Preço
de um sorriso
Pedro J. Bondaczuk
Quanto vale um sorriso, daqueles espontâneos que se
refletem nos olhos e espelham uma alegria interior genuína? A pergunta pode
parecer tola mas, creiam-me, não é. Para a menina norte-americana Chelsey
Thomas, que na época tinha sete anos (hoje, caso esteja viva, tem vinte e sete)
sorrir custou um sacrifício extra, de dor, decorrente de uma cirurgia de oito
horas de duração, em um hospital de Los Angeles, feita no dia 23 de abril de
1996. A garotinha sofria de uma moléstia relativamente rara, a Síndrome de
Moebius, que afeta cerca de 100 mil pessoas nos Estados Unidos e que impede que
seus portadores expressem na face qualquer emoção. Para mim, essa expressão de
alegria, satisfação ou simpatia tem custado um preço impossível de se
quantificar em cifras. Mas ainda assim, sorrio.
Não com aquele esgar, aquele ríctus, aquela careta
que para muitos representa um sorriso. Isso certamente não. Nem aquele duro, de
maldade, como que de apreciação das desgraças alheias, que tanta gente utiliza.
Não o falso, o torto (o saudoso jornalista Octávio Ribeiro costumava dizer que
todo bandido tem a boca torta quando sorri), que se esboça nos lábios, mas que
um bom observador percebe que não é sincero, que não é franco, que não é
magnânimo. Esse não reflete nenhuma emoção sadia. Não vem do coração. É apenas
cerebral. É um disfarce para maldosas maquinações. Os olhos permanecem duros. O
coração mantém-se fechado. Denuncia, para um bom observador, a falsidade que há
por trás dele. Não passa de um esgar horrendo, maldoso e até sinistro.
Quando criança, dadas as circunstâncias da minha vida – em
decorrência de uma poliomielite extemporânea que me acometeu – poucas vezes
pude sorrir. Tanto, que todas as fotos desse período, que restaram em minha
casa, me mostram ou sério, ou tenso ou chorando. Com o tempo, porém, comecei a
entender que me restaram infinitos motivos de satisfação. O maior deles é o
próprio fato de estar vivo, de ter inteligência, de poder, através do meu
esforço, concretizar sonhos, desde que não sejam superiores à minha capacidade.
Sobraram-me motivos concretos para sorrir. Pessoas generosas ensinaram-me a
observar as coisas boas ao meu redor, que na minha revolta contra o acaso, que
me marcou fundamente na carne, e na autopiedade que cultivei, em decorrência
disso, eu não via.
Benditos altruístas! Iluminados homens e mulheres,
anjos com aspectos e vestimentas humanos, seres raros e especiais, que tiveram
paciência e disposição para tomar pela mão um menininho assustado e
desorientado e o conduziram pelas veredas da beleza! É em respeito a eles, que
me ensinaram a sorrir, que sorrio mesmo quando a situação não é para isso. É
por eles que não me permito nutrir pessimismos. Sempre que puder, testemunharei
minha gratidão pelos que me abriram os olhos para a vida. E se Deus permitir,
nas memórias que pretendo escrever antes da minha extinção, vou deixar seus
nomes registrados.
Alguns, hoje em dia, superestimam minha capacidade e
apontam-me, seguidamente, como exemplo aos indolentes, desanimados e
pessimistas. Longe de mim servir de padrão, de paradigma, de referencial para
quem quer que seja. Tenho defeitos demais para isso. Cometo erros em demasia
para ensinar comportamento aos outros. Incorro em contradições sucessivas para
ditar qualquer norma de conduta. Mas se algum mérito eu tiver (é possível que
apenas eu não o enxergue, admito), que este seja creditado a essa gente que me
amparou em um momento em que pensei que a vida estava acabada, apenas pelo fato
da doença me tornar diferente dos demais.
Por tudo isso, reitero o que escrevi na ocasião,
inspirado na então menininha norte-americana. “Sorria, pequena Chelsey, do
fundo da sua alma, para enfeitar um pouco este mundo tão belo, que os homens
desta geração tornaram tão feio, tão tenso, tão injusto e tão violento. Há
carrancudos em excesso. Há infelizes em profusão. Há insensatos de sobra.
Há lágrimas demais. Há gemidos em enorme quantidade por toda a parte. Há
mantras de ódio, repetidos monotonamente, quase que sem cessar, em nome da
justiça, da religião e da liberdade, conceitos em vias de extinção. Sorria,
pequena Chelsey, pois o riso das crianças tem o condão de desarmar os
espíritos. Ilumine o firmamento do futuro. Encante as veredas do presente.
Envergonhe os pessimistas, os derrotistas e os tíbios. Você é a esperança de
que a sua geração será melhor do que esta. São crianças como você que têm
condições de regenerar o mundo”. E eu não estava certo? O que você acha,
paciente leitor?
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