Wednesday, February 08, 2017

O que Funaro foi explicar aos credores


Pedro J. Bondaczuk


O ministro da Fazenda, Dílson Funaro, e o presidente do Banco Central, Francisco Gros, encontraram muita incompreensão nos Estados Unidos acerca da decisão brasileira, tomada no dia 20 de fevereiro passado, de suspender, por tempo indefinido, o pagamento de juros de parte da dívida externa do País.

É bom que se frise que não foi a totalidade do endividamento que foi atingida pela medida unilateral. Somente foram suspensas as remessas do serviço do nosso débito com cerca de 700 bancos particulares, num montante de cerca de US$ 70 bilhões.

Os US$ 38 bilhões restantes, assumidos perante governos e instituições do tipo do Banco Mundial, ou foram rolados, através de negociações, com o “Clube de Paris”, ou estão sendo saldados.

Muita gente, equivocadamente, tem acenado perante o nosso governo com a possibilidade da ação decidida pelo presidente José Sarney desorganizar todo o sistema financeiro internacional, gerando um verdadeiro caos no mundo. Nenhuma tese, no entanto, é mais inconsistente e facciosa do que esta.

O que poderá ocorrer é os bancos credores apresentarem 20% a menos de rentabilidade em suas ações e nada mais. Ou seja, enquanto para nós, o não desembolso desses juros, no presente momento, é uma questão de vida ou morte, para eles não passa de um mero incômodo determinado por uma queda na sua lucratividade acionária. O sistema, da forma como está dimensionado, está apto a absorver esse atraso de pagamento, sem grandes inconvenientes.

Na conversa, no sábado, (enquanto os brasileiros pulavam e brincavam o Carnaval, de Norte a Sul do País), do ministro Dílson Funaro, com o secretário do Tesouro norte-americano, James Baker III e com o presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, Paul Volcker, foram explicados detalhes da posição do nosso governo que a imprensa de “Tio Sam” tem feito questão de omitir.

Por exemplo, foi ponderado que nos últimos quatro anos, mesmo tendo feito um esforço gigantesco para honrar seus compromissos e gerando saldos excedentes fantásticos em sua balança comercial, o Brasil não obteve vantagem alguma com o seu empenho e com a sua honestidade. Ao contrário, apenas agravou a dívida social interna.

Por exemplo, pagamos, somente de juros e de “spreads”, sem a amortização de um único centavo do principal, a “bagatela” de US$ 48 bilhões! Em contrapartida, recebemos somente US$ 11 bilhões de dinheiro novo no período, insuficientes sequer para modernizar nosso parque exportador ou para custear construções de obras de infraestrutura (principalmente no tocante a investimentos no setor de energia elétrica), indispensável para que não venhamos, a médio prazo, a ficar paralisados por falta de eletricidade para movimentar nossas máquinas, responsáveis pela geração das divisas com que saldamos o serviço do endividamento.

Dessa maneira, nós, que dado o nosso explosivo crescimento populacional, precisamos desesperadamente de capital para bancar nosso desenvolvimento, acabamos por nos tornar exportadores dele. Nossa indústria, nossa agricultura e nossas obras básicas, como hidrelétricas, silos, armazéns e estradas, ficaram privadas de US$ 37 bilhões, arrancados com suor e lágrimas muitas vezes por nossa população. É evidente que nessas circunstâncias “há algo de podre no reino da Dinamarca”, como diria Shakespeare.

A argumentação norte-americana é que nenhum outro devedor tomou atitude semelhante. Mas isso aconteceu não porque tais países não tivessem pensado num expediente desse tipo. É que ninguém vem exportando, também, tamanho volume de capitais para fora. O analista, inclusive, estranha tamanha má vontade do sistema financeiro internacional com relação ao Brasil neste momento.

Não há motivo algum, por exemplo, para que nos seja cobrado um juro de quase 1,5% acima da “libor”, a taxa interbancária dos bancos britânicos. Esse excedente, portanto, não é legítimo, posto que não se destina a dar uma remuneração justa e adequada ao empréstimo concedido, mas invade o terreno nebuloso da usura.

Impõe-se um sacrifício desumano a toda uma sociedade, carente e empobrecida, de 146 milhões de pessoas, apenas para que as ações de determinadas instituições financeiras se tornem mais rentáveis na Bolsa de Nova York. E isto é, acima de tudo, imoral!

O que está em jogo, no entanto, são vidas humanas. São seres da mesma espécie que os credores, que apenas sabem exigir crescentes sacrifícios dos outros sem que se disponham a fazer concessões. É evidente que ninguém está pedindo “esmola”, até porque somos suficientemente dignos para dispensar qualquer ação de benemerência.

O que oo Brasil deseja é que esta visível distorção, que não é vista apenas por quem não quer ver, seja corrigida, para que ele possa continuar honrando os seus compromissos como sempre fez. Mas aqueles legítimos e justos, e não os oriundos de ingenuidades ou de escusas negociatas (sabe-se lá da parte de quem).

Esta é, inclusive, a principal missão de Dílson Funaro e de Francisco Gros. Negociar é isto. É dialogar, é expor as dificuldades, é tentar, de comum acordo, achar saídas satisfatórias para todos. Já estava na hora de alguém tomar alguma atitude como a tomada pelo nosso País. E estejam certos que a providência brasileira não irá representar nenhuma catástrofe, nem para nós e nem para o sistema como um todo.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de março de 1987).


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