Perestroika ainda incerta
Pedro J.
Bondaczuk
O que está se verificando na União Soviética, nestes dois
anos e meio da gestão do líder Mikhail Gorbachev, pode ser encarado como uma
espécie de revolução sem tiros. É verdade que ainda é muito cedo para se cantar
vitória, diante da ferrenha oposição que a chamada Perestroika vem enfrentando
na cúpula do Partido Comunista e, principalmente, por causa do retrospecto das
aberturas anteriores ensaiadas nesse país, que redundaram em frustrações, tanto
para o seu próprio povo, quanto para a comunidade internacional.
Mas não se pode negar que em
alguns aspectos a política de transparência já deu passos bastante largos,
embora em outros venha sendo decepcionante. Ainda é um tanto prematuro entender
o processo de fermentação em andamento na URSS e prever o que surgirá dele. Não
se pode deixar de dar razão ao presidente norte-americano, Ronald Reagan,
quando afirma que confia em Gorbachev, mas desconfia da União Soviética.
O mesmo pensamento de cautela
parece dominar a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, que pede a
seus pares europeus muita moderação em relação a seus contatos com Moscou. Não
seria, por exemplo, nenhuma novidade (embora viesse a ser uma ducha de água
fria em nossas esperanças de um mundo mais seguro), se o idealizador da
Perestroika tivesse os seus passos obstados pelos conservadores, no
importantíssimo congresso especial que vai se realizar na próxima semana.
Opositores, certamente, não lhe
faltam. E embora o próprio dirigente busque desmentir que tenha uma diferença
de opiniões mais séria com o número dois do Cremlin, Yegor Ligachev, esta salta
aos olhos, mesmo do observador à distância.
Ademais, pesquisas de opinião
demonstram que a própria e sofrida população soviética ainda não confia nessas
propaladas mudanças, embora nutra uma secreta esperança de que desta vez elas
possam dar certo. Por enquanto, tudo tem sido uma festa, em especial para
grupos que foram muito oprimidos, principalmente sob a gestão de Leonid
Brezhnev.
Mazelas da sociedade marxista
local, ciosamente (ou criminosamente?) escondidas até aqui, têm vindo a público
diariamente. Coisas como a delinqüência juvenil, o abandono de menores, a
prostituição, as desavenças étnicas, os descalabros na Justiça, os abusos de
poder dos burocratas do partido, atos de corrupção e de incompetência e até uma
insólita revisão da história, em busca da verdade, têm pontilhado os
noticiários locais de jornais, revistas, rádio e televisão e, principalmente,
do Ocidente.
Oxalá Gorbachev seja, realmente,
quem parece que é e que o seu projeto reformista saia vitorioso. Afinal, é
confortador para a humanidade ganhar um antigo e magnífico adversário (por
sinal, a outra superpotência mundial) como aliado na luta contra a miséria e a
violência.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23
de junho de 1988).
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