Consenso
sobre mudanças no Plano Cruzado
Pedro J. Bondaczuk
O plano de estabilização econômica do governo,
chamado de Cruzado, que completou seu oitavo mês de implantação durante a
semana, vem demonstrando, claramente, a necessidade de alguns acertos. Aliás,
quando foi implantado, ninguém disse que ele deveria se caracterizar por
inflexível rigidez.
Por mais capacitados que sejam os economistas que o
elaboraram, seria impossível que fizessem uma obra perfeita. Em primeiro lugar,
porque o homem (e, por conseqüência, as obras que produz) se caracteriza pela
imperfeição. Em segundo, pela própria complexidade da economia brasileira e
pelo desarranjo em que ela se encontrava até 28 de fevereiro.
A primeira grande conseqüência do Plano Cruzado foi
a descompressão da demanda, reprimida desde 1980 por uma política recessiva,
que tantos danos trouxe ao País, principalmente em termos sociais. Mas o setor
produtivo, desmobilizado e com baixíssimos (ou virtualmente nulos)
investimentos nos últimos seis anos, não conseguiu acompanhar o ritmo de
consumo da população.
Não demorou muito para que se instalasse um quadro
de escassez, apenas em ínfima medida provocado artificialmente. Com a falta de
produtos, a milenar prática do mercado negro, que entre nós recebeu um apelido
mais suave, de “ágio”, se instalou, quase que imediatamente, pondo em risco um
dos objetivos da medida estabilizadora, que era conter a inflação em patamares
civilizados, toleráveis pela sociedade, já que a sua sumária eliminação não
passa de mera utopia. Ninguém ainda conseguiu isso, nem a Suíça.
A maioria dos técnicos no assunto, não importa a que
tendência estejam ligados, aponta algumas correções que deverão ser feitas,
para que o barco não comece a fazer água e não afunde. O Prêmio Nobel de
Economia de 1984, professor Franco Modigliani, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts nos Estados Unidos, que está no Brasil participando do seminário
“Arte e Bom Senso na Economia”, no Hotel Othon-Rio, no Rio de Janeiro, fez,
anteontem, algumas observações sobre o Plano Cruzado, o qual, em linhas gerais,
aprovou. E o mestre norte-americano, não apenas pela sua condição de laureado
com a mais alta premiação existente em sua categoria no mundo, mas por um outro
motivo, até mais próximo a nós, está para lá de habilitado para falar sobre o
assunto.
Recorde-se que Modigliani lecionou para dois dos
autores dessa medida econômica: Pérsio Arida e André Lara Rezende. Para o
professor, as correções que se fazem necessárias são, basicamente, quatro: 1ª)
Um aumento no imposto sobre o consumo, se possível temporário, para que a
demanda, hoje superaquecida, seja desestimulada. 2ª) Uma elevação das taxas de
juros para estimular a poupança, que sofreu severas reduções desde 28 de
fevereiro passado. 3ª) O realinhamento de preços, já que quando ocorreu o
congelamento, eles foram atingidos em patamares diferentes, muitos deles
visivelmente defasados e corroídos por uma inflação em torno de 15% mensais.
4ª) Contenção, urgente, do déficit público.
Essas medidas, sugeridas pelo Prêmio Nobel de
Economia, à exceção da primeira, são, inclusive, consensuais. Não há,
praticamente, ninguém que não as advogue hoje em dia. O próprio governo já deu
sinais de que irá proceder a tais ajustamentos assim que a poeira das eleições
de 15 de novembro próximo baixar.
No nosso entender, a segunda correção anularia a
primeira. Ou seja, um estímulo vigoroso à poupança, com o retorno do sistema de
saques mensais e um lucro real maior, faria com que os poupadores voltassem a
ter maior parcimônia no gasto do seu rico e sagrado dinheirinho. E seria
politicamente mais de conformidade com aquilo que é pregado pelas autoridades,
ou seja, menor interferência estatal na economia.
A poupança tem um papel indispensável para financiar
o desenvolvimento. Quanto maior for, mais recursos próprios o País terá para
investir e realimentar o crescimento. A criação, ou elevação de impostos, numa
sociedade nacional, onde já são até intoleráveis em alguns setores, não será
uma providência muito inteligente.
Mas induzir a população a poupar, seria preservar a
galinha dos ovos de ouro, auferindo os benefícios produzidos por ela, sem
sacrificar a ave. Beneficiaria tanto o poupador, quanto ao sistema em si e
ajudaria a promover uma redistribuição de renda, já que, nesse aspecto, o Brasil
é um dos países que têm uma das mais aberrantes distorções.
As duas outras providências, sugeridas pelo
professor Modigliani, são pontos pacíficos. Ninguém discute a sua necessidade.
Aliás, alguns preços já começaram a ser realinhados, posto que com muita
lentidão. Tal ajustamento é a única forma de se reduzir, se não for possível
suprimir de vez, a cobrança do indesejável ágio que, a rigor, é capitulável
como crime contra a economia popular.
Quanto à contenção do déficit público, o governo vem
prometendo e prometendo, mas insistem em gastar muito mais do que arrecada. Ou
seja, o espírito de austeridade e de responsabilidade que prega parece que
ainda não atingiu suas repartições.
No mais, se tais desvios forem corrigidos, é deixar
as coisas por conta da operosidade do brasileiro. O plano ainda não está
comprometido e tem tudo para dar certo. Basta que todos tenham cabeça para
entender que ninguém está fora desse barco e que, se ele afundar, todos, em
maior ou menor medida, acabaremos prejudicados.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 2 de novembro de 1986)
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