão de Dílson Funaro e de Francisco Gros. Negociar é isto. É dialogar, é
expor as dificuldades, é tentar, de comum acordo, achar saídas satisfatórias
para todos. Já estava na hora de alguém tomar alguma atitude como a tomada pelo
nosso País. E estejam certos que a providência brasileira não irá representar
nenhuma catástrofe, nem para nós e nem para o sistema como um todo.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de março
de 1987).
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