Afetos
essenciais
Pedro J.
Bondaczuk
O escritor mexicano Octávio Paz, ganhador de um
Prêmio Nobel de Literatura, trouxe à baila, em um de seus ensaios, um tema
instigante, sobre o qual tenho escrito muitos textos, sem que o tenha
conseguido elucidar, não pelo menos com a mesma clareza dele (e nem poderia): o
dos afetos essenciais que nos movem.
Trata-se do amor que dedicamos à nossa família e à
nossa casa, por exemplo. Ou da fidelidade que temos com os amigos, com uma
causa que consideremos justa e nobre e com correligionários de um determinado
partido ou organização. E também, por que não, a lealdade que manifestamos à
nossa pátria (sentimento que está se esfriando em muitas pessoas nesta época de
globalização de culturas e de idéias)..
Diz, o eminente escritor, que esses afetos “vêm do
começo, reiterações e variações da situação primeira. São a marca de nossa
condição original, que não é simples, mas dual, composta de dois termos
antagônicos e inseparáveis: fusão e desmembramento. Esse é o princípio constitutivo
de cada vida humana e o núcleo de todas as nossas paixões, sentimentos e ações.
É um princípio anterior à consciência e à razão, mas é, por isso mesmo, a
origem de ambas. Entre sentir-se e saber-se separado há a consciência de nós
mesmos: todos damos esse passo e assim chegamos à consciência de nós mesmos”.
Há
momentos, porém, em que nos sentimos deslocados no mundo, como se não fôssemos
deste lugar. Sentimo-nos como se estivéssemos em um planeta estranho, exilados
do nosso local de origem. Quem sabe, não somos, de fato, “estrangeiros” por
aqui?
A
vida é tão maravilhosa, todavia há tanto sofrimento, tanta insensatez, tanta
violência e injustiça ao nosso redor que concluímos que ela não é compreendida
pela maioria, em sua essência e grandeza (talvez, e provavelmente, nem por nós).
Compete-nos a tarefa, quem sabe inútil, de esclarecer as pessoas e
ressaltar-lhes o quão grande é o privilégio de viver. É o que filósofos,
poetas, escritores e mestres vêm fazendo desde os primórdios da civilização, com
poucos resultados.
Somos
dotados de uma certa magia, de algumas peculiaridades que nos distinguem e
caracterizam. Encaramos o mundo de forma diferente dos demais, particular, só
nossa, com nuances próprias, embora não consigamos expressar essas particularidades
em palavras.
Enxergamos não somente com os olhos, mas com o corpo (através
do tato) e, em especial, a mente, mediante o poderoso instrumento da
imaginação.
Daí
não ser correto falar em “realidade”, já que não existe uma única, igual para
todos. Entendo que essa palavra deve vir sempre no plural. Tudo (embora muitos
possam discordar) é questão de ponto de vista. Enxergamos coisas e pessoas sob
prismas diferentes dos demais. Podem até ser semelhantes, mas quase nunca (ou
talvez nunca mesmo) são iguais.
O
tempo cobra-nos duro preço, em termos de desgastes, principalmente físicos, mas
também emocionais e afetivos. Olhamo-nos, todos os dias, no espelho, e não
notamos as mudanças que ocorrem em nosso rosto. Hoje, uma ruga, amanhã, um
cabelo branco, depois, um início de calvície, mas passamos batidos de cada
transformação.
Subitamente,
certo dia, assim, de repente, sem sabermos porque, notamos, assustados, de uma
só vez, essa sucessão de desgastes. E, ao analisarmos nossas idéias e
sentimentos, percebemos que também já não são iguais aos de alguns anos atrás.
Não mais nos reconhecemos. Descobrimos que somos outros! Isso, porém, não deve
nos preocupar, se as mudanças, pelo menos no plano mental, forem para melhor,
com o acréscimo da experiência. Mas... e se não forem?
Há
certa magia nas pessoas idosas, que passeiam, com passinhos miúdos,
despreocupadas, pelas praças das cidades. Ou que se sentam, tranqüilas, nos
bancos dos jardins, para ler os jornais, como se tivessem todo o tempo do mundo
ao seu dispor. Ou que gastam, horas e horas, alimentando pombos.
Há
raios de esperança brotando, como chispas, de seus olhos, a despeito da
consciência de estarem no fim. Apesar de, no íntimo, saberem disso, ainda
esperam alguma coisa. O que? Nem eles, talvez, saibam. Mas esperam. Nisso
reside o encanto da vida. Na permanência da esperança, ao nosso lado, até nosso
derradeiro suspiro, mesmo sem sabermos no que ela consiste e para o quê ela se
volta.
Algumas
dessas pessoas guardam seus afetos essenciais, suas lealdades e fidelidades.
Outras não, por haverem perdido filhos, amigos, causas, partidos etc. Enfim,
tudo. Tudo, menos uma vaga esperança que os acalenta e mantém vivos em todos os
sentidos. A propósito, partilho com você,
paciente leitor, estes belos versos com que o poeta Helvécio Goulart encerra
seu poema “Esperança”:
“Nos
bancos dos jardins, feito de névoas,
há
mágicos sentados.
As
cabras comem as últimas flores da Primavera
e
a esperança é um rio velho, atravessando a noite”.
Lindo,
não é verdade? Lindo e verdadeiro.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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