Graciliano,
um perfeccionista
Pedro J. Bondaczuk
O escritor por vocação, e não o de ocasião,
desenvolve um senso de autocrítica exacerbado, que o leva sempre a encontrar
defeitos em sua obra, mesmo que ninguém mais os encontre. É um tal de escrever,
reescrever, burilar, retocar, fazer, refazer, que, se alguém não detiver o
processo, este não terá mais fim.
Um dos maiores contistas e romancistas brasileiros
de todos os tempos, Graciliano Ramos, cujo centenário de nascimento transcorreu
no dia 27 de outubro, era assim. Possuía um capricho extremo por tudo o que
escrevia.
Era, sobretudo, econômico nas palavras. Seus textos
são deliciosos de se ler, não apenas pela profundidade da análise psicológica
dos personagens --- especialmente os flagelados da seca de "Vidas
Secas" e os protagonistas dos contos do livro "Insônia" ---, mas
pela precisão matemática com que expôs suas idéias.
Em obras de Graciliano Ramos não há o supérfluo.
Suas frases são sempre curtas, exatas, medidas, sonoras e conseqüentes. Ainda assim,
o escritor não se mostrava satisfeito com os resultados. Prova disso é o que
ele escreveu na página 8 de "Memórias do Cárcere" (1º volume da 5ª
edição da Martins Editora, São Paulo, 1965): "Por que foi que um dos meus
livros saiu tão ruim, pior do que os outros?, pergunta o crítico honesto. E
alinha explicações inaceitáveis. Nada disso: acho que é ruim porque está mal
escrito. E está mal escrito porque não foi emendado, não se cortou pelo menos a
terça parte dele".
Chegam a ser comovedoras tamanha honestidade e,
sobretudo, humildade vindas de um escritor consagrado mundialmente, como era o
caso de Graciliano. Como essa atitude é diferente da de tantos garatujadores
que há por aí, arrogantes, porém vazios, que escrevem textos caudalosos,
eivados de lugares comuns, desprovidos de estilo, com expressões dúbias e que
emitem conceitos ridículos sobre temas que sequer entendem!
E estes ainda se atrevem a achar que escrevem bem.
Costumam assediar as redações em busca de publicações das
"preciosidades" que perpetram.
Mário de Andrade também tinha a mesma meticulosidade
do escritor alagoano. O autor de "Macunaima" e "Paulicéia
Desvairada" confessa, num texto, o seu método de acabamento para o que
escrevia: "É então, como artista confeccionador da obra de arte, que eu
corrijo, transformo, deformo, melhoro, pioro, maltrato, etc.etc.etc."
Graciliano Ramos era um crítico severo não apenas de
sua obra literária, mas de tudo o que fazia. Quando prefeito da cidade de
Palmeira dos Índios, em Alagoas, escreveu um saboroso relatório ao governador
do Estado, fazendo um balanço da sua administração.
No meio das cifras de sua prestação de contas, o
escritor encerra o documento da seguinte e pitoresca forma: "Não favoreci
ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém,
foram da inteligência que é fraca. Perdi vários amigos, ou indivíduos que
possam ter semelhante nome. Não me fizeram falta. Há descontentamento. Se a
minha estada na prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez
eu não obtivesse dez votos".
Como seria bom se os políticos de hoje tivessem
tamanha capacidade de auto-avaliação e, sobretudo, esta integridade!
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